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Voto dos cidadãos portugueses residentes no estrangeiro na eleição do Presidente da República
Intervenção do Deputado António Filipe
Quinta, 13 Abril 2000

Senhor Presidente, Senhores membros do Governo, Senhores Deputados,

Retomamos hoje a discussão sobre o voto dos emigrantes nas eleições para o Presidente da República, no ponto em que o PSD e o PS o deixaram na última revisão constitucional. Aí, contrariando tudo o que sempre havia defendido, com boas razões, ao longo de mais de 20 anos de democracia e mesmo o que constava do seu projecto originário de revisão constitucional, o Partido Socialista cedeu à chantagem do PSD e aceitou inscrever na Constituição da República uma norma sobre a capacidade eleitoral activa nas eleições presidenciais que não tem na devida conta, nem a natureza do órgão unipessoal a eleger, nem as caracteristicas da lei da nacionalidade portuguesa, nem as particularidades do processo eleitoral para a Presidência da República.

A ânsia de ceder ao PSD foi tal, que o PS aceitou aprovar uma norma constitucional sobre a eleição do Presidente da República que deixa incrivelmente em aberto a primeira questão a que qualquer Constituição não pode deixar de responder, que é a da definição precisa do universo eleitoral. Fechado o acordo de revisão constitucional com essa questão em aberto, ficou por resolver quais serão afinal os "laços de efectiva ligação à comunidade nacional" que darão o direito de eleger o Presidente da República. Atribuídos administrativamente por disposição transitória tais laços aos emigrantes recenseados até 31 de Dezembro de 1996, ficaram os laços dos restantes para definir em segundas núpcias reservadas aos mesmos nubentes – o PS e o PSD.

A última revisão constitucional abriu assim a porta para que a eleição do primeiro órgão de soberania da República possa ser determinada por quem não está em condições de sofrer as consequências de um eventual mau exercício do cargo. Para além dos residentes no território nacional, podem votar, de acordo com a lei da nacionalidade portuguesa, não apenas os portugueses que passaram a residir no estrangeiro, mas também os filhos de pai ou mãe portugueses nascidos fora do território nacional, os cidadãos que, de geração em geração, tenham recebido a nacionalidade portuguesa, os estrangeiros casados com cidadão português que por esse facto adquiram a nacionalidade portuguesa e que não só não a perdem com a dissolução do casamento como a podem transmitir aos filhos, e ainda os cidadãos a quem o Governo tenha atribuído ou venha a atribuir a nacionalidade portuguesa "por serem havidos como descendentes de portugueses", "por serem membros de comunidades de ascendência portuguesa" os mesmo a estrangeiros "que tenham prestado ou sejam chamados a prestar serviços relevantes ao Estado português", independentemente de qualquer ligação efectiva à comunidade nacional.

Mas para além do alargamento da capacidade eleitoral a todo o universo abrangido por este conceito amplo de comunidade nacional que decorre da lei da nacionalidade e que faz com que possam ser portugueses cidadãos que nem falam português nem sabem apontar Portugal no mapa, a questão é que a revisão constitucional de 1997 abriu também a porta a que a eleição do Presidente da República possa ser determinada pelo voto dos residentes num país onde não seja sequer possível assegurar a igualdade de oportunidades e de tratamento de todas as candidaturas, não podendo evidentemente os tribunais portugueses impor fora das nossas fronteiras o respeito pelas normas que asseguram a democraticidade da campanha e do processo eleitoral.

Os cidadãos portugueses emigrantes sabem que o PCP nada tem contra eles e que preza todos os seus direitos, incluindo os direitos de participação eleitoral. Aliás, o PCP acaba de apresentar um Projecto de Lei para que os emigrantes que possuem bilhete de identidade emitido no território nacional possam recensear-se no país em que residem usando a respectiva autorização de residência, o que presentemente lhes é vedado.

Os cidadãos portugueses residentes no estrangeiro que sabem que o PCP é o partido que mais coerentemente luta pelos seus direitos, compreendem que a posição do PCP em relação ao direito de voto nas eleições presidenciais não reflecte nenhuma animosidade em relação aos emigrantes nem tem nada que ver com o seu eventual sentido de voto, mas que resulta de uma legítima preocupação em relação à possibilidade que é real, de alguém, aproveitando as condições específicas da realização do processo eleitoral no estrangeiro, poder falsificar, por meios fraudulentos incontroláveis, a eleição do Presidente da República.

Senhor Presidente, Senhores Deputados,

Relativamente à magna questão que é preciso definir, que é a da determinação do universo eleitoral, todas as iniciativas legislativas que temos para apreciar fornecem exemplos de soluções que não podem ser consagradas. No caso do PSD e do PP, por grosseira inconstitucionalidade. No caso do Governo, para além das legítimas dúvidas quanto à constitucionalidade de algumas soluções propostas, sobressai o facto incontornável de permanecer em aberto a própria definição do universo eleitoral.

O PSD e o PP resolvem a questão com uma penada. São eleitores do Presidente da República todos os que se recenseiem, adquirindo por esse facto os laços necessários de ligação à comunidade nacional. Inconstitucionalidade grosseira. Se o mero recenseamento fosse condição suficiente para ser eleitor do Presidente da República porque razão se daria a Constituição ao trabalho de determinar expressamente que só os recenseados até 1996 gozam desse direito, devendo a lei determinar quanto aos restantes a existência de "laços efectivos de ligação à comunidade nacional"?

Se o legislador constitucional pretendesse erigir o recenseamento em critério exclusivo de ligação à comunidade nacional, como pretendem o PSD e o PP, tê-lo-ía escrito na Constituição e não precisaria nem do n.º 2 do artigo 121º nem do artigo 297º.

Acontece porém que o Proposta de Lei do Governo, neste aspecto, não só fica muito longe de resolver os complexos problemas em que o PS se deixou enredar, como vem, ainda por cima, criar outros problemas.

As razões que tornam inconstitucionais as soluções propostas pelo PSD e pelo PP aplicam-se por inteiro ao artigo 1º da Proposta de Lei, que pretende atribuir automaticamente o direito de voto aos cidadãos que se tenham recenseado até à data da publicação da lei. Se a Constituição só atribui tal direito aos recenseados até 1996, não pode o Governo alargar esse direito sem determinar quais as razões de ligação efectiva à comunidade nacional que o justificam.

O Governo considera que, para além dos recenseados até à publicação da Lei, têm laços de efectiva ligação à comunidade nacional os funcionários da União Europeia e de organizações internacionais, bem como os seus cônjuges e equiparados. Com base em quê?

E que também têm esses laços os residentes em Macau e Timor. Porquê?

Pior ainda porém, é o facto do Governo admitir que têm laços de efectiva ligação à comunidade nacional, para efeitos de poderem ser eleitores do Presidente da República, os cidadãos que se tenham deslocado a Portugal nos últimos três anos. Ora, como se sabe, deslocam-se felizmente a Portugal todos os anos muitos milhares de turistas vindos dos quatro cantos do mundo. Adquirirão por esse facto laços assim tão relevantes de ligação efectiva à comunidade nacional? E como é que se demonstra a deslocação a Portugal nos últimos três anos? Apresentando um bilhete da EXPO98? Exibindo um vídeo datado que tenha a Torre de Belém em fundo? E quem é que certifica a veracidade da deslocação efectuada e dos laços invocados? E o prazo de três anos refere-se ao momento do recenseamento, ou refere-se ao momento da eleição? Se a Lei Eleitoral para o Presidente da República não resolver estes problemas quem é que o Governo espera que os vá resolver?

Prevê o Governo que não possam ser eleitores do Presidente da República os cidadãos que declarem sob compromisso de honra que não participam na eleição do Presidente da República do país onde residem. Regista-se o valor que o Governo atribui à honra dos cidadãos, mas não pode deixar de perguntar-se quem é o fiel depositário da honra dos cidadãos e como é que se evita que algum cidadão indigno dessa confiança decida manchar a sua honra votando em dois Presidentes da República.

A Assembleia da República não pode aprovar uma lei assim. Nós não contestamos a aplicação da Constituição tal como ela existe, embora tivéssemos discordado da solução consagrada. O que já não podemos aceitar é que um diploma legal com a importância da Lei Eleitoral para o Presidente da República seja transformado numa inconcebível e inaplicável trapalhada.

Senhor Presidente, Senhores Deputados,

O que distingue positivamente a Proposta de Lei do Governo relativamente aos demais Projectos é a exigência de voto presencial. Temos para nós que é de facto o mínimo exigível, sobretudo quando é o próprio Ministro da Reforma do Estado a admitir publicamente a facilidade com que se pode manipular o voto por correspondência.

Não seria necessário ser o próprio Ministro a admiti-lo, embora isso não deixe de ser significativo. Já o acórdão do Tribunal Constitucional que em 1989 se pronunciou pela inconstitucionalidade do voto dos emigrantes nas eleições para o Parlamento Europeu se referia à falta de garantias de pessoalidade e de segredo de voto decorrentes do voto por correspondência e invocava a jurisprudência da Comissão Europeia dos Direitos do Homem que justifica a condição de residência como requisito de capacidade eleitoral activa com base, entre outras razões, do "receio de fraude eleitoral, cujo risco é aumentado pelo voto por correspondência". Quem o diz é a Comissão Europeia dos Direitos do Homem.

A este respeito, os Projectos de Lei do PSD e do PP não poderiam ser mais permissivos. Admitem o voto presencial, e só faltava que não admitissem, mas mantém o voto por correspondência na disponibilidade do eleitor. O PSD ainda se dá ao trabalho de prever que o voto por correspondência possa ser exercido por cidadãos que, por razões devidamente comprovadas – não se sabe como nem por quem – se encontrem impossibilitados de se deslocar à assembleia de voto, mas o PP limita-se a consagrar o voto à vontade do freguês.

O que não é de admirar num Projecto como o do PP que contém uma norma bem mais espantosa, que é a que divide o território eleitoral para a eleição do Presidente da República em 3 círculos eleitorais: O do território nacional, o da União Europeia e o dos demais países. E então de duas uma: Ou os autores do projecto não sabem o que é um círculo eleitoral ou então estão a pensar eleger não um, mas três Presidentes da República, sendo um para consumo no território nacional e os dois restantes destinados à exportação.

Senhor Presidente, Senhores Deputados,

A eleição do Presidente da República é um assunto da maior seriedade. Decidida que está constitucionalmente a participação de cidadãos emigrantes nessa eleição, é indispensável que a Lei Eleitoral a aprovar defina com todo o rigor quem tem capacidade eleitoral e regule o processo eleitoral por forma a não deixar dúvidas sobre a democraticidade e a veracidade da eleição. Com um Presidente da República eleito por correspondência ninguém poderia pôr as mãos no fogo quanto ao respeito por estes princípios. Não é por acaso que em quase todos os países em que o Chefe do Estado é eleito por sufrágio directo e universal, o voto dos residentes, quando admitido, é exercido presencialmente nas embaixadas e postos consulares.

O votos que fazemos neste processo legislativo é para que prevaleça a responsabilidade e o sentido de Estado e para que o Partido Socialista não se enrede em mais uma trapalhada, para gáudio do PSD e em prejuízo da democraticidade da eleição presidencial.

 

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