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Pescas duráveis, ambiente e globalização neo-liberal - Intervenção de Vasco Valdez - Sessão sobre as Pescas
Sábado, 26 Maio 2007
Portugal continua confrontado com a regulamentação da Política Comum de Pescas, exigindo-se uma atitude negocial de grande firmeza na defesa dos interesses económicos das pescas portuguesas, que imponha o reconhecimento das especificidades destas e que garanta o direito a desenvolver a nossa produção pesqueira, como factor de Independência Nacional e Segurança Alimentar.

A importância do sector da pesca, em Portugal, ultrapassa em muito o seu valor em termos de percentagem do Produto Interno Bruto (PIB) já porque é um sector de que depende fortemente a economia de inúmeras comunidades ribeirinhas, já porque é um sector estratégico tanto em termos de segurança do abastecimento alimentar como em termos de Independência Nacional. (F. Pereira).
No plano nacional, nos últimos 17 anos, a gestão das pescas caracterizou-se por uma má utilização e repartição dos instrumentos financeiros da UE, por não garantir uma investigação adequada às necessidades das nossas pescarias – quando existem no país investigadores competentes – por não defender: os interesses das pescas artesanais e costeiras, das pescas em águas distantes, das indústrias de construção naval e conserveira, das frotas e dos pescadores e pelo reconhecimento dos direitos sociais dos trabalhadores que permita a sua valorização e o necessário rejuvenescimento das companhas.
A aceitação sem reservas, por Portugal, de uma Política Comum de Pescas decidida fora e contra os interesses nacionais e a subalternização da soberania nacional a interesses estranhos a Portugal, são os traços mais marcantes da política seguida nos últimos anos.
Na prática, a Política Comum de Pescas:
- Pôs em perigo a soberania nacional nas águas territoriais (12 milhas);
- Reduziu em cerca de 40% a frota portuguesa e em cerca de 66% a capacidade de produção da indústria conserveira e quase aniquilou a indústria de construção naval, sem se ter alcançado a exploração sustentável dos recursos pesqueiros;
- Não garantiu o acesso aos nossos pesqueiros tradicionais em águas exteriores, como são os casos da Groenlândia, Terra Nova, Marrocos, Senegal, Angola, Moçambique, Namíbia e África do Sul, entre outras; impediu mesmo a negociação de acordos oficiais bilaterais com países terceiros.
Neste momento estamos novamente confrontados com uma tentativa de nova regulamentação da gestão de recursos de pesca nas águas ocidentais, que conforme a última proposta apresentada pela Comissão no Conselho é extremamente lesiva dos interesses nacionais na medida em que quebrando o status quo entre Portugal e Espanha, propõe o livre acesso das suas frotas na às respectivas ZEE´s nas divisões CIEM IX e X.
Na verdade, com a redução a metade do aparelho produtivo, com a consequente redução de postos de trabalho (16 000 pescadores) e da produção nacional, Portugal tornou-se um país deficitário e cada vez mais dependente em produtos alimentares, passando de país exportador a grande importador de produtos da pesca.
Por outro lado não se prestou a devida atenção aos aspectos sociais, não se tendo em conta a dimensão sócio-económica da política de pescas, que deverá ser desenvolvida e não negligenciada. Não se verificaram mudanças significativas no sentido de melhorar as condições de vida e de trabalho dos pescadores e das comunidades directa e fortemente dependentes da pesca, regista-se um elevado grau de envelhecimento da população activa na pesca. Realidade que põe em causa a existência de importantes segmentos da frota, e que põe a nu a ineficácia dos volumosos recursos que ao longo dos anos têm sido aplicados na formação profissional, não teve reflexo no rejuvenescimento do sector.

Fim dos subsídios à pesca

A OMC, a OECD e a UE pretendem proibir e sujeitar a fortes penalizações aqueles países que subsidiem as pescas. A viabilidade das pescas depende fundamentalmente por um lado da rendibilidade da exploração e por outro da conservação dos recursos.
Quanto à rendibilidade da exploração, Garcia e Newton (1995), num relatório da FAO demonstraram que nas pescas os custos totais de exploração excedem largamente o valor do peixe desembarcado. Isto significa que as pescarias em todo o mundo são frequentemente subsidiadas, quer através de subsídios à construção e modernização das frotas e a alguns factores de produção – combustíveis, equipamentos, etc. – e ainda, e muito principalmente, a quando da suspensão de operações de pesca por motivo da conservação de recursos e até na contra-safra.
Quanto à conservação dos recursos, a necessidade de reduzir o esforço de pesca obriga a compensações a pescadores e armadores pela perda de rendimentos a qual tem que ser suficientemente atractiva e justa para ser bem aceite por uns e outros. Este processo já foi utilizado com sucesso nas pescarias do bacalhau e do arenque no Mar do Norte e no Canadá e permitiu levar a reduções do esforço de pesca para níveis mais apropriados com consequente aumento de capturas por unidades de esforço, logo com aumento da rendibilidade. Isto satisfará os pescadores ao mesmo tempo que as despesas com a fiscalização poderão ser consideravelmente reduzidas.
Logo, o fim aos subsídios previsto pela nova PCP 2003-2006 é inaceitável e irrealista.
Visa a destruição do aparelho produtivo das pescas.

Os mananciais e as alterações climáticas

A OECD, a WWF et altri confluem com a UE quando pretendem sujeitar as pescas a critérios abusivos, pseudo-científicos, que vão desde a redução do esforço de pesca para níveis inaceitáveis até à interdição total de pescas em vastas áreas oceânicas a pretexto da devastação dos oceanos pelos pescadores.
Os mananciais respondem às alterações climáticas, o que se nota através do recrutamento anual, isto é, no número (quantidade) de juvenis que se incorporam como recrutas ao manancial adulto. A variabilidade do recrutamento é elevada. Logo, torna-se necessário calcular as alterações no crescimento e na mortalidade das larvas e dos juvenis. Isto não tem sido efectivamente conseguido porque tais estudos são altamente dispendiosos.
Contudo, actualmente já é possível determinar a idade dos juvenis através dos anéis diários nos seus otólitos e, assim, estimar o crescimento e a mortalidade nas primeiras fases da vida é muito mais fiável.
As razões para os elevados custos de tais estudos são devidas ao facto dos navios necessitarem de ser mantidos no mar por longos períodos. Porém, actualmente, muito pode ser conseguido com modelações computorizadas. Obviamente o trabalho de mar continua a ser necessário, mas muitos dados poderão ser obtidos através de «bóias inteligentes» fundeadas, em substituição dos navios.
Os mananciais respondem dramaticamente às alterações climáticas; por exemplo, o manancial de bacalhau da Groenlândia Ocidental só prospera quando o centro de altas pressões (Vento do Sul) está sobre a Groenlândia. Os mananciais de peixes pelágicos aparecem e desaparecem por longos períodos, embora nem para todos tenha sido determinada a causa-efeito. A sardinha – Inverno de 2001 – parece ser um desses casos.
As flutuações quantitativas dos mananciais não serão correctamente compreendidas enquanto os mecanismos que governam o recrutamento não o forem. A necessidade de despender fundos nestes estudos é clara. Os mananciais não são realmente sustentáveis e o seu colapso, como o do bacalhau do norte atlântico, pode acontecer a qualquer momento. Se os fundos necessários não forem disponibilizados, os pescadores poderão perder os seus postos de trabalho mais rapidamente do que está a acontecer actualmente.

Alterações ambientais provocadas
pela poluição antropogénica

A degradação do ambiente oceânico não é só devida às alterações climáticas: é-o também devido à poluição antropogénica dos sectores: urbano; industrial; agrícola; barragens; dragagens e extracção de inertes; militares (lixos nucleares incluídos); marítimos (águas de balastro, lavagem de tanques, fugas de produtos petrolíferos – caso «Prestige» – navios tanques de casco único e bandeira de conveniência); obras de hidráulica costeira; indústria petrolífera, que tem uma incidência negativa nos eco-sistemas, nos habitats, na reprodução e na abundância e até na qualidade do pescado, com muito maior impacte que as pescas.
Impõem-se, consequentemente, medidas adequadas para combater esses impactes tão negativos:
- A predação dos recursos pesqueiros por mamíferos marinhos e aves aquáticas tem que ser avaliada cientificamente. O impacte da acção predatória por espécies protegidas já se sente em diversas regiões;
- O conhecimento sobre o funcionamento dos eco-sistemas marinhos;
- Os efeitos primários da poluição antropogénica acima referida, não só no ambiente marinho como nas alterações climáticas que provoca e que tanto afectam as pescas, é indispensável e, só posteriormente e se for caso disso, haverá que atender aos tais efeitos secundários da pesca sobre o ambiente que, como se sabe, são incomparavelmente menos gravosos.
Só depois de atendidas estas três premissas será possível sensibilizar os pescadores para esses tais efeitos secundários das pescas. Uma maior consciencialização dos pescadores quanto ao ambiente não será difícil, até porque estes são os principais interessados e os menos culpados. De pouco valerão «regulamentações», ou até mesmo acções normativas, se não estiverem alicerçadas na verdade.
A componente ambiental na conservação e gestão dos recursos pesqueiros foi desde sempre reconhecida como de primordial importância, quando fundamentada cientificamente na Ecologia Marinha Quantitativa, a qual poderá, e deverá, medir os impactes ambientais, antropogénicos e climáticos a que estão sujeitos os recursos pesqueiros.
A Investigação Científica em Bioceanologia de Pescas proporcionará o conhecimento necessário para o efeito.
Os critérios e filosofias «ecologicistas» defendidas pela OECD, «MSC» e até, e infelizmente, pelo UE, são inaceitáveis por falta de bases científicas que as justifiquem.

Investigação Pesqueira

Actualmente, dedicados à investigação da pesca existem os Institutos Nacionais de Investigação das Pescas, o Comité Científico da UE, o Conselho Internacional da Exploração do Mar (CIEM), os Comités Científicos das Organizações Internacionais de Pesca e outras organizações que são importantes e indispensáveis para o conhecimento dos stocks e das pescarias, bem como para a discussão científica e progressos da ciência pesqueira.
A constituição de um instituto científico comunitário, que controle e, porventura substitua, os Institutos nacionais e os outros Comités, é inaceitável.
Há que investir na Investigação Pesqueira; a tentativa de desmantelamento desta com a integração do IPIMAR no Instituto de Investigação Agrária é um passo inaceitável e perigosíssimo para as Pescas Nacionais, quando já se fala num Instituto Central Comunitário de Pescas onde a voz dos cientistas portugueses ficaria definitivamente abafada.
Logo, importa manter uma investigação pesqueira nacional autónoma, que estude estes mecanismos e que faça frente aos lobies pseudo-ambientalistas que têm objectivos inconfessáveis.

Globalização neo-liberal nas Pescas

Chegámos ao fim desta exposição; interessa agora tirar as devidas conclusões:
- Tudo isto é obra daqueles que, através da destruição, ou melhor, da inviabilização das pescas, pretendem arredar os pescadores – sensum lattus – dos seus locais de pesca. Porque logo que os oceanos fiquem despovoados de pescadores nada impedirá que as multinacionais se apropriem deles;
- A comunitarização das Zonas Económicas Exclusivas, das águas territoriais, 12 milhas, os ITQ, os parques, reservas ou áreas de não pesca não são mais que instrumentos dessa política.
Outros métodos há, mais sofisticados, como são os preconizados pelos «ecologicistas» e que também procuram reduzir as pescas a um estado de inviabilidade. Estamos a referir-nos a um tal «M.S.C.», auto-designado «Conselho de Conservação Marinha», organização patrocinada pela Unilever e WWF, que se arroga o direito de certificar as pescarias como amigas do ambiente, proporcionando rotulagens de garantia que os consumidores reconheceriam nos hiper e super mercados.
Estranho é que os maiores patrocinadores das organizações ambientalistas sejam exactamente as multinacionais agro-alimentares e.g. Unilever, Monsanto. Por outro lado, as grandes multinacionais da alimentação adquirem direitos de pesca; veja-se «Os Mosqueteiros» e outras cadeias de hipermercados que já têm as suas frotas próprias.
Esta situação requer a inversão da política que tem sido seguida, o que passa pela exigência de uma muito atenta participação na regulamentação da Política Comum de Pesca. Que, em primeiro lugar, salvaguarde a soberania nacional e que atenda aos direitos e interesses das populações do litoral, altamente dependentes dos recursos pesqueiros.

Por uma Política Nacional de Pescas

Neste quadro, é um imperativo a modificação da Política Nacional face à nova Política Comum de Pescas, orientando-as no sentido do melhor aproveitamento possível dos recursos pesqueiros, em benefício da economia nacional, das gerações presentes e das gerações futuras, exigindo-se, nomeadamente:
- A defesa de uma política de pesca que se oriente prioritariamente para a alimentação das populações – com a subsequente diminuição das importações de pescado – para o emprego pleno e melhoria das condições sociais dos trabalhadores do sector; para o desenvolvimento da economia nacional e conservação do meio ambiente e dos recursos pesqueiros;
- A manutenção da soberania nacional sobre o Mar Territorial das 12 milhas e a defesa do acesso exclusivo à área adjacente de mais 12 milhas e até 60 milhas nas regiões ultraperiféricas (Açores e Madeira). Defendendo a pesca costeira nacional, com especial relevo para a pesca artesanal, através de um programa integrado para a modernização dessas pescarias desenvolvendo um programa comunitário de apoio à pesca costeira e artesanal;
- A definição de uma política de gestão dos recursos pesqueiros que respeite o acesso colectivo aos mesmos, o que implica a oposição absoluta ao critério de atribuição de quotas individuais transferíveis (QIT);
- O respeito das especificidades regionais das pescas portuguesas que se poderá obter através da Regionalização/Zonagem e Co-Gestão Regional;
- A instituição de um sistema de co-gestão que atenda às condições específicas dos recursos pesqueiros e das respectivas zonas marítimas, com a participação dos profissionais do sector;
- A modernização e renovação das frotas pesqueiras nacionais, com o consequente abandono da política indiscriminada de abates e promovendo o relançamento da indústria nacional de construção naval e de redes e apetrechos de pesca;
- Uma atitude firme na defesa dos direitos adquiridos de pesca bem como a obtenção de novos direitos em benefício da nossa frota, nos acordos da União Europeia com países terceiros. Em simultâneo exige-se a defesa e concretização da possibilidade de acordos bilaterais com esses países;
- A defesa do mercado tradicional interno tendo em conta os hábitos alimentares da população e a promoção dos produtos pesqueiros no mercado internacional, valorizando a excelência e qualidade dos mesmos;
- O apoio à indústria conserveira com medidas de indemnização compensatórias ou ajudas que minimize o impacto do aumento das importações e promova o consumo, garantindo a elevada qualidade das conservas portuguesas, concretizando a rotulagem de origem e a certificação de produto de qualidade;
- Uma fiscalização adequada da actividade pesqueira, normalizando os regimes de inspecção e as sanções, tendo em conta os níveis económicos dos diferentes segmentos da frota e envolvendo os pescadores nas acções de vigilância. Aplicação aos produtos pesqueiros importados das normas de qualidade, já definidas, e da denominação de origem;
- Oposição total às tentativas da UE de estabelecer um sistema de fiscalização europeia, supranacional;
- A alteração das regras de comercialização, que actualmente têm favorecido continuados aumentos dos preços do pescado no consumidor e que não se reflecte em benefícios para o sector produtivo, impondo como limite uma margem de lucro máxima para os intermediários;
- A promoção da investigação pesqueira, de modo a que esta possa desenvolver actividades orientadas para a pesca e para os recursos pesqueiros, assegurando a exploração sustentável dos mesmos reforçando os meios financeiros e técnicos, de modo a intensificar e melhorar a obtenção de dados e avaliação do estado dos recursos;
- O apoio à produção aquícola orientando-a para as culturas de espécies estuariais e de águas interiores, assim como o apoio à salinagem, recuperando esta importante actividade tradicional;
- A melhoria das condições de trabalho e de remuneração no sector com o abandono do actual sistema, perverso, de cálculo da mesma;
- A valorização da mão-de-obra, tendo em conta as especificidades e características do sector, através de uma adequada política de formação profissional integrada no sistema público de ensino;
- A garantia da aplicação de medidas sócio-económicas de apoio no caso de se registarem impactos negativos decorrentes da aplicação de medidas de conservação dos recursos pesqueiros, independentemente da sua causa;
- O melhoramento das condições de segurança e de abrigo, de barras e portos no respeito das normas já existentes sobre segurança, habitabilidade, saúde e bem-estar a bordo, com a aplicação efectiva a todos os segmentos da pesca.
- A revogação do Regulamento de Inscrição Marítima, adequando-o à realidade actual do sector promovendo simultaneamente a efectiva aplicação do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho a Bordo das Embarcações de Pesca e a estabilidade das relações a bordo.