Partido Comunista Portugu�s
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Lei da paridade - Intervenção de Bernardino Soares na AR
Quinta, 20 Abril 2006

Lei da paridade: estabelece que as listas para a Assembleia da República, para o Parlamento Europeu e para as autarquias locais são compostas de modo a assegurar a representação mínima de 33% de cada um dos sexos (Declaração de voto)

1 — A participação das mulheres em igualdade, na vida política e cívica, desempenha um importante e insubstituível papel no progresso do estatuto das mulheres e uma condição essencial à realização plena da democracia.

Em Portugal continua a existir um défice de participação das mulheres nos órgãos de participação política, bem como em altos cargos governativos, incluindo em cargos de nomeação da Administração Pública.

Aos partidos políticos cabe um importante papel no necessário aumento do número de mulheres nas listas eleitorais e em lugares elegíveis para a Assembleia da República, Parlamento Europeu, assembleias legislativas regionais e autarquias locais. Esta responsabilidade deve ser concretizada através de um processo de auto-regulamentação e no respeito pela liberdade de adopção das medidas que cada partido político considere mais adequadas.

A lei hoje aprovada pretende reduzir ou centrar no défice de participação nos centros de decisão política os graves e persistentes problemas de desigualdade e discriminação, que continuam a pesar sobre as mulheres, fruto de políticas económicas e sociais de cariz neoliberal. Pretendem, assim, os apoiantes desta lei esconder a estreita relação entre a natureza da política de direita em curso e o défice de participação política, que não é separável do aprofundamento das discriminações que continuam a pesar sobre as mulheres em todas as esferas da vida.

Mais do que isso, procuram apresentar esta lei, ela mesma, como um instrumento de combate às desigualdades, com base na ideia de que a simples presença de mais mulheres nos órgãos de participação política seria um passo nesse sentido. Na verdade, o défice de participação política e cívica das mulheres torna especialmente visível o facto de o acesso das mulheres aos centros de decisão estar reservado a certas classes sociais, com reflexo nas políticas defendidas.

Por isso, e sem pôr em causa a constatação de que as cidadãs não estão nos órgãos de decisão política, em termos numéricos, por forma correspondente à sua intervenção política (sendo desejável um aumento da sua participação nos órgãos de poder), a verdade é que a lei aprovada não vai realizar a igualdade de oportunidades.

A grande maioria das mulheres vai continuar a estar privada dessa igualdade, o que, aliás, já acontece com a maioria dos homens.

Aplica-se, assim, plenamente, a famosa frase de Lampedusa: «É preciso que alguma coisa mude para que tudo fique na mesma.»

2 — Na verdade, não nos é proposta qualquer medida na área social, económica e cultural. Sabe-se, no entanto, pelos dados estatísticos, que continua a agravar-se a situação das mulheres portuguesas. É ver-se os dados sobre desemprego, sobre pobreza, sobre desigualdade salarial, sobre a precarização dos vínculos laborais, nomeadamente a precarização do trabalho das licenciadas.

Ora, a instituição de um sistema de quotas dando a aparência de uma igualdade irá contribuir para branquear a cristalização ou, mesmo, o aprofundamento das desigualdades.

3 — De facto, a questão do peso do sexo feminino nos órgãos de poder é consequência do sistema político capitalista, hoje neoliberalismo capitalista, que cava as desigualdades, nomeadamente as desigualdades do sexo feminino, que lhe servem de alimento.

É que este sistema vive da anulação de direitos sociais, da anulação do papel do Estado. E são as mulheres e os desiguais que conquistam direitos e a igualdade com as funções sociais do Estado.

Os factos têm provado que a paridade nada tem a ver com a igualdade. Veja-se, por exemplo, o caso da Noruega, que tomou recentemente medidas para promover a igualdade de facto, já que a alta representação do sexo feminino no Governo, na Presidência da República, no Parlamento, não assegurou a igualdade.

A paridade, as quotas, partem de uma premissa que a luta das mulheres já tinha afastado do campo ideológico.

A premissa da diferença aplicada a um «grupo homogéneo»: o sexo feminino.

Ouvimos, durante o debate, falar nos genes diferentes das mulheres (3%), nos diferentes comportamentos das mulheres, de onde resultaria um olhar político diferente das mulheres.

Foi a diferença que ditou as discriminações das mulheres, que justificou as leis de segregação racial, como muito bem anota Simone de Beauvoir.

Periodicamente, surgem-nos, nomeadamente do outro lado do Atlântico, estudos que dizem que as mulheres pensam e reagem de uma maneira diferente devido à sua biologia. Ou é porque o fosso entre as calotes ósseas é diferente nos dois sexos, ou é porque os comandos dos hemisférios se encontram trocados.

Algumas mulheres são prostitutas porque nasceram com o polegar dos pés mais longo e desarticulado dos outros dedos.

As mulheres estão vocacionadas para as humanidades, e os homens para as ciências exactas. O que, aliás, é claramente desmentido em Portugal pela percentagem de mulheres licenciadas em ciências exactas.

A célebre Teoria da Diferença levou uma investigadora francesa, Catherine Vidal, a escrever um célebre artigo intitulado: Quando a ideologia invade a biologia.

De facto, o próprio processo biológico a nível do cérebro indica que são as condições sociais e económicas que mais influenciam o ser humano. Uma grande parte dos neurónios e das suas conexões aparecem na adolescência.

Mas se a paridade parte da diferença, ignora, no que toca às classes sociais, as diferenças de interesses entre as classes em que se integram os seres humanos que pertencem ao sexo feminino.

E é por isso que as e os paritários falam da forma especial de fazer política do sexo feminino. Podem dar-se vários exemplos do contrário: Condoleeza Rice é o supremo expoente de uma classe de mulheres aliada do poder masculino, ou seja do poder dos homens que detêm o poder económico.

As ideologias não acabaram, ao contrário da pressuposição que está na base da paridade. O debate demonstrou cabalmente que o conceito de género representa, aliás, um regresso à natureza.

4 — O PS que detém uma fraca percentagem de mulheres eleitas para as autarquias locais — pouco mais de metade do número de eleitas pela CDU — alterou a lei eleitoral para a Assembleia da República e para as autarquias locais, por forma que contraria as suas afirmações feitas durante o debate.

As propostas aprovadas são igualmente para o PS um instrumento, quer para disfarçar a gravidade das opções em matéria de sistema eleitoral que a par delas avançarão — distorcendo o sistema democrático e empobrecendo a democracia — quer para desviar as atenções de uma política que continua a agravar a discriminação das mulheres na sociedade, seja nas relações laborais, na incidência da pobreza, no acesso à saúde ou em tantas outras vertentes e direitos fundamentais.

5 — Se é verdade que o artigo 109.º da Constituição da República Portuguesa pode constituir uma credencial constitucional para um sistema de quotas, se é verdade que a não promoção de quaisquer medidas com vista à instituição da igualdade de oportunidades constitui uma inconstitucionalidade por omissão, tudo como refere o Professor Jorge Miranda, a verdade também é que há um outro modelo de promoção da igualdade: o modelo da implementação progressiva que foi seguido nos países nórdicos.

A verdade é que, também como diz o Professor Jorge Miranda, as quotas, como medida de discriminação positiva, têm de ser temporárias. O que não é o caso. E têm também de respeitar a proibição do excesso.

O que também não é o caso.

A inclusão nas leis eleitorais de normas que novamente impõem regras ao funcionamento interno e liberdade de decisão e organização dos partidos, com a sanção de excluir a sua participação em actos eleitorais, encerra a maior gravidade. O que os partidos que aprovaram a lei pretendem é alimentar a ideia de que as causas de todos os problemas, incluindo os défices de participação política das mulheres, residem no funcionamento interno dos partidos e não no conjunto da sociedade.

Por isso votámos contra.