Partido Comunista Portugu�s
  • Narrow screen resolution
  • Wide screen resolution
  • Auto width resolution
  • Increase font size
  • Decrease font size
  • Default font size
  • default color
  • red color
  • green color
�
�

Sobre o significado do 25º aniversário do 3º COD - Lino Carvalho
Quinta, 02 Abril 1998


III COD
Há 25 anos, no caminho da liberdade

Por Lino de Carvalho

Foi há 25 anos. Em Aveiro. De 4 a 8 de Abril.
O III Congresso da Oposição Democrática , que marcou o caminho para a liberdade e a democracia.

Na declaração final do Congresso pode ler-se: "os milhares de democratas - reunidos em Aveiro - têm a consciência de que esta reunião - a que o Governo foi obrigado por pressão das condições internas e para tentar melhorar a sua imagem internacional - constitui uma grande vitória das forças democráticas. A longa mobilização de democratas efectuada em todo o País em torno da organização dos trabalhos, da elaboração das teses e do debate dos problemas apresentados, veio no seguimento da movimentação democrática crescente, ao mesmo tempo que traduz o descontentamento cada vez maior da população portuguesa em face do constante agravamento dos problemas fundamentais do País".

Como objectivos imediatos o Congresso definiu a luta pelo fim da guerra colonial; a luta contra o poder absoluto do capital monopolista; a conquista das liberdades democráticas.

Nestes dois parágrafos da declaração final estão traduzidos os aspectos centrais do Congresso: a mobilização popular e a luta por um regime de liberdade, e ajudam a compreender também muitos aspectos programáticos retomados um ano depois nos textos do MFA e na luta do Portugal de Abril, que não nasceram por geração espontânea ou por uma aceleração artificial da história mas na continuidade de um processo de exigência e de luta com origem nos movimentos democráticos da oposição à ditadura e nas suas diversas componentes.

Mais de 4000 Congressistas convergiram de todo o País para uma cidade de Aveiro cercada pela polícia de choque, pela GNR e pela PIDE. Havia obviamente um clima de forte tensão e expectativa mas respirava-se simultaneamente um ambiente de forte solidariedade e empenhamento numa iniciativa que, todos tinham consciência disso, era um momento alto no combate pela democracia e contra o fascismo. A ditadura também tinha consciência disso o que explica a mobilização, sem precedentes, das forças repressivas e o desencadeamento antes, durante e depois do Congresso de múltiplas provocações, intimidações e perseguições.

A preparação do Congresso assentou, durante meses em centenas de reuniões pelo País fora, na constituição de amplas Comissões Distritais, Grupos de Trabalho, Comissões Coordenadoras e uma Comissão Nacional com cerca de 500 elementos de todas as zonas do País.

Na definição dos contornos e objectivos do Congresso, na sua preparação e na mobilização popular, o PCP, em duras condições de clandestinidade, teve um papel determinante. Percorrendo a lista da Comissão Nacional é fácil depararmos com quadros comunistas hoje largamente conhecidos como é o caso do Secretário geral do PCP Carlos Carvalhas.

Mas o movimento vinha de trás. As eleições de 1969 tinham marcado um ponto de viragem e de ruptura com uma certa concepção conspirativa, fechada e reduzida a um grupo de personalidades que até então marcava a intervenção tradicional da chamada oposição democrática ao regime fascista.

A constituição de Comissões Eleitorais (CDE’s) por todo o País, forçando a abertura de sedes e mobilizando milhares de democratas introduziu uma nova dinâmica popular, de unidade na acção e de convergência democrática na organização e na luta pela liberdade. Método que desaguou no 3º Congresso da Oposição Democrática traduzido na elaboração de 169 teses das quais 67 eram colectivas. E se encontramos entre os autores das teses grandes vultos da democracia e da intelectualidade, muitos dos quais destacadas figuras da vida pública no Portugal de Abril também lá encontramos teses elaboradas por operários, camponeses, jovens, mulheres numa imensa mobilização popular que, aliás, constituiu o principal fermento da luta contra a ditadura que haveria de conduzir, cerca de um ano depois, ao 25 de Abril.

As teses apresentadas ao Congresso, os vivos debates que ocorreram, as conclusões aprovadas, percorreram todos os temas importantes, à época, da sociedade portuguesa. Questão central, presente em quase todas as secções, a exigência do fim do regime fascista e da guerra colonial, a liberdade de reunião, de associação, de expressão. Mas também as questões laborais e os direitos dos trabalhadores, o desenvolvimento global do País, o desenvolvimento regional e local, a situação da juventude, as questões da educação, do desporto e da cultura, a segurança, a saúde e até o urbanismo e a habitação, teses que só por si pressupõem um imenso trabalho de preparação prévia.

Apesar da censura e da repressão a ditadura não foi capaz de silenciar o Congresso. A imprensa nacional - embora a muito custo e com as notícias muito mutiladas - e a imprensa internacional fizeram-se eco do acontecimento.

A brutal repressão desencadeada contra a concentração e a romagem à campa de Mário Sacramento na manhã de 8 de Abril de 1973, de que resultaram mais de 70 feridos, foi a expressão do pânico que o Congresso provocou no regime mas também do seu enorme êxito. 25 anos depois recordo a solidariedade do povo de Aveiro, abrindo-nos espontaneamente as portas das suas casas para nos abrigarmos das cargas policiais, dos bastões e dos cães-polícia. Mas o clima de intimidação e perseguição e a repressão contra o Congresso tinham começado muitos dias antes: prisões de quem colocava cartazes a anunciar o Congresso; proibição de sessões de trabalho preparatórias; encerramento do parque de campismo de Aveiro; retenção dos comboios e camionetas que transportavam os congressistas, múltiplas operações stop. Aveiro foi cercada.

Mas tudo em vão. A pé, percorrendo quilómetros ou à boleia o cerco foi furado e milhares de democratas, grande parte dos quais jovens, chegaram às ruas da cidade e superlotaram o Teatro Avenida.

Esta imensa mobilização não se limitava contudo ao Congresso. Na clandestinidade, o PCP conduzia dezenas de pequenas e grandes lutas nas fábricas, nos campos, entre a juventude. Na Universidade (por exemplo, na Faculdade de Economia do Porto) cresciam as greves. Nas Forças Armadas desenvolvia-se um largo movimento de consciência democrática entre os militares.

Quando alguns pretendem reescrever a história, branqueando o fascismo e omitindo ou reduzindo ao máximo o papel do PCP é oportuno lembrar, designadamente para as jovens gerações, o 3º Congresso de Oposição Democrática e tudo quanto o rodeou.

Como foi possível a mobilização e o êxito do Congresso? Não significaria que o regime se estava a democratizar, como proclamava à época a chamada "ala liberal"? Não era o Congresso, como afirmavam outros, uma concessão do regime que poderia conduzir ao branqueamento da ditadura e que poderia aparecer aos olhos do mundo como um regime de liberdade onde a oposição até podia realizar as suas iniciativas?

A vida provou que aqueles, como os comunistas, que sempre se bateram pela realização do Congresso tinham razão. O Congresso realizou-se e foi um êxito porque o fascismo não teve forças para conter o imenso movimento democrático e popular que crescia no País desde as eleições de 1969. A repressão que se abateu sobre o Congresso foi a prova de que o regime não se estava a abrir. Contribuiu para o isolamento internacional da ditadura e para o caminho que abriu as portas do 25 de Abril.

O Congresso só foi, entretanto, possível com um amplo entendimento e forte empenhamento das diferentes componentes das forças democráticas com especial relevo para os comunistas, os socialistas e os então chamados católicos progressistas que, com base num intenso diálogo, juntos caminharam depois para as eleições de 1973.

25 anos depois, recordando convergências e entendimentos e sem querer fazer extrapolações despropositadas, é caso para perguntar: quantos temas existem hoje, neste final do século e em democracia, que aguardam e reclamam novos entendimentos( mas entendimentos leais) à esquerda dando corpo ao apelo final da carta-testamento de Mário Sacramento, citada na intervenção de encerramento do Congresso pelo Prof. Lindley Cintra: "Façam um mundo melhor, ouviram? Não me obriguem a voltar cá".

«Avante!» Nº 1270 - 2.Abril.98