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A Indústria e o investimento directo estrangeiro - Intervenção de Henrique Cunha
Terça, 19 Junho 2007

 

A Indústria e o investimento directo estrangeiro
Intervenção de Henrique Cunha

 

1 - A evolução da penetração do investimento estrangeiro em Portugal


1.1  - Entre 1976 e 1977, o governo legislou no sentido de captar investimento directo estrangeiro (IDE), criando para tal a concessão de subsídios e regulamentando os reenvios dos lucros para o país de origem. Com estes objectivos fundou o Instituto de Investimentos estrangeiros (IIE).

No entanto, até 1984, o IDE nunca chegou a atingir 1% do PIB. No início, o IDE foi principalmente dirigido para investimento na indústria transformadora (cerca de 45%).

Remonta ao fim deste período um dos investimentos mais importantes: a instalação em Portugal da empresa Renault que beneficiou largamente de incentivos dispensados pelo Estado. É conhecida a forma como terminou o negócio.

1.2 - Com a adesão à CEE e a posterior liberalização do investimento estrangeiro, o IIE foi extinto e parte das suas funções foi integrada no ICEP (1990).

A criação dos fundos estruturais específicos, PEDIP I (1989-92), PEDIP II (94-99), e, a partir de 2001 o designado Programa de Incentivo à Modernização da Economia (PRIME) fazem crescer o IDE na busca dos fundos especialmente destinados à indústria, bem como dos incentivos estabelecidos pelo Estado Português.

É importante ter presente que grande parte destes investimentos estrangeiros retorna à origem, em consequência dos bens de equipamento importados decorrente de normas de aplicação.

No decorrer deste período, a taxa anual de crescimento do IDE, entre 1986 e 1991 situa-se na ordem dos 72%. O IDE em 1991 atingiu 393 mil milhões de escudos, correspondendo a 4,6% do PIB. A penetração das multinacionais, através do seu investimento, tem um peso na indústria transformadora de cerca de um terço, distribuindo-se os restantes dois terços pelos sectores financeiros, comerciais e imobiliário.

 

2 - Alterações introduzidas na produção pelo IDE

Importa avaliar das consequências trazidas à produção industrial, decorrentes destes investimentos, seja no aumento da produção, seja nas alterações do perfil produtivo.

O desenvolvimento do IDE está, desde o seu início, em clara convergência com a política contra-revolucionária conduzida pelos governos em Portugal, com o neoliberalismo e as privatizações que visaram destruir o sector empresarial do estado. De resto, a própria legislação que regulamentava as privatizações depressa foi ignorada, nomeadamente no que se referia às limitações na participação do capital estrangeiro nas empresas que tinham sido nacionalizadas ou nas quais o estado detinha maioria do capital. Quando tal não sucedeu de forma directa, os grupos económicos de antes do 25 de Abril encarregaram-se, na sua marcha para a recuperação, da venda às multinacionais de parte das aquisições que acabavam de receber do governo a preços de saldo.

Deste modo, a parte mais substancial do IDE no período de 86-92 orientou-se, não no sentido de criar novas empresas de produção mas sim no da aquisição e investimento nas empresas já existentes (cerca de 2/3 dos fundos disponibilizados). Nalguns casos para posteriormente as levar ao encerramento. É disto bom exemplo o trajecto percorrido pela ABB (capitais suecos) ao conduzir a Sorefame e outras unidades de fabrico de bens de equipamento pesado e de material de transporte a sucessivas reduções de capacidade até ao encerramento.

Entre 1987 e 1992, o número de empresas que passou a dispor de maioria de capital multinacional aumentou de cerca de 50% (de pouco mais de 100 para 148) num universo das 500 maiores empresas, pertencendo mais de metade à indústria transformadora (de 66 em 1989 para 82 em 1992).

Em 1997, os activos totais detidos por empresas estrangeiras em Portugal estavam avaliados em 8% do PIB, actualmente aproximam-se de 50% do PIB (70 mil milhões de euros).

A taxa de participação na área industrial é bem menor, e tem vindo a baixar percentualmente. O capital alemão, desde 2004, não investiu em novas unidades industriais, tendo procurado novas empresas na área comercial e de serviços.

No entanto, segundo dados da Câmara de Comércio e Indústria Luso-Alemã, das 350 sociedades com totalidade de capital alemão ou detendo a sua maioria, 2/3 pertencerão ainda à actividade industrial.

A percentagem de investimento do IDE na indústria transformadora era superior a 40% em 1980, baixou para 30% em 89-90 e em 94 é já inferior a 20%.

O investimento mais importante na indústria transformadora é, como se sabe, o projecto Auto-Europa que, segundo dados da Agência Portuguesa para o investimento envolve, desde 1991, 3 mil milhões de euros.

Paralelamente, com predominância de capital alemão, foi intensa a aquisição de empresas de fabrico de componentes de automóvel de que são exemplo a Plasfil, a Fabopol, a Impormol, a Arjal.

O IDE contribuiu de forma considerável para o aumento da produção e para a modernização e desenvolvimento de alguns sectores industriais mas, de uma maneira geral, funcionou sempre enquadrado na política de desindustrialização dos governos e decorrente da entrada na União Europeia.

Com efeito, os designados Programas específicos de Desenvolvimento da Indústria Portuguesa introduziram importantes verbas na indústria e, como observamos, com significativa intervenção do IDE, e contribuíram com tão elevada quantidade de fundos para a reestruturação de sectores e acções na área da formação profissional. Portanto, o investimento estrangeiro ao abrigo dos PEDIPs contribuiu em muitos casos para a melhoria do funcionamento e, consequentemente para aumentos de produtividade e competitividade em algumas áreas.

3 - Algumas conclusões

O PCP sempre chamou a atenção para a débil estrutura industrial e para o deficiente perfil de industrialização, como constituindo aspectos fulcrais que urge resolver por serem condição essencial para a melhoria da economia nacional.

Consta dos programas do Partido a constante referência acerca da necessidade de revisão das condições de atracção do IDE, de molde a que este não seja um mero instrumento conjuntural e antes possa constituir uma contribuição válida para a estruturação da nossa indústria.

Na realidade, tem-se assistido a investimento estrangeiro que visou sobretudo beneficiar dos fundos estruturais destinados à indústria sem terem contribuído, na generalidade, para a criação de novas empresa, antes contribuindo, conforme se referiu, para o encerramento de sectores estratégicos para o desenvolvimento da indústria portuguesa, e pronto a levantar voo uma vez esgotados os incentivos.

Pelos mesmos motivos, não contribuiu para reduzir o desequilíbrio da distribuição regional da indústria transformadora.

Se é certo que, nalguns casos se procedeu a renovação tecnológica, nos sectores mais avançados não se caminhou nesse sentido e em casos já citados assistiu-se ao desmembramento, paralisação e encerramento com consequências gravíssimas, quer directamente para os trabalhadores atingidos, quer de forma geral para o desenvolvimento do país.

A Auto-Europa, pela sua dimensão e volume de produção assemelha-se à árvore que não permite ver a floresta que é, neste caso, a indústria transformadora portuguesa sem apresentar alterações relevantes ou, o que ainda é pior afastando-se cada vez mais da sua função primordial que é, como aliás é reconhecido, pelo menos em palavras, pela EU ao considerá-la (à indústria transformadora) "a principal fonte de riqueza da Europa".

Se é certo que o projecto da Auto-Europa, cuja execução financeira até ultrapassou o permitido pelo programa, representando o investimento mais de 60% do IDE da indústria em 1991, contribui positivamente para a indústria nacional nem por isso vem contribuir de forma clara para a resolução das debilidades apontadas.

Com efeito, não é a existência da Auto-Europa, como o não foi o ter existido a fábrica da Renault, que permite afirmar que existe indústria automóvel em Portugal. Não dispomos de dados que nos permitam avaliar, para além do valor acrescentado produzido pelos trabalhadores, qual o grau de incorporação nacional introduzido.

Grande parte de componentes para automóveis que foram fabricados por empresas nacionais está agora na mão do capital de multinacionais e por vezes altamente dependente da produção da Auto-Europa.

Como enquadramento final parece-nos exemplar transcrever parte de uma notícia publicada no DN de 3.06.98, aquando da visita do ministro alemão da economia à fábrica de semi-condutores da Siemens em Vila do Conde, em que sua excelência do alto da sua pesporrência declara, perante os então ministros Guterres e Pina Moura, que "Portugal é um rapazinho em evolução exemplar", atribuindo o "milagre económico português" ao facto de Portugal disponibilizar "gente qualificada a baixos salários". Decorridos 9 anos e enterrado o "milagre", parece que a "gente qualificada" e os "baixos salários" já não satisfazem esta e outras multinacionais. Bastará citar, a situação na Rhode - empresa alemã de calçado - o exemplo mais recente da longa fila de empresa de multinacionais que paulatinamente se vão deslocalizando.

Deve concluir-se que a manutenção, a modernização e o desenvolvimento da indústria transformadora - condição indissociável do desenvolvimento do país - não será, no essencial, obtida a partir do IDE, que investe, como é óbvio, de acordo com os seus interesses e dificilmente se integrará num plano para o desenvolvimento do país que, aliás, não existe.