A Indústria e o investimento directo estrangeiro
Intervenção de Henrique Cunha
1 - A evolução da penetração do investimento estrangeiro em Portugal
1.1 - Entre 1976 e 1977, o governo legislou no sentido de captar investimento directo estrangeiro (IDE), criando para tal a concessão de subsídios e regulamentando os reenvios dos lucros para o país de origem. Com estes objectivos fundou o Instituto de Investimentos estrangeiros (IIE).
No entanto, até 1984, o IDE nunca chegou a atingir 1%
do PIB. No início, o IDE foi principalmente dirigido para investimento na
indústria transformadora (cerca de 45%).
Remonta ao fim deste período um dos investimentos
mais importantes: a instalação em Portugal da empresa Renault que beneficiou
largamente de incentivos dispensados pelo Estado. É conhecida a forma como
terminou o negócio.
1.2 - Com a adesão à CEE e a posterior liberalização do investimento estrangeiro, o IIE foi extinto e parte das suas funções foi integrada no ICEP (1990).
A criação dos fundos estruturais específicos, PEDIP I
(1989-92), PEDIP II (94-99), e, a partir de 2001 o designado Programa de
Incentivo à Modernização da Economia (PRIME) fazem crescer o IDE na busca dos
fundos especialmente destinados à indústria, bem como dos incentivos
estabelecidos pelo Estado Português.
É importante ter presente que grande parte destes
investimentos estrangeiros retorna à origem, em consequência dos bens de
equipamento importados decorrente de normas de aplicação.
No decorrer deste período, a taxa anual de
crescimento do IDE, entre 1986 e 1991 situa-se na ordem dos 72%. O IDE em 1991
atingiu 393 mil milhões de escudos, correspondendo a 4,6% do PIB. A penetração
das multinacionais, através do seu investimento, tem um peso na indústria
transformadora de cerca de um terço, distribuindo-se os restantes dois terços
pelos sectores financeiros, comerciais e imobiliário.
2
- Alterações introduzidas na produção pelo IDE
Importa avaliar das consequências trazidas à produção
industrial, decorrentes destes investimentos, seja no aumento da produção, seja
nas alterações do perfil produtivo.
O desenvolvimento do IDE está, desde o seu início, em
clara convergência com a política contra-revolucionária conduzida pelos
governos em Portugal, com o neoliberalismo e as privatizações que visaram
destruir o sector empresarial do estado. De resto, a própria legislação que
regulamentava as privatizações depressa foi ignorada, nomeadamente no que se
referia às limitações na participação do capital estrangeiro nas empresas que
tinham sido nacionalizadas ou nas quais o estado detinha maioria do capital.
Quando tal não sucedeu de forma directa, os grupos económicos de antes do 25 de
Abril encarregaram-se, na sua marcha para a recuperação, da venda às
multinacionais de parte das aquisições que acabavam de receber do governo a
preços de saldo.
Deste modo, a parte mais substancial do IDE no
período de 86-92 orientou-se, não no sentido de criar novas empresas de
produção mas sim no da aquisição e investimento nas empresas já existentes
(cerca de 2/3 dos fundos disponibilizados). Nalguns casos para posteriormente
as levar ao encerramento. É disto bom exemplo o trajecto percorrido pela ABB
(capitais suecos) ao conduzir a Sorefame e outras unidades de fabrico de bens
de equipamento pesado e de material de transporte a sucessivas reduções de
capacidade até ao encerramento.
Entre 1987 e 1992, o número de empresas que passou a
dispor de maioria de capital multinacional aumentou de cerca de 50% (de pouco
mais de 100 para 148) num universo das 500 maiores empresas, pertencendo mais
de metade à indústria transformadora (de 66 em 1989 para 82 em 1992).
Em
1997, os activos totais detidos por empresas estrangeiras em Portugal estavam
avaliados em 8% do PIB, actualmente aproximam-se de 50% do PIB (70 mil milhões
de euros).
A taxa de participação na área industrial
é bem menor, e tem vindo a baixar percentualmente. O capital alemão, desde
2004, não investiu em novas unidades industriais, tendo procurado novas
empresas na área comercial e de serviços.
No entanto, segundo dados da Câmara de
Comércio e Indústria Luso-Alemã, das 350 sociedades com totalidade de capital
alemão ou detendo a sua maioria, 2/3 pertencerão ainda à actividade industrial.
A percentagem de investimento do IDE na
indústria transformadora era superior a 40% em 1980, baixou para 30% em 89-90 e
em 94 é já inferior a 20%.
O investimento mais importante na
indústria transformadora é, como se sabe, o projecto Auto-Europa que, segundo
dados da Agência Portuguesa para o investimento envolve, desde 1991, 3 mil
milhões de euros.
Paralelamente, com predominância de
capital alemão, foi intensa a aquisição de empresas de fabrico de componentes
de automóvel de que são exemplo a Plasfil, a Fabopol, a Impormol, a Arjal.
O IDE contribuiu de forma considerável
para o aumento da produção e para a modernização e desenvolvimento de alguns
sectores industriais mas, de uma maneira geral, funcionou sempre enquadrado na
política de desindustrialização dos governos e decorrente da entrada na União
Europeia.
Com efeito, os designados Programas
específicos de Desenvolvimento da Indústria Portuguesa introduziram importantes
verbas na indústria e, como observamos, com significativa intervenção do IDE, e
contribuíram com tão elevada quantidade de fundos para a reestruturação de
sectores e acções na área da formação profissional. Portanto, o investimento
estrangeiro ao abrigo dos PEDIPs contribuiu em muitos casos para a
melhoria do funcionamento e, consequentemente para aumentos de produtividade e competitividade
em algumas áreas.
3 - Algumas conclusões
O PCP sempre chamou a atenção para a
débil estrutura industrial e para o deficiente perfil de industrialização, como
constituindo aspectos fulcrais que urge resolver por serem condição essencial
para a melhoria da economia nacional.
Consta dos programas do Partido a
constante referência acerca da necessidade de revisão das condições de atracção
do IDE, de molde a que este não seja um mero instrumento conjuntural e antes
possa constituir uma contribuição válida para a estruturação da nossa
indústria.
Na realidade, tem-se assistido a
investimento estrangeiro que visou sobretudo beneficiar dos fundos estruturais
destinados à indústria sem terem contribuído, na generalidade, para a criação
de novas empresa, antes contribuindo, conforme se referiu, para o encerramento
de sectores estratégicos para o desenvolvimento da indústria portuguesa, e
pronto a levantar voo uma vez esgotados os incentivos.
Pelos mesmos motivos, não contribuiu
para reduzir o desequilíbrio da distribuição regional da indústria
transformadora.
Se é certo que, nalguns casos se
procedeu a renovação tecnológica, nos sectores mais avançados não se caminhou
nesse sentido e em casos já citados assistiu-se ao desmembramento, paralisação
e encerramento com consequências gravíssimas, quer directamente para os
trabalhadores atingidos, quer de forma geral para o desenvolvimento do país.
A Auto-Europa, pela sua dimensão e
volume de produção assemelha-se à árvore que não permite ver a floresta que é,
neste caso, a indústria transformadora portuguesa sem apresentar alterações relevantes
ou, o que ainda é pior afastando-se cada vez mais da sua função primordial que é,
como aliás é reconhecido, pelo menos em palavras, pela EU ao considerá-la (à
indústria transformadora) "a principal fonte de riqueza da Europa".
Se é certo que o projecto da
Auto-Europa, cuja execução financeira até ultrapassou o permitido pelo
programa, representando o investimento mais de 60% do IDE da indústria em 1991,
contribui positivamente para a indústria nacional nem por isso vem contribuir
de forma clara para a resolução das debilidades apontadas.
Com efeito, não é a existência da
Auto-Europa, como o não foi o ter existido a fábrica da Renault, que permite
afirmar que existe indústria automóvel em Portugal. Não dispomos de dados que nos permitam avaliar, para
além do valor acrescentado produzido pelos trabalhadores, qual o grau de
incorporação nacional introduzido.
Grande parte de componentes para
automóveis que foram fabricados por empresas nacionais está agora na mão do
capital de multinacionais e por vezes altamente dependente da produção da
Auto-Europa.
Como enquadramento final parece-nos
exemplar transcrever parte de uma notícia publicada no DN de 3.06.98, aquando
da visita do ministro alemão da economia à fábrica de semi-condutores da
Siemens em Vila do Conde, em que sua excelência do alto da sua pesporrência
declara, perante os então ministros Guterres e Pina Moura, que "Portugal é um
rapazinho em evolução exemplar", atribuindo o "milagre económico português" ao
facto de Portugal disponibilizar "gente qualificada a baixos salários".
Decorridos 9 anos e enterrado o "milagre", parece que a "gente qualificada" e
os "baixos salários" já não satisfazem esta e outras multinacionais. Bastará
citar, a situação na Rhode - empresa alemã de calçado - o exemplo mais recente
da longa fila de empresa de multinacionais que paulatinamente se vão
deslocalizando.
Deve concluir-se que a manutenção, a
modernização e o desenvolvimento da indústria transformadora - condição
indissociável do desenvolvimento do país - não será, no essencial, obtida a
partir do IDE, que investe, como é óbvio, de acordo com os seus interesses e
dificilmente se integrará num plano para o desenvolvimento do país que, aliás,
não existe.
|