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A Perspectiva Social do Desenvolvimento - Jorge Pires, Comissão Política
Domingo, 25 Novembro 2007

 

Jorge Pires


Camaradas e amigos
O texto base da nossa Conferência desenvolve e demonstra a tese de que o desenvolvimento do País passa pelo trabalho qualificado e remunerado, de acordo com uma melhor distribuição da riqueza e de rendimento disponível, eixos centrais de uma estratégia que considere o ser humano e os seus conhecimentos, e não o capital, como principal factor de crescimento económico, ao contrário do que tem acontecido nas últimas décadas com a aposta num modelo de desenvolvimento assente nas baixas qualificações e nos baixos salários.
 
Para o capital a questão central foi e é garantir a existência da sociedade capitalista, reproduzindo as condições materiais e sociais da sua própria existência. Foi com este objectivo que, ainda não refeito das derrotas sofridas com o processo revolucionário em 74/75 e a consagração constitucional de um conjunto de direitos sociais a que os portugueses passaram a ter acesso, o capital aceitou que o “seu Estado” assumisse a condução das políticas sociais e a concretização dessas responsabilidades, sempre no pressuposto que isso contribuiria para o processo de acumulação capitalista e não por qualquer preocupação de ordem social.
 
Esta foi a solução de compromisso entre o poder económico e o poder político a que chamam «Estado social», uma espécie de capitalismo com preocupações sociais dizem uns, capitalismo moderado dizem outros. Nem moderação e muito menos preocupação. Pela sua natureza agressiva e exploradora e porque o capitalismo é um sistema de acumulação e não de manutenção quer sempre mais, mesmo que este objectivo se traduza em mais dificuldades sociais para o povo.
 
É assim que fruto da sua dinâmica e das alterações que foi processando no sistema público, o capital percebeu, tal como vinha acontecendo um pouco por toda a chamada «Europa desenvolvida», que sectores significativos do sector público que produzem bens não transaccionáveis, particularmente nas áreas sociais, se transformaram em potenciais áreas de negócio bastante lucrativas. Desde então o poder político tem vindo a impor um conjunto de privatizações que começaram pelas empresas que prestam serviços essenciais às populações para depois, impulsionado pelas conclusões da cimeira de Lisboa em 2000, intensificar a sua ofensiva pelo controle das funções sociais do Estado, como são a educação e a investigação, a saúde e a segurança social, mercantilizando-as e retirando ao Estado aquela que devia ser uma das suas funções mais importantes que é a de motor do desenvolvimento social.
 
 
O crescimento económico, sendo fundamental num processo de desenvolvimento que se quer equilibrado é, contudo, insuficiente pelo que devia ser acompanhado de um investimento significativo nas políticas sociais, particularmente na educação e na investigação, na cultura, na saúde, na segurança social e no ambiente.
 
A opção tem sido por uma estratégia de retirar ao Estado as suas responsabilidades, nomeadamente a sua função de prestador, mas com uma imposição por parte do poder económico - o Estado manter a sua função de financiador. Ou seja o grande capital substitui-se ao estado na prestação do serviço, quase sempre com apoios financeiros públicos e depois o Estado transforma-se no principal cliente, garantindo desta forma o êxito financeiro da operação. Todos sabemos porquê. Só nas áreas da saúde e da educação o “mercado” vale hoje cerca de 25.000 milhões de euros, mais ou menos 15% do PIB nacional.
 
Camaradas
 
Portugal é hoje o país mais desigual e tem dos mais elevados índices de pobreza da União Europeia. Este é o resultado não apenas de uma política que é injusta, mas sobretudo profundamente desumana.
 
Apesar dos avanços colossais da ciência e da técnica, chegados ao século XXI, em Portugal a pobreza visível atinge 2 milhões de portugueses, em muitos lares passa-se fome, morre-se por falta de assistência médica, cerca de 40% dos nossos jovens abandonam precocemente o ensino por falta de meios financeiros, milhares de portugueses mendigam prestações sociais consagrados constitucionalmente
 
É com este conjunto de chagas sociais que temos de confrontar o primeiro-ministro e perguntar-lhe se não lhe pesa a consciência por ser, tal como outros que o antecederam, um dos responsáveis por esta situação quando cada vez mais submisso aos interesses do grande capital consolida no País um sistema económico e social que se manifesta cada vez mais numa lógica predadora e desigualitária.
 
 
Como estão longe e tão perto os tempos dos slogans como «as pessoas primeiro», «com o coração e a razão», a «paixão pela educação» ou «sociedade do conhecimento» com que se tem procurado manipular cinicamente a consciência dos portugueses, fazendo de conta que têm preocupações sociais quando o objectivo foi e é levar as pessoas a aceitarem políticas contrárias aos seus próprios interesses.  
 
Mas qual paixão pela educação quando enchem a boca com as virtudes da sociedade do conhecimento mas se elitiza o acesso a níveis superiores do conhecimento, criando barreiras económicas aos filhos da esmagadora maioria das famílias portuguesas, mantendo desta forma o país com os níveis de escolaridade mais baixos da UE e simultaneamente as maiores taxas de abandono e insucesso escolares?
 
Qual paixão pela educação, quando o primeiro objectivo na formação dos nossos jovens é formar futuros trabalhadores preparados para aceitarem com naturalidade a precariedade, a mobilidade, a polivalência e a flexigurança e transformá-los em presa dócil dos interesse do grande capital?
 
Quais são as pessoas que estão em primeiro lugar quando se trata do acesso aos cuidados de saúde? Serão as mais de 700 mil que não têm médico de família, as 230 mil que estão à espera de uma cirurgia, serão os idosos que vão à farmácia e não têm dinheiro para levantar os medicamentos que necessitam, ou serão aquelas que acumulam fortunas na especulação financeira e têm todas as oportunidades?
 
Com qual coração e qual razão se decide atribuir pensões de miséria ou quando se contribui activamente para que em Portugal mais de 2 milhões de portugueses vivam abaixo do limiar da pobreza?
 
Com qual coração e qual razão, quando se instrumentaliza a cultura no sentido da competição e do lucro e não como um factor de emancipação individual e colectiva que liberte os Homens da miséria e da ignorância? Camaradas
 
A falta de políticas sociais que potenciem o próprio crescimento económico é em primeiro lugar e fundamentalmente, uma opção política de quem decidiu estar sempre ao lado dos mais poderosos contra aqueles que se recusam alimentar com as migalhas que lhes deixam na mesa após o banquete e não um problema de sensibilidade.
 
O modelo de desenvolvimento que está a ser consolidado em Portugal não é uma inevitabilidade. Esta Conferência e as suas conclusões confirmarão a existência de uma proposta alternativa que assenta numa premissa fundamental: sem um povo culto não há democracia plena, pelo que a formação integral dos cidadãos a partir de um investimento significativo na educação e na cultura é decisivo para a obtenção deste objectivo.
 
Uma proposta que aposta no desenvolvimento da ciência e da técnica como um instrumento decisivo para o reforço do nosso aparelho produtivo, questão central para a criação de riqueza, para a concretização de uma política de pleno emprego e de dignificação dos salários e pensões. Uma proposta de desenvolvimento que considera o Estado responsável pela garantia do direito à saúde de todos, independentemente do seu estatuto social e económico.
 
Uma proposta que rejeita a caridade como elemento central de uma política de combate à pobreza e à exclusão social e que investe sobretudo num Sistema Público de Segurança Social, com o aumento significativo dos valores das prestações da previdência social.

Como Lénine disse no I Congresso do ensino extra-escolar, «todo aquele que intervém contra nós com as palavras “democracia”, “liberdade”, coloca-se ao lado das classes possidentes, engana o povo, pois não compreende que a liberdade e a democracia foram até agora a liberdade e democracia para os possidentes e apenas os sobejos da mesa para os não possidentes».
Como estão tão actuais estas palavras de Maio de 1919.