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Outro Rumo, Nova Política - Ao Serviço do Povo e do País - TEXTO BASE
Domingo, 25 Novembro 2007

Índice

Introdução 

I. A Revolução do 25 de Abril

II. Trinta anos de políticas de direita de governos PS, PSD e CDS-PP 

1. Trinta anos de recuperação capitalista e latifundista

2. A adesão à CEE, em 1986, e o desenvolvimento da integração comunitária como elemento central do processo de restauração do capitalismo monopolista 

3. As revisões desfiguradoras da Constituição da República Portuguesa

4. As forças sociais e políticas da recuperação capitalista e a resistência dos trabalhadores e do povo

III. A situação económica e social do País
1. Condicionamentos do enquadramento internacional e comunitário

1.1. Fase actual do desenvolvimento económico do capitalismo
1.2. Traços da ofensiva imperialista
1.3. .As relações económicas externas e a União Europeia

 

2. Estruturas e sectores económicos

2.1. Balanço geral - défices, estrangulamentos e desequilíbrios

2.2. A estrutura empresarial

2.3. Os mercados

2.4. Políticas de investimento e fundos comunitários

2.5. A presença do capital estrangeiro

2.6. Produtividade e competitividade da economia portuguesa

2.7. Ciência e Tecnologia

2.8. As economias paralela e clandestina

2.9. A dependência estrutural externa da economia portuguesa 

3. O território e a população

3.1. As assimetrias regionais e intra-regionais

3.2. Tendências demográficas

3.3. Migrações

3.4. Problemas ambientais
4. Os principais sectores sociais do Estado

4.1. A educação e o ensino

4.2. A saúde

4.3. A segurança social

4.4. A cultura 
5. O trabalho e os trabalhadores

5.1. O emprego e os salários

5.2. Os direitos dos trabalhadores

5.3. A União Europeia, o emprego e os direitos dos trabalhadores

5.4. A ofensiva contra os direitos dos trabalhadores e a campanha ideológica

5.5. Os direitos dos trabalhadores num Portugal desenvolvido
6. Os grupos económicos monopolistas e o capital transnacional

6.1. O conjunto de grupos económicos depois de Abril

6.2. Dimensão e poder económico dos grupos capitalistas e monopolistas

6.3. Os grupos monopolistas e os media

6.4. Grupos económicos monopolistas e o capital transnacional

6.5. A financeirização da economia

7. O Estado hoje

7.1. Instrumento de classe e conquistas dos trabalhadores

7.2. A tese neoliberal do Estado mínimo

7.3. A instrumentalização do Estado pelo capital

7.4. Um Estado dedicado à restauração monopolista

7.5. As entidades «reguladoras»

7.6. A Administração Pública e o Estado

7.7. Justiça discriminatória e de classe

7.8. Os processos de reconfiguração do Estado

7.9. O combate ao défice orçamental como instrumento da reconfiguração neoliberal do Estado

  8. A acção programática e ideológica do capital

8.1. Crises e estrangulamentos

8.2. «Mais capitalismo»

8.3. Mecanismos ideológicos de justificação e diversão

8.4. Os media e a ideologia dominante
IV. Outro Rumo. Nova Política

 1. A difícil situação económica e social do País

2. O Programa do PCP «Uma Democracia Avançada no limiar do século XXI»

3. A Constituição da República Portuguesa

4. A política alternativa que Portugal precisa
4.1. A ruptura com os eixos centrais das orientações políticas
4.2. A clara explicitação dos objectivos de desenvolvimento económico e social

 

4.3. A afirmação e concretização de uma política económica e social
5. A ruptura com as políticas de direita

5.1. Ruptura com o domínio do capital monopolista

5.2. Ruptura com a reconfiguração do Estado

5.3. Ruptura com a «obsessão» pelo défice orçamental

5.4. Ruptura com a desvalorização do trabalho e dos trabalhadores

5.5. Ruptura com a mutilação e subversão das políticas sociais

5.6. Ruptura com a atribuição ao capital estrangeiro de um lugar estratégico

5.7. Ruptura com o crescimento económico centrado na dinâmica das exportações

5.8. Ruptura com o processo de integração capitalista europeia

5.9. Ruptura com a subordinação do território e do mar sob soberania nacional a lógicas alheias ao interesse do País

5.10. Ruptura com a subversão da Constituição da República Portuguesa 
6. Os objectivos centrais de uma política alternativa económica e social

6.1. O aumento geral do bem-estar social e económico e da qualidade de vida das populações

6.2. A redução das desigualdades sociais 

6.3. O pleno emprego

6.4. O crescimento económico

6.5. A defesa e afirmação do aparelho produtivo nacional

6.6. Um sistema de ensino, um sistema cietífico e técnico e uma política cultural virados para a formação integral dos portugueses

6.7. A coesão económica e social de todo o território nacional
7. Vectores estratégicos de uma política económica e social

7.1. A recuperação pelo Estado do comando político e democrático do desenvolvimento

7.2. Uma economia mista

7.3. A valorização do trabalho e dos trabalhadores

7.4. O desenvolvimento dos sectores produtivos e o combate à financeirização da economia

7.5. O combate decidido à dependência estrutural da economia portuguesa

7.6. A superação de défices estruturais

7.7. A dinamização do mercado interno e desenvolvimento de relações económicas externas vantajosas e diversificadas

7.8. O primado dos serviços públicos nas políticas sociais

7.9. A educação, a cultura, ciência e a tecnologia

7.10. Um desenvolvimento em harmonia com a natureza 
8. As políticas económicas e sociais necessárias

8.1. Outro caminho para Portugal na Europa e no Mundo

8.2. Um crescimento económico vigoroso, sustentado e equilibrado do País

8.3. O Estado como promotor do desenvolvimento social

8.4. A valorização do trabalho e dos trabalhadores

8.5. Um Estado democrático, representativo, moderno e eficiente ao serviço do Povo e do País

 


  Introdução

 

As dificuldades que o País enfrenta, a vulnerabilização e crescente dependência da economia nacional, o continuado agravamento da situação social, o persistente aumento das desigualdades e injustiças sociais, associados a uma elevada taxa de pobreza, são, não uma fatalidade ou simples resultado de conjunturas externas, mas sim a expressão das opções de classe dos sucessivos governos, cujas políticas têm servido uma estratégia de reconstituição do poder económico pelo grande capital e de destruição dos direitos sociais, económicos, culturais e políticos conquistados pelo povo português com a Revolução de Abril.

A política de direita conduziu o País ao declínio, à estagnação económica, ao retrocesso social e ao avolumar das injustiças, ao alastramento da pobreza e ao regresso à emigração por milhares de portugueses.

Portugal não está condenado ao definhamento do seu aparelho produtivo, à persistência dos défices energético e alimentar, a um modelo de desenvolvimento assente em baixos salários e na fraca incorporação científica e tecnológica no processo produtivo, à crescente dependência das orientações de classe da União Europeia e do grande capital internacional.

Este é um caminho que, a não ser invertido pela ruptura com as orientações e as políticas de direita, agravará ainda mais a situação económica e social do País e hipotecará as possibilidades do seu desenvolvimento.

O actual quadro internacional, apresentando uma relação de forças desfavorável, comporta dificuldades e constrangimentos mas revela-se incapaz de impedir o desenvolvimento da luta libertadora dos povos e a concretização de alternativas de progresso social.

A Conferência Nacional do PCP sobre Questões Económicas e Sociais constitui em si uma inequívoca afirmação de confiança num País de progresso, equilibrado, com mais justiça social, soberano e independente. Num quadro de tão sentidas dificuldades e de horizontes sombrios sobre o País e as suas perspectivas de desenvolvimento, o PCP reafirma a sua firme convicção de que não só é possível como está nas mãos dos trabalhadores e do povo, com a sua luta, a construção de um Portugal com futuro, assente num novo rumo e numa nova política, ao serviço do povo e do País, só alcançáveis pela ruptura com as políticas de direita que há três décadas comprometem o País e hipotecam as suas possibilidades de desenvolvimento, e pelo retomar do caminho de progresso aberto pela Revolução de Abril.

I

A Revolução do 25 de Abril

 

A ditadura fascista impôs uma feroz exploração dos trabalhadores portugueses e conduziu o País a um persistente e profundo atraso económico e social.

O domínio da economia nacional pelos grupos monopolistas e latifundiários, aliados ao capital estrangeiro, os grandes beneficiados e sustentáculos do regime e a situação do País, simultaneamente colonizador e colonizado, fizeram com que Portugal chegasse ao 25 de Abril de 1974 como o País mais atrasado da Europa.

O subdesenvolvimento económico, social e cultural a que a ditadura conduziu o País, coexistiu com um elevado grau de desenvolvimento das relações de produção capitalistas, em que apenas sete grupos monopolistas o dominavam. Um País atrasado, com défices estruturais e carências em produção alimentar, energética, bens de equipamento, com obsoletas e insuficientes redes de transportes e comunicações, com uma agricultura pobre e tecnologicamente atrasada, acorrentada aos interesses do latifúndio, uma indústria onde predominavam os sectores de exploração da mão-de-obra barata ou centrados em mercadorias de matérias-primas obtidas a baixo preço em Portugal ou nas colónias, a total ausência dos direitos das mulheres e indicadores sociais muito baixos na saúde, educação, segurança social e cultura.

Culminando um longo e heróico período de luta contra o fascismo, a Revolução de Abril constitui um dos mais importantes acontecimentos na história de Portugal.

A Revolução do 25 de Abril devolveu a liberdade e a democracia ao povo português e pôs fim à guerra colonial, abriu caminho para responder aos problemas, atrasos e estrangulamentos económicos e sociais herdados da ditadura fascista. Abriu caminho para a construção de um Portugal democrático e desenvolvido, independente e próspero, e colocou no horizonte a perspectiva do socialismo.

A Revolução de Abril instaurou as liberdades democráticas fundamentais, a liberdade sindical e o direito de organização dos trabalhadores a partir dos locais de trabalho, instituiu a democracia política, questão chave para o desenvolvimento económico e social, liquidou o capitalismo monopolista de Estado e criou condições para a realização de profundas transformações económicas, sociais e culturais na sociedade portuguesa. Com as nacionalizações (que criaram um forte sector empresarial público em áreas estratégicas) e a Reforma Agrária (com a criação de novas unidades de exploração da terra, Unidades Colectivas de Produção/Cooperativas), operaram-se profundas transformações económicas e sociais, que criaram condições para dinamizar o desenvolvimento económico e promover a melhoria das condições de vida dos portugueses.

Mais de trinta anos passados, os valores e as conquistas de Abril, e a Constituição que os consagrou, permanecem como uma referência fundamental na procura de soluções para os graves problemas económicos e sociais do País e para o seu desenvolvimento.

II.

Trinta anos de políticas de direita

de governos PS, PSD e CDS-PP

 

1. Trinta anos de recuperação capitalista e latifundista

A partir de 1976, e em clara contradição com a Constituição da República, as políticas de sucessivos governos, com composições partidárias diversas (envolvendo PS, PSD e CDS-PP), adoptaram como objectivo estratégico e linha de força de todas as políticas sectoriais, a restauração do capitalismo monopolista, com a sua dinâmica de exploração dos trabalhadores e de centralização e concentração do capital, num processo contra-revolucionário desencadeado e desenvolvido a partir do poder político.

A reconstituição e restauração das estruturas sócio-económicas do capitalismo monopolista desenvolveram-se numa planeada ofensiva contra as nacionalizações e sectores não capitalistas. Iniciaram-se com a entrega ao capital privado de empresas intervencionadas, cooperativas e empresas em autogestão. Reafirmaram-se com políticas económicas e de gestão (crédito, investimento, preços, comércio externo) penalizadoras das empresas nacionalizadas. E, fundamentalmente, com o processo de privatizações, que se prolonga até hoje. Políticas semelhantes foram desenvolvidas na agricultura, com a destruição da Reforma Agrária, a entrega das terras aos grandes agrários e as políticas de agravamento da situação das pequenas e médias explorações agrícolas, bem identificadas nas ofensivas contra a Lei do Arrendamento Rural e a Lei dos Baldios.

Esta ofensiva constitui, como o PCP caracterizou, «uma verdadeira cruzada de espoliação, de acumulação e de centralização das forças do capital, transferindo para as mãos dos grandes capitalistas nacionais e estrangeiros, em crescente associação, a posse de capitais e o domínio sobre os principais meios de produção.»

Corolário e instrumento do capitalismo monopolista foram o agravamento da exploração dos trabalhadores, a liquidação de direitos, liberdades e garantias e sérias limitações de direitos fundamentais.

Concretizou-se, nestes trinta anos, uma evolução nas relações capital/trabalho, profundamente desfavorável aos trabalhadores, na distribuição dos rendimentos e no plano legislativo (políticas de salários e fiscal; legislação laboral - condições laborais, contratos a prazo e trabalho precário, despedimentos, negociação colectiva; direitos colectivos, liberdades sindicais e direitos das comissões de trabalhadores; controlo de gestão).

A evolução da criação de riqueza medida pelo PIB, ou pelo PIB por habitante, mostra uma tendência para a estagnação económica, com a desaceleração das taxas médias de crescimento do produto, de década para década, pontuadas por diversas crises económicas de grande intensidade, incluindo a actual recessão que se instalou desde 2000, onde o crescimento médio do PIB por habitante ficou próximo dos 0%. Verificou-se um empolamento desadequado de sectores não produtivos, nomeadamente, do sector financeiro e imobiliário, com a progressiva «financeirização» da economia. Em paralelo, a convergência da economia portuguesa com a União Europeia veio também a desacelerar, de década para década, e encontra-se desde 2000 em divergência significativa, sendo de sublinhar um recuo de 18 anos da posição relativa da riqueza por habitante nacional, face à média da União Europeia, e um aumento acentuado do desemprego, que se encontra no seu valor mais alto desde o 25 Abril. A par do aumento dos lucros dos grandes grupos económico-financeiros, principalmente da banca, agravam-se as desigualdades sociais e as assimetrias regionais, como resultado das políticas de direita de recuperação capitalista.

A evolução social, vista através das mudanças na distribuição do rendimento, no emprego/desemprego, nos níveis de educação, saúde e segurança social, espelha uma situação desfavorável quando comparada com a média e a generalidade dos países da União Europeia a 15. Com variações ao longo do período, verificou-se um crescimento do desemprego estrutural, um menor rendimento por habitante, elevadas taxas de pobreza, as maiores desigualdades na distribuição do rendimento, a par de elevados níveis de endividamento das famílias e das pequenas e médias empresas.

Desigualdades significativas ainda nas despesas e padrões de consumo, nos níveis de instrução e sucesso escolar, nos níveis de protecção contra os riscos sociais.

 

2. A adesão à CEE, em 1986, e o desenvolvimento da integração comunitária como elemento central do processo de restauração do capitalismo monopolista

A integração de Portugal na CEE inseriu-se na estratégia que, ao serviço dos interesses do grande capital e do imperialismo, visou o objectivo de liquidar a Revolução de Abril, as suas principais transformações e conquistas económicas e sociais e restaurar em Portugal o domínio capitalista e imperialista.

A evolução da CEE/UE nos últimos vinte anos, marcada por sucessivos saltos qualitativos na sua dinâmica de integração capitalista, foi francamente desfavorável à defesa dos interesses nacionais e favorável ao grande capital europeu. Evolução que vai do Acto Único (em 1986) e das suas três componentes fundamentais (circulação de pessoas, mercadorias e capitais), até Maastricht e à Moeda Única com a construção de um vasto mercado, liberto de todos os constrangimentos, posto sob a dominação dos capitais financeiros e das suas exigências de rentabilidade elevada, a que se junta a defesa da livre circulação de serviços com a Estratégia de Lisboa e a Directiva Bolkestein. Evolução que culminou com a elaboração de um «projecto constitucional» para a União Europeia, ainda em curso, procurando assegurar o comando político das grandes potências e «constitucionalizar» o neoliberalismo como modelo económico da UE e dos Estados-membros.

Portugal tem hoje uma situação económica e social indissociável da integração comunitária e do aprofundamento das orientações neoliberais nos campos económico e social. O que não esconde as responsabilidades das políticas de direita dos governos nacionais ao longo destes vinte anos, inclusive em matéria europeia e em que o consenso político do PS, PSD e CDS-PP foi total. E que não deve iludir a assumida atitude destes partidos para, a pretexto da integração, levarem mais longe os seus objectivos de liquidação de direitos e restauração do poder económico do grande capital em Portugal.

 

3. As revisões desfiguradoras da Constituição da República Portuguesa

Este longo período da vida do País foi conduzido pelos governos PS e PSD, com ou sem CDS-PP, segundo políticas profundamente negativas para os portugueses e para Portugal, ao arrepio das principais orientações da Constituição da República. A generalidade das políticas económicas e sociais violam, por acção ou omissão, princípios constitucionais essenciais, como os da subordinação do poder económico ao poder político, da coexistência do sector público, privado e social, do planeamento democrático ou o do estabelecimento como incumbências prioritárias do Estado, da correcção «das desigualdades na distribuição da riqueza e do rendimento», da promoção da «coesão económica e social em todo o território nacional», do «contrariar formas de organização monopolista», ou «eliminar os latifúndios».

Como a Constituição da República se apresentava como um obstáculo, aquelas forças políticas promoveram sucessivas revisões, que a desfiguraram e desvirtuaram em questões centrais.

A Constituição sofre, em 1989, na sua vertente económica e social, um grave retrocesso, com a eliminação do princípio da irreversibilidade das nacionalizações, concedendo ao governo poderes para reprivatizar e abrir a porta ao domínio pelo capital nacional e estrangeiro, com a eliminação da referência à Reforma Agrária e à socialização dos meios de produção, com a substituição do princípio da gratuitidade do Serviço Nacional de Saúde pela fórmula «tendencialmente gratuito». Em 1992 a revisão, no quadro da ratificação do Tratado de Maastricht, eliminou o exclusivo da emissão de moeda pelo Banco de Portugal. Em 1997, impôs o referendo para a concretização da regionalização. Em 2004, a sexta revisão impôs a subordinação do direito nacional ao direito comunitário, abdicando assim de uma importante parcela da soberania nacional.

Apesar destas revisões a Constituição da República mantém, no seu texto, princípios susceptíveis de constituir orientação para políticas económicas e sociais alternativas às políticas de direita dos últimos 30 anos.

 

4. As forças sociais e políticas da recuperação capitalista e a resistência dos trabalhadores e do povo

As forças sociais que assumiram, promoveram e reclamaram a contra-revolução e as recuperações capitalista e latifundista foram, naturalmente, as classes sociais que, tendo sido suporte a ditadura fascista e dela beneficiado, foram derrotadas com o 25 de Abril: os monopolistas (sempre aliados ao imperialismo) e os latifundiários, os seus serventuários na administração pública ou nas administrações das suas empresas, e as suas organizações de classe (CIP, CAP, CCP, AIP e AEP). Os intérpretes e fiéis defensores dos seus interesses foram o PS, PSD e CDS-PP, que ao longo de 30 anos, no governo ou na oposição, na Assembleia da República, no poder local e noutras instâncias do poder, concretizaram a política de classe do grande capital, nacional e estrangeiro e repartiram entre si posições no aparelho do Estado, no sector público, nos Conselhos de Administração da banca e grandes grupos económicos. Neste processo, a UGT desempenhou o papel de instrumento contra os interesses e direitos dos trabalhadores.

Lutaram e resistiram, os trabalhadores, a classe operária e as suas organizações de classe, com destaque para a CGTP-IN, e a generalidade do povo português, muitos sectores da pequena burguesia, agricultores, pescadores, pequenos e médios empresários, quadros técnicos e científicos. Neste quadro, confirma-se plenamente a importância da existência de um movimento sindical de classe, alicerçado numa forte opção reivindicativa, na luta de massas e numa sólida ligação a empresas e locais de trabalho. Na condução desta prolongada e dura batalha de resistência, o PCP desempenhou, reconhecidamente, um papel decisivo e crucial para que a contra-revolução e a ofensiva do capital não tenham ainda levado mais longe os seus objectivos.

A intensa identificação popular com os valores de Abril, o carácter profundamente democrático das suas transformações económicas e sociais e a energia transformadora da participação das massas explicam a capacidade de resistência à ofensiva contra-revolucionária ao longo de trinta anos e aos projectos de liquidação integral das conquistas da Revolução.

 

III.

A situação económica e social do País

 

1. Condicionamentos do enquadramento internacional e comunitário

1.1. O enquadramento da situação económica nacional é inseparável da fase actual do desenvolvimento do capitalismo e dos seus principais traços, tendências e contradições.

A situação mundial continua a ser caracterizada pela ofensiva global do imperialismo, apesar da crescente resistência que esta enfrenta e das dificuldades de natureza económica, política e militar que se têm avolumado nos últimos anos.

A ofensiva do imperialismo procura aproveitar a correlação de forças surgida com o desaparecimento da URSS e dos países socialistas no Leste europeu para impor a sua hegemonia no plano mundial; recuperar as numerosas concessões que se vira forçado a fazer nas décadas anteriores no plano social, económico e político; abrir todo o planeta e todas as esferas da actividade humana aos apetites vorazes de lucro do grande capital; impor o seu domínio sobre os principais recursos, matérias-primas e mercados; incrementar a exploração dos trabalhadores e povos. As vagas privatizadoras; de retirada de direitos sociais, económicos, sindicais e políticos; de desmantelamento das funções sociais dos Estados; de crescente autoritarismo e repressão, são acompanhadas pelo aumento da violência e da guerra como instrumentos quotidianos de imposição dos interesses do grande capital.

Esta ofensiva não apenas tem agravado substancialmente as condições de vida de centenas de milhões de seres humanos, como torna mais difíceis a adopção de vias soberanas de desenvolvimento económico e social, que correspondam aos interesses dos povos. As políticas da União Europeia reflectem esta ofensiva global de classe do imperialismo.

As potências imperialistas têm interesses comuns no que respeita ao aumento da exploração da classe operária e dos trabalhadores a nível mundial, e ao aumento da penetração dos seus grupos monopolistas nos restantes países. Concertam políticas e tarefas para a recolonização do planeta. Mas entram em conflito entre si no que respeita à partilha de recursos e de acesso a mercados onde colocar os seus produtos, num quadro de sobreprodução generalizada que atinge largos sectores da economia capitalista actual. Conflitual será também a questão de saber quem irá pagar os custos associados aos enormes problemas com que se depara hoje a maior potência imperialista - os EUA - cuja posição de centro financeiro mundial é ameaçada pelos seus gigantescos défices comercial e orçamental, astronómicos níveis de endividamento e crescentes dificuldades económicas, políticas e militares. Concertação e rivalidades são, pois, duas faces da moeda que condicionam a actuação das potências imperialistas. A disputa dos recursos energéticos, num contexto em que estes se revelam progressivamente mais escassos, é particular motivo de fricção - evidenciado também com as disputas com a Rússia - e uma das principais causas de actuais e futuras guerras.

O crescente peso na cena internacional de países como a China, a Índia, o Brasil, a Rússia e outros, está a transformar o panorama mundial, no plano económico e político. Esta realidade abre perspectivas positivas para o desenvolvimento e diversificação das relações económicas, permitindo espaços de maior autonomia face ao imperialismo para um grande número de países - entre os quais Portugal. Mas traz também desafios e potenciais problemas para o nosso País.

Não devem igualmente ser subestimados os perigos associados à resistência por parte das grandes potências capitalistas a esta alteração da arrumação de forças no plano económico, não sendo de excluir o criminoso recurso à força militar, tal como sucedeu no passado.

1.2. A ofensiva imperialista desenvolve-se num quadro de crescente resistência dos trabalhadores e dos povos, e esperançosos processos de transformação progressista e revolucionária, mas o capitalismo continua a dispor de enormes recursos, sofisticados meios de concertação e gestão das crises a nível mundial e regional e de possibilidades de aproveitamento e expansão de mercados. Mas a situação da economia mundial apresenta-se cada vez mais instável e continuam a ampliar-se as assimetrias e contradições do capitalismo a nível mundial.

Aumenta a financeirização e terciarização das economias capitalistas mais desenvolvidas com a deslocalização das actividades de mão-de-obra intensiva. Aumentam as desigualdades de rendimento e a pobreza, deixando milhões de seres humanos longe da satisfação das suas necessidades básicas.

As crises mais recentes do capitalismo - a crise económica de 2001-2003, a actual crise que teve o seu epicentro na bolha especulativa do sector imobiliário dos EUA e que ameaça arrastar consigo outros mercados -, são expressão de uma crise estrutural mais profunda do capitalismo. A «nova economia», ao contrário das expectativas dos seus apologistas, não foi um ponto de viragem para um novo ciclo de crescimento, sendo relevante que o rebentar da bolha financeira em 2001 se tenha verificado sobretudo nas empresas ligadas às novas tecnologias da informação e comunicação.

As políticas de taxas de juro baixas praticadas pela Reserva Federal dos EUA após 2001 evitaram que o rebentar da bolha financeira se propagasse a toda a economia, mas a custo de alimentar uma nova bolha especulativa no sector imobiliário e de conduzir os níveis de endividamento global para patamares cada vez mais insustentáveis. A actual situação representa uma grave ameaça para toda a economia mundial.

No plano económico e social a ofensiva imperialista assenta nos objectivos traçados pelo «Consenso de Washington», pela «Estratégia de Lisboa» e pela proposta de novo Tratado da União Europeia: maior liberalização da circulação de capitais e aplicação das mais-valias na esfera financeira e especulativa; crescente intensificação e exploração do trabalho; pressão para a redução da remuneração do trabalho e garantia de ganhos de produtividade para o grande capital. Uma ofensiva caracterizada pelo ataque ao sector público e aos sistemas de segurança social em benefício dos grandes interesses privados; pelo aproveitamento da expansão a novos mercados, como é exemplo a restauração do capitalismo na antiga URSS e nos países do Leste da Europa ou o alargamento da UE; pela liberalização do comércio e do investimento a nível mundial, com o lançamento da ronda negocial da Organização Mundial do Comércio em Doha, apesar das rivalidades inter-imperialistas e das contradições entre o centro e a periferia capitalista, que levou ao fracasso das negociações em Cancun.

As dificuldades de obtenção de taxas de lucro na esfera produtiva comparáveis às obtidas no sector financeiro, que confirmam a lei sobre a baixa tendencial da taxa de lucro, contribuem para o predomínio e desenvolvimento do capital financeiro, com implicações directas negativas sobre o crescimento económico e o emprego. Os elevados volumes de fluxos financeiros, nomeadamente de curto prazo, assumem um papel crucial na crescente volatilidade e instabilidade dos mercados financeiros internacionais.

Continua a acentuar-se o processo de concentração e centralização do capital e o seu carácter cada vez mais «regional» e «transcontinental». Na medida em que se acelera a concorrência intercapitalista reforçam-se as tendências para a formação de monopólios e oligopólios em praticamente todos os sectores da actividade económica.

Favorecer os grandes grupos económicos - abatendo fronteiras e abrindo os mercados às suas actividades de rapina, pela guerra se necessário - tal é a missão fundamental dos Estados e das Organizações Internacionais do capitalismo.

Multiplicam-se os espaços de concertação e regulação capitalista a nível mundial, baseados em organizações como o FMI, BM, OCDE, OMC ou em encontros «informais» como o G8 ou o Fórum de Davos. Os processos de cooperação e de crescente integração económica e política regional, no contexto objectivo do desenvolvimento das forças produtivas e da divisão internacional do trabalho são, fundamentalmente, uma consequência da crescente guerra económica entre blocos. Tais processos desempenham um papel estratégico na afirmação das grandes potências capitalistas regionais, no estabelecimento da sua área de influência e no alargamento do seu mercado potencial. No caso da União Europeia, constituem o exemplo mais avançado da criação de um bloco económico, político e militar imperialista. Outra é a natureza de processos de cooperação regional que, como o ALBA frente aos EUA, visam combater a hegemonia planetária das grandes potências.

O papel da União Europeia e o sentido geral de aprofundamento do seu carácter neoliberal, federalista e militarista é inseparável da fase actual do desenvolvimento do capitalismo. Constitui uma enorme ilusão admitir que uma União Europeia sob o comando do grande capital possa representar uma alternativa ao imperialismo norte-americano. Pelo contrário, o processo de integração europeia tem-se desenvolvido de modo articulado com os EUA.

 

1.3. As relações económicas externas do País - fluxos de capitais, bens e serviços, posições em estruturas supranacionais do capitalismo - estão hoje condicionadas pela integração comunitária. Mas tais condicionamentos foram e são reforçados pela colaboração activa dos sucessivos governos do PSD e PS numa evolução da União Europeia, subordinada aos interesses do grande capital e das grandes potências, que conflitua com o necessário desenvolvimento do País, na completa submissão às orientações económicas comunitárias e na total abdicação e ausência de afirmação de uma estratégia de defesa dos interesses e soberania nacionais.

A concretização da União Económica e Monetária (UEM) com a entrada em funcionamento do euro, a institucionalização dos critérios de convergência nominal no Tratado de Maastricht e no Pacto de Estabilidade, a estrita política monetarista levada a cabo pelo Banco Central Europeu (BCE), a aprovação da Estratégia de Lisboa, a negociação da agenda liberalizadora da OMC e de vários tratados comerciais bilaterais pela União Europeia e, em geral, as orientações políticas e económicas da União Europeia, nomeadamente as respeitantes a reformas da Política Agrícola Comum (PAC) e Política Comum das Pescas (PCP), ampliaram os problemas e fragilidades da economia nacional e acentuaram a sua dependência e défices estruturais.

O crescente federalismo das instituições reforça o domínio das grandes potências (particularmente da Alemanha, mas também da França, Reino Unido, Itália e mesmo da Espanha) no comando das suas políticas económicas, agrava e reduz a capacidade de intervenção por parte dos pequenos países como Portugal.

Esta evolução, a par do processo de alargamento realizado em condições inaceitáveis, agrava e condiciona de uma forma extrema todas as vulnerabilidades referidas, e sobretudo tenderá a contrariar a condução da política económica nacional conforme os interesses do povo português.

Assume um crescente impacto na economia do País a divisão do trabalho no mundo que, sob o comando do capital transnacional, e tendo como principal instrumento a livre circulação de capitais, reorganiza a produção capitalista em função das vantagens que cada país oferece.

A deslocalização de empresas do sector produtivo, acompanhada crescentemente pela deslocalização de serviços, causam não só graves problemas sociais, como contribui para a perda de unidades produtivas. Um processo que se adiciona e converge, em termos de consequências, com uma divisão do trabalho no espaço europeu altamente desvantajosa para o País.

O processo de alargamento da União Europeia a países com uma mão-de-obra mais barata e mais qualificada veio reforçar a falência da estratégia de sucessivos governos de fazer de Portugal localização privilegiada de unidades de trabalho intensivo, dirigidas para produtos de baixo valor acrescentado e baixos salários.

Esta situação não só cria sérios constrangimentos ao desenvolvimento económico do País - em particular pela extrema dependência externa da economia nacional e pela condução, através de órgãos comunitários ou entidades ditas independentes, como o BCE, de importantes políticas ao serviço das grandes potências europeias - como estabeleceu a perda ou limitações drásticas no âmbito do uso de importantes instrumentos económicos, como a moeda, a taxa de câmbio, as taxas de juro, a gestão orçamental e o comércio externo, e até mesmo o investimento, através do seu cofinanciamento. O nosso País está hoje mais indefeso e dependente perante os seus principais concorrentes e parceiros comerciais.

Estes condicionamentos e limitações não são uma fatalidade com que os portugueses tenham de conformar-se e submeter-se. Podem ser contrariados, combatidos e ultrapassados. Uma estratégia de desenvolvimento ao serviço do povo e do País pressupõe uma corajosa política de independência nacional e de alianças internacionais anti-imperialistas que ampliem a capacidade de manobra de Portugal, permitam a recuperação de instrumentos fundamentais de soberania de que se viu desapossado e criem condições para a ruptura necessária com o projecto de integração capitalista corporizado na União Europeia.

 

2. Estruturas e sectores económicos

2.1. Balanço geral - défices, estrangulamentos e desequilíbrios

 

2.1.1. O agravamento da situação económica geral do País e a própria deterioração da posição de Portugal no contexto dos países da União Europeia, em particular da divergência real medida pela evolução do PIB por habitante, de salários e distribuição de rendimentos, não é uma questão conjuntural decorrente de um enquadramento económico externo menos favorável ou erradas políticas dos governos que se foram sucedendo. É a resultante das políticas económicas e sociais ao longo dos últimos trinta anos. E muito em particular das opções pela inserção internacional e integração comunitária descrita; das políticas de reconstituição dos grupos económicos monopolistas e destruição do sector empresarial do Estado, reduzindo ou afastando as capacidades e instrumentos de intervenção do Estado; das políticas de destruição dos sectores produtivos por contraponto à financeirização da economia nacional; do lugar estratégico concedido ao capital estrangeiro através de apoios financeiros e outros privilégios, mesmo quando se limitam a investimentos em sectores de baixa tecnologia e susceptíveis de fácil deslocalização; das políticas de subestimação do papel nuclear da educação, da cultura e da I&D para uma mão-de-obra qualificada e da inovação e tecnologia em qualquer projecto de desenvolvimento nacional; das políticas de restrições orçamentais que impediram que o País colmatasse o fosso em matéria de infra-estruturas, em particular em transportes e logística, ou das políticas de apoio ao investimento privado, nomeadamente através de três Quadros Comunitários de Apoio, que não só não produziram a necessária alteração de perfil produtivo como reproduziram em escala agravada o mapa das assimetrias regionais; e das políticas que acentuaram o défice energético com uma elevada dependência dos combustíveis fósseis, num sistema com elevadas intensidades energética e carbónica, em particular pelas opções políticas em matéria de transportes.

 

2.1.2. Os resultados de trinta anos de política de direita traduzem-se numa economia caracterizada pela consolidação de um perfil produtivo de baixo valor acrescentado, assente na exploração de mão-de-obra barata e precária e dos recursos naturais do País, feita de forma anárquica e predatória, contraditoriamente sobre e subexplorados. Mantiveram-se, e em alguns casos agravaram-se mesmo, conhecidos défices estruturais - de produção de bens materiais, particularmente alimentares, de produtividade e competitividade, energético, científicos e tecnológicos e de transportes e logística - e acentuaram-se as vulnerabilidades e dependências da economia às conjunturas externas. O sucessivo e crescente défice externo e o consequente nível de endividamento ao exterior, que atingem hoje níveis muito preocupantes, são indicadores muito claros do seu carácter estrutural.

Consolidou-se um tecido económico com evidentes debilidades (tecnológicas, financeiras, de gestão, comerciais), dependências (do mercado externo, da volatilidade do capital estrangeiro), significativamente subcontratado e desequilibrado nos planos sectorial e da distribuição no território nacional, com baixos níveis de sustentabilidade e falta de capacidade competitiva nos mercados interno e externo. A par da permanência, com níveis elevados, da chamada economia paralela, ou da persistência de fenómenos mais preocupantes de actividades económicas criminosas, onde avultam a lavagem de dinheiro e a corrupção.

Tudo coexistindo com desperdício e incapacidade no bom e harmonioso uso do património e recursos naturais e potencialidades desenvolvidas ao nível dos recursos humanos.

Esta avaliação geral, sintética e negativa, da economia portuguesa, não oculta a existência de «ilhas», unidades isoladas de relativo êxito, e mesmo sucesso económico. Mas excepções não iludem a realidade.

 

2.1.3. Os desequilíbrios, défices e problemas dos diversos sectores económicos resultam de políticas comandadas pelos interesses do grande capital monopolista e financeiro, traduzindo-se na anarquia das diversas políticas sectoriais, e particularmente das orientações dos investimentos privados em direcção aos sectores de elevadas taxas de rendabilidade do capital, e rápido retorno, nomeadamente para aplicações financeiras, imobiliárias e especulativas, quase sempre sustentadas por volumosos apoios e incentivos públicos - comunitários e nacionais. Foram processos cumulativos, de encadeamentos económicos perversos, mas que romperam com lógicas de fileira e a exigência da planificação para a harmoniosa integração e sinergias de áreas e sectores económicos vizinhos, de que são exemplos: os problemas e custos económicos e sociais dos incêndios florestais não são «desligáveis» da imposição dos baixos preços do material lenhoso pela monopolização da fileira da madeira pelas empresas de celulose e aglomerados em simultâneo com o processo de desertificação económica e humana decorrente do esvaziamento dos meios rurais, da liquidação da agricultura familiar; as deliberadas políticas de desintegração das cadeias de valor, como sucedeu no sector da energia eléctrica (e também agora do gás natural), sob a pressão do capital financeiro e dos grandes grupos económicos, segmentando as operações de produção, transporte, distribuição e comercialização, são responsáveis pelas elevadas tarifas para consumidores domésticos e empresas dos sectores produtivos; ou ainda a perda de sustentabilidade e criação de valor acrescentado no País da indústria extractiva, pela privatização de diversas minas e abandono de qualquer perspectiva de desenvolvimento da fileira metálica correspondente (cobre, volfrâmio).

Neste quadro sobressai o enfraquecimento e fragilização ou liquidação dos sectores produtivos - agricultura, pescas, indústria extractiva e transformadora - por contrapartida com o empolamento dos sectores financeiro (nas suas diversas fórmulas) e imobiliário, e o desenvolvimento desigual e contraditório do turismo. A que deve acrescentar-se a apropriação privada (empresarial, financeira) de importantes sectores produtivos (energia) e sectores de serviços estratégicos, como as telecomunicações, os serviços postais ou a rede de auto-estradas pelo capital monopolista e financeiro, que constitui já hoje um pesado óbice ao desenvolvimento equilibrado conforme os interesses do País, e um pesado ónus para o Orçamento do Estado, os consumidores e a economia nacional.

 

2.1.4. Na avaliação da estrutura económica produtiva podem destacar-se, de forma sumária, como principais dados de problemas na caracterização dos seus principais sectores:

i) Um sector primário - agricultura, pescas, indústria extractiva - que se confronta com uma crise profunda e uma continuada redução da capacidade produtiva, agravando a dependência externa do País face a matérias-primas essenciais, ao mesmo tempo que não se aproveitam os recursos naturais existentes ou se dá ao capital estrangeiro a sua exploração.

O sector agrícola foi profundamente afectado na sua capacidade produtiva, limitado nas suas potencialidades de expansão (limitações quantitativas/quotas) decorrentes dos constrangimentos da Política Agrícola Comum e da falta de um plano estratégico nacional de desenvolvimento do sector, encontrando-se a braços com uma profunda crise económica e social, como por exemplo da diminuição e envelhecimento dos seus activos e liquidação de explorações agrícolas, como resultado da manutenção de rendimentos baixos e irregulares, por insuficientes preços à produção e dificuldades de escoamento face a grandes importações agroalimentares e ao crescente domínio das cadeias de distribuição. Por outro lado, concentrou-se a produção, centralizou-se a posse de terra, aumentou o domínio dos agricultores por parte da agro-indústria e das grandes multinacionais agro-químicas, levando ao desaparecimento de milhares de pequenos e médios agricultores e a desertificação acentuada no «mundo rural», a par de um aumento da dependência alimentar, com um défice da balança agrícola que ronda os 80%, pondo em causa a soberania alimentar.

Nos campos da grande propriedade do Sul (Alentejo e Ribatejo), a destruição da Reforma Agrária, a consequente reconstituição da propriedade latifundiária, a PAC e as políticas agrícolas de direita no País determinaram a coexistência da manutenção de grandes explorações com terras incultas ou subaproveitadas, vivendo das «rendas» da PAC, a par de um surto de capitalismo agrário, dinamizado em grande medida por capital estrangeiro, centrado em algumas produções (vinha e olival, em geral regados, porco preto). É particularmente visível a presença de capital espanhol no perímetro do regadio de Alqueva.

No actual momento desenvolve-se igualmente uma significativa pressão sobre o uso da terra para projectos de agroturismo e especulação imobiliária, aproveitando especialmente as potencialidades da albufeira de Alqueva, que se acrescentam a anteriores projectos turísticos de exploração das riquezas cinegéticas da região.

Acentuaram-se os fenómenos migratórios e de envelhecimento e a desertificação social.

O sector das pescas sofreu uma evolução semelhante face à ausência de uma política de defesa do sector a nível nacional e os condicionalismos impostos pela Política Comum de Pescas. Nos últimos 20 anos verificou-se um aumento do défice comercial ao nível dos produtos da pescas, que ronda hoje os 70%, com a agravante dos portugueses serem dos maiores consumidores de peixe por habitante a nível mundial. A dificuldade de manter preços de primeira venda conjugada com o aumento dos custos de produção, nomeadamente dos combustíveis, a par dos constrangimentos impostos às possibilidades de pesca, tem provocado uma perda de rentabilidade do sector, agravando a situação económica e social das regiões costeiras dependentes da pesca.

De destacar que nestes sectores muitos dos incentivos e ajudas económicas públicas, num quadro das baixas taxas de rentabilidade sectorial, funcionam de forma perversa impulsionando a redução da capacidade produtiva (abate de barcos, não utilização de solos agrícolas, etc.) e da produção. É de salientar também o papel das negociações da OMC, onde estes sectores têm servido de moeda de troca, e as consequências da progressiva liberalização comercial internacional.

Refira-se ainda o desastre da floresta portuguesa, com devastadores incêndios, em particular em 2003 e 2005, como resultado de erradas políticas agroflorestais, incúria e passividade de sucessivos governos.

A indústria extractiva - a que correspondem as componentes mineiras (metais básicos e energéticos), as rochas ornamentais, as rochas industriais, e as águas minerais e de nascente - corresponde a cerca de 1% do PIB e a cerca de 0,3% do emprego. Estes baixos valores escondem uma enorme e diversificada riqueza mineira do País, capaz de potenciar inúmeras actividades de maior valor acrescentado a jusante.

No que respeita à componente mineira vive-se, há algum tempo, uma boa situação devido às crescentes cotações de diversos metais (cobre, tungsténio, estanho, zinco, chumbo), cujos minerais ocorrem em abundância no território nacional. Mas sendo este sector completamente dominado pelo capital estrangeiro, e não ocorrendo nenhuma ou quase nenhuma transformação no País, é sempre grande a vulnerabilidade e dependência dos mercados externos.

Nas rochas ornamentais e industriais, a valorização nacional continua igualmente muito reduzida e insuficiente.

ii) Um sector secundário, onde é dominante um tecido industrial constituído em grande parte por empresas tecnologicamente atrasadas e métodos de gestão ultrapassados, e por uma significativa presença da chamada economia paralela ou informal (de vão de escada ou de garagem), em que foram liquidados ou seriamente abalados sectores e ramos inteiros: química, siderurgia e metalurgias diversas, metalomecânica pesada, reparação e construção navais. A presença significativa da indústria automóvel e de alguns outros subsectores, e os seus efeitos indutores na indústria de componentes, não tem sido, nem podia ser, suficiente para compensar os aspectos negativos assinalados.

Desde 1985 (vésperas da adesão à CEE) o peso da indústria transformadora no PIB decresceu quase treze pontos percentuais, representando actualmente cerca de 16,5% do PIB e 17% do emprego.

É de salientar o facto profundamente negativo do processo de desindustrialização em Portugal ser muito mais profundo e acelerado do que na média da UE.

O investimento estrangeiro, em acelerado processo de deslocalização que varre praticamente todos os sectores de actividade, é um dos principais responsáveis por esta situação, a que se acrescentam diversos processos de reestruturação empresarial e a evidente falta de competitividade interna e externa de muitas empresas nacionais. Contudo foram as privatizações as primeiras responsáveis pelo esvaziamento de importantes sectores industriais, sobretudo os ligados a actividades básicas e estratégicas, com um sequente empobrecimento do perfil industrial.

Em contraposição com este processo foram aplicados, desde 1986, na área industrial avultados fundos comunitários e nacionais - cerca de 6 mil milhões de euros de incentivos, correspondentes a cerca de 20 mil milhões de euros de investimentos - que embora tendo impacto no valor acrescentado bruto (VAB) do sector industrial, apresentaram uma insuficiente eficiência face aos resultados obtidos, com a «produtividade» da indústria nacional ainda a cerca de 60% da média da UE-15 e a manutenção do perfil industrial sem alterações assinaláveis, com um elevado peso dos sectores tradicionais de baixo valor acrescentado e reduzida incorporação tecnológica.

Nos últimos anos tem-se verificado uma ligeira melhoria do perfil de especialização, devido no fundamental a uma ascensão na escala da intensidade tecnológica de alguns sectores e emergência de outros (máquinas e equipamentos, material de transporte, química fina e dos materiais), em simultâneo com perda significativas dos tradicionais, embora se mantenha o diferencial de perfil face à generalidade dos países da UE.

iii) Um sector da construção civil e obras públicas com uma evolução contraditória nos seus dois subsectores.

A construção civil teve, até há 4, 5 anos a esta parte e durante quase uma década, uma actividade economicamente anómala, com uma brutal sobreprodução, absorvendo enormes verbas da restante actividade económica, que explicam a existência de cerca de 600 mil fogos vagos, dezenas de milhar de m2 de escritórios, o que significará uma FBCF de 60 mil milhões de euros, sem resolver o problema da habitação em Portugal, fruto do desenvolvimento de políticas habitacionais dominadas pela especulação imobiliária

Ao mesmo tempo que ocorria este fenómeno de sobreconstrução, era muito insuficiente ou nula a reabilitação de habitação antiga, designadamente no casco de muitas cidades, mas não só. A média europeia de investimento em reabilitação, corresponde a cerca de 45%/50% do total e em Portugal, com um parque habitacional profundamente degradado, não chega aos 10%!.

Em sentido inverso, evoluíram as obras públicas, cujo sector atravessa uma profunda crise, pondo em causa a viabilidade de muitas empresas de construção de pequena e média dimensão. Efectivamente, devido aos sucessivos cortes orçamentais com vista à diminuição do défice orçamental face às imposições do PEC, o investimento em novas obras públicas e manutenção e requalificação das existentes - particularmente infra-estruturas ferroviárias, redes de metropolitanos pesados e ligeiros, redes de eléctricos rápidos, infra-estruturas portuárias, plataformas logísticas, construção de grandes e médias centrais hidroeléctricas, redes de IP e IC e estradas nacionais e municipais entre outros - tem-se situado a níveis inaceitáveis para o desenvolvimento do País e a dinamização da economia.

 

2.1.5. A energia constitui um dos mais críticos e estratégicos sectores face à elevadíssima incorporação de energia na economia e na vida das sociedades, e ao facto de o nosso País e o mundo dependerem maioritariamente de hidrocarbonetos - petróleos e gás natural - sobre os quais se multiplicam os sinais de estar em curso a transição para a saturação da respectiva capacidade de produção, sem que estejam asseguradas outras fontes de energia primária de comparáveis qualidades e a ritmo de substituição que assegure essa transição isenta de sobressaltos.

O País apresenta de há muito e com tendência crescente, um elevado défice energético - dependência superior a 80% dos consumos -, profundamente preocupante, seja em termos da segurança do abastecimento, seja em termos dos efeitos sobre a balança de pagamentos - o défice da balança energética atingiu em 2006 o astronómico valor de 8900 milhões de euros (só petróleo e gás natural), um acréscimo de 177% para o petróleo e 91% para o gás natural face a 2002. A agravar a situação, o facto de tal dependência estar afunilada no petróleo, cujos derivados, em 2005, já representavam 68% do consumo final de energia.

O desastre das políticas energéticas nos últimos vinte anos dos governos PS e PSD identifica-se nesse défice mas também na elevada irracionalidade dos consumos de energia, de que decorrem baixas eficiências, desperdícios e elevados impactos ambientais, no subaproveitamento do potencial endógeno e agravada dependência do exterior. Com uma poderosa factura energética, elevadas e crescentes intensidades energética e carbónica, preços inflacionados para consumidores e empresas, temos hoje em Portugal uma questão energética.

O nível e a taxa de crescimento do défice energético são da exclusiva responsabilidade dos governos e do grande capital nacional. Agudizaram e não superaram a contradição de o País apresentar simultaneamente uma enorme dependência face aos combustíveis fósseis, ao mesmo tempo que dispõe de elevados e diversificados potenciais em energias renováveis (hídrica, solar, biomassa, eólica e oceânica) largamente inexplorados.

A política de privatizações e as massivas reestruturações que atingiram o sector energético, ao colocar nas mãos de privados as empresas do sector, transformaram a energia num conjunto de enormes negócios de elevada rendibilidade e rápidos retornos, negócios comandados pelas cotações bolsistas, que afectaram drasticamente a possibilidade de o País ter uma política energética coerente, escorada num adequado planeamento energético.

Peças importantes destas orientações antinacionais foram: a criminosa extinção, há mais de 20 anos, do Plano Energético Nacional e dos organismos que lhe davam suporte; a nefasta orientação dos governos relativamente ao sector dos transportes, com as opções pelo modo rodoviário face ao ferroviário, ou pelo transporte pessoal face ao colectivo; a política que tem privilegiado os enormes negócios em centrais térmicas de ciclo combinado a gás natural face à hidro-electricidade; a política das eólicas, cuja potência já instalada não foi articulada com o crescimento do potencial hídrico, inviabilizando a necessária integração harmoniosa dos sistemas; a tardia legislação sobre o aproveitamento do enorme potencial do País na utilização e expansão do solar térmico nos edifícios; e a política responsável pelos preços elevados da electricidade, do gás e dos combustíveis líquidos para consumos domésticos e industriais, ao mesmo tempo que as empresas produtoras realizam lucros fabulosos. Políticas erradas que prosseguem, por exemplo, com o apoio sem critério aos agrocombustíveis, já com consequências desastrosas no preço dos cereais e derivados.

 

2.1.6. O persistente e agravado défice do estruturante e estratégico sistema de transportes e logística, nomeadamente de transporte colectivo público, a par de profundos desequilíbrios entre os seus modos, são o resultado de políticas e medidas sujeitas ao objectivo de total privatização e liberalização do sector e total subordinação aos interesses do grande capital. Destaca-se, pela negativa: o desmembramento de muitas empresas; a redução de serviços e da função social dos transportes (aumento dos preços dos bilhetes e passes sociais); as elevadíssimas dívidas de indemnizações compensatórias aos operadores públicos; a ausência de planeamento e financiamento de um verdadeiro sistema nacional de transportes, integrado, com complementaridade entre os vários modos; a dependência de decisões comunitárias em matéria de financiamento e localização, que se tem traduzido em protelamentos e indefinições; a privatização crescente da rede viária principal e o abandono das redes regionais e locais; os atrasos na efectivação das Autoridades Metropolitanas de Transportes, que surgem sob total controlo do governo. Problemas que têm atingido os transportes terrestres (rodoviários - nomeadamente a rede viária, o domínio dos Grupos Barraqueiro, ARRIVA e TRANSDEV e a asfixia do Sector dos Táxis - e ferroviários - nomeadamente a rede de alta velocidade e a sua articulação com a necessidade urgente de modernização e expansão da rede convencional), os transportes aéreos (nomeadamente com a segmentação e projectos de privatização da companhia de bandeira, a TAP e da gestão dos aeroportos nacionais, ANA), nos transportes marítimos e estruturas portuárias, cujas consequências são particularmente mais visíveis nas incapacidades em reduzir o défice de acessibilidades das regiões ultraperiféricas portuguesas. E, igualmente, no desenvolvimento de plataformas com zonas de actividade logística, que só o Estado tem capacidade e vocação para hierarquizar e ordenar a respectiva localização. Assiste-se à aceleração da subordinação deste sector aos interesses do grande capital financeiro numa lógica em que a concepção e articulação das redes e modos de transporte estão dependentes da rentabilização dos projectos e operações financeiras da Banca.

 

2.1.7. O sector terciário envolve uma enorme e muito diversificada panóplia de actividades, de que destacaremos, por ordem decrescente do peso que detêm no produto, o comércio, a Administração Pública, as actividades imobiliárias, os serviços do ensino e educação, os serviços prestados às empresas, as actividades financeiras, os serviços de saúde, o turismo e a restauração, os transportes, os correios e telecomunicações e outras actividades de serviços colectivos, sociais e pessoais.

À semelhança do que acontece nos países mais desenvolvidos, tem tido um elevado crescimento nos últimos decénios, correspondendo actualmente a cerca de 71/72% do PIB e a cerca de 57% do emprego, apresentando ainda nos últimos anos, ritmos de crescimento anuais que rondam os 1,4%.

O crescimento do terciário apresenta em Portugal nas actuais circunstâncias históricas, económicas e sociais, um carácter dual e contraditório.

Por um lado, corresponde ao desenvolvimento da prestação de serviços para melhores condições de vida das populações (aumento de peso na economia de áreas como a saúde, a educação, a cultura, a restauração, o lazer e as telecomunicações)

Por outro lado, o crescimento e o peso do terciário no produto e no emprego traduzem o crescimento desproporcional de determinadas actividades e serviços face às necessidades e dimensão da economia e do mercado nacional, por acção e pressão do grande capital. É o caso do empolamento do sector comercial, das inflacionadas actividades financeira e imobiliária, e das reorganizações e reestruturações de sectores industriais, com os processos de externalização de serviços e segmentos da cadeia de valor.

Para lá dos sectores, abordados noutros pontos (administração pública, saúde, ensino, segurança social), destacam-se, numa breve caracterização, os seguintes:

i) O comércio e distribuição - sob o ponto de vista qualitativo são de destacar as profundas alterações nos dois últimos decénios, com o crescimento exponencial dos novos formatos, onde avultam as grandes superfícies (hipermercados e supermercados), os discount, cash & carry, os centros comerciais e a redução brutal do pequeno comércio, dito tradicional. Segundo o Índice Nielsen Alimentar a percentagem de vendas de hiper e supermercados passou de 25,8% em 1987 para 83,6% em 2004, contrapondo-se com o comércio tradicional que regrediu de 74,2% para 16,3%, no mesmo período. O conjunto dos cinco maiores «operadores» (Sonae, Jerónimo Martins, Mosqueteiros, Auchan e Lidl) representa 67,5% do mercado de retalho.

As novas unidades do comércio, pertencentes a grandes cadeias comerciais nacionais e estrangeiras sob tutela de grandes grupos económicos (em Portugal Sonae/Belmiro, Amorim, Jerónimo Martins), para lá da liquidação do comércio tradicional, fazem sentir a lógica predadora igualmente na rede dos seus fornecedores, com a imposição de condições leoninas, e têm profundas consequências nos hábitos de consumo, tempos de lazer e socialização, e na vitalidade dos centros das grandes cidades.

ii) A actividade imobiliária deve ser entendida como uma actividade de carácter eminentemente financeiro, pois que, no fundamental, gere a aplicação de capitais, subcontratando todas as valências necessárias à promoção de habitação, escritórios, lojas, etc. As actividades imobiliárias correspondem actualmente a cerca de 7,5% do produto e a 0,4% do emprego, tendo tido um grande e anormal desenvolvimento, particularmente a partir de meados da década de 90, devido, no fundamental, à nova focalização da estratégia dos grupos económicos nacionais e multinacionais, cavalgando a descida das taxas de juro, na promoção e intermediação imobiliária, particularmente habitação e escritórios. O crédito à habitação subiu, entre 1979 e 2006, de 6,8% para 36,6% do crédito total. E os 600 mil fogos vagos, correspondendo a cerca de 11% do parque habitacional (2001), representam 60 mil milhões de euros, ou seja, 1/3 do PIB!

É, assim, uma actividade fortemente penetrada pelo sector bancário e os fundos de investimento, sujeita a movimentos especulativos e processos de lavagem de dinheiro, sendo uma evidente fonte de instabilidade dos mercados financeiros. Tem, em Portugal, uma crescente participação de capital estrangeiro - um quinto do IDE líquido em 2006 foram operações sobre imóveis.

iii) Os chamados serviços prestados às empresas - por vezes também designados terciário avançado ou quaternário - constituem uma das áreas mais recentes e dinâmicas do sector terciário, correspondendo actualmente a cerca de 6% do PIB e a cerca de 6% do emprego.

Inclui um amplo e diversificado conjunto de actividades, uma parte significativa das quais tem um forte efeito de arrastamento sobre outros sectores. Destacam-se as actividades de consultoria e conselho em gestão, de estudos e projectos de urbanismo, arquitectura e engenharia, de auditorias, de consultoria jurídica, de recrutamento e selecção de pessoal, de estudos de mercado e opinião e as actividades informáticas. De realçar, que entre 1996 e 2004, estas últimas apresentaram um crescimento de 125% (8,7% ao ano) enquanto as restantes quase 60% (5,4% ao ano). Algumas delas (consultoria, auditoria), inseridas em redes internacionais, sendo unidades de empresas multinacionais, constituem veículos de influência e comando externo sobre a economia nacional.

Refira-se ainda que na origem de algumas destas actividades estão os já citados processos de reorganização e reestruturação empresarial com externalização de serviços (serviços de limpeza, portaria e vigilância, por exemplo) ou a «aquisição à medida» de força de trabalho (empresas de trabalho temporário) dando uma forte contribuição para a precariedade laboral e exploração, abrangendo hoje mais de 100 mil trabalhadores.

iv) As actividades financeiras (banca, seguros e actividades correlacionadas) - o seu peso no produto tem vindo a crescer de forma sistemática: 1975: 3,4%; 1985: 5,6%; 1995: 6,0% e 2004: 6,6%. Os seus trabalhadores correspondem a cerca de 1,6% do emprego. Em 2006, o total de activos financeiros detidos pelo bancos comerciais era equivalente ao PIB nacional e se tivermos também em consideração a capitalização bolsista e o total da dívida titularizada (obrigações) o montante é equivalente a quase 3,5 vezes do PIB, o que mostra o grau de financeirização da economia nacional.

Mas a sua influência directa e indirecta ultrapassa em muito aqueles dados. O sector é o coração dos principais grupos monopolistas portugueses e um lugar estratégico do capital transnacional. Resultado do processo de privatizações, a que se seguiu uma «dinâmica» reestruturação por via de fusões e de cruzamento de participações, a concentração do sector em cinco grandes grupos - CGD, BCP, BES, Santander Totta e BPI - representa cerca de 90% dos recursos captados, crédito sobre clientes, margem financeira e resultados líquidos. O sector funciona como centro de acumulação e de distribuição de capital, através da transferência de riqueza do sector produtivo para o sector financeiro (o cash flow anual do sector bancário já ultrapassa 4% do PIB), com a participação do Estado, através de regulamentação e legislação, inclusive fiscal, adequada a esses objectivos.

Releve-se: um sector bancário dos «mais modernos e avançados» numa economia cada vez mais na cauda da Europa!

v) O turismo é um importante sector da vida económica nacional, responsável de forma directa por mais de 5,5% do PIB e 8% do emprego e níveis de crescimento acima da média.

A afirmação do turismo e da sua importância económica nas últimas décadas, é indissociável da melhoria das condições de vida e dos direitos dos trabalhadores, conquistados com o 25 de Abril, pelo que a possibilidade da sua expansão está associada à democratização do acesso de cada vez mais largas camadas ao turismo e à evolução da situação económica nacional.

Representando o mercado interno uma importante parcela da actividade turística, constituiria, a ser devidamente potenciado, um importante factor de dinamização económica do País e uma componente decisiva para a coesão económica e social entre as várias regiões.

A crescente actividade dos grupos financeiros - designadamente no alojamento, agenciação e distribuição - e uma política fiscal penalizante, têm-se traduzido não só numa concentração do sector, como em dificuldades num tecido empresarial predominantemente constituído por pequenas e médias empresas.

vi) O sector dos correios (sector postal) e as telecomunicações empregam cerca de 37 mil trabalhadores e correspondia em 2004 a cerca de 3% do PIB, constituindo as telecomunicações a sua parte dominante, com quase 90% do produto do sector. Trata-se de um dos sectores mais modernos da economia nacional e com maior dinamismo e incorporação de novas aquisições da ciência e da técnica.

Apresenta elevadas taxas de crescimento - por exemplo, entre 1996 e 2003 apresentou uma taxa média de crescimento anual de 6,4%, embora com oscilações anuais significativas.

As privatizações ocorridas no sector e as ameaças que pendem sobre as empresas ainda públicas constituem uma vulnerabilidade estratégica que pode pôr em risco um harmonioso e coerente desenvolvimento do sector. Neste domínio, há que destacar pela negativa a privatização de redes - infra-estruturas estratégicas da maior importância - que põe em causa a soberania nacional e a progressiva liberalização do sector dos serviços postais, decorrente do processo em curso a nível comunitário, no âmbito da Estratégia de Lisboa e da directiva de serviços postais.

 

2.2. A estrutura empresarial

2.2.1. Em Portugal, coexistem, conforme a Constituição, diversas formações económicas: empresas de capitais públicos, empresas privadas de diversa dimensão e empresas ditas de economia social, sendo que a titularidade do capital, pode ser nacional, estrangeiro ou misto.

As dinâmicas, nos últimos vinte anos, destas diferentes formações têm sido: diminuição drástica do peso do sector público empresarial na economia, tendo hoje uma presença muito reduzida (3,7% do PIB em 2006), o que contraria a ordem constitucional; forte ampliação do domínio e presença das empresas privadas, quer pela entrada nos sectores antes públicos, quer em novas áreas antes não empresarializadas e que eram do domínio da Administração - saúde, ensino, etc.; manifesto aumento de peso e de protagonismo do capital estrangeiro.

 

2.2.2. A estrutura empresarial da economia portuguesa, é constituída dominantemente por micro e pequenas empresas - em 2003 constituíam 97,2% do total de empresas (sendo 81,8% micro e 15,4% pequenas empresas), 36% do volume de negócios e 55% de emprego. Estrutura que, embora semelhante à da UE, apresenta um menor nível dimensional médio das empresas, o que constitui uma fragilidade adicional da nossa economia.

É de salientar o elevadíssimo número de empresas em nome individual resultantes, na maioria das situações, de violentos processos de desestruturação da economia, consequência, nomeadamente, de um elevado desemprego e uma alta taxa de falências.

Em contrapartida, as médias e grandes empresas constituem cerca de 2,4% do total de empresas, a que corresponde 64% do volume de negócios e 45% do emprego.

Registe-se, que entre 2000 e 2004, o número de microempresas cresceu 9% ao ano, enquanto as pequenas empresas cresceram 7,3%, o que confirma e agrava a debilidade atrás referida. Ao contrário, o crescimento das grandes empresas apresentou valores na ordem dos 1% a 2% ao ano.

As micro e pequenas empresas são dominantemente de capital nacional, detidas por pequenos empresários isolados ou em associação, normalmente de carácter familiar, enquanto que as médias e grandes empresas, particularmente estas últimas, são fortemente dominadas pelo grande capital nacional e estrangeiro.

É ainda importante ter em conta, que quer os grandes, quer os médios grupos económicos, têm no seu seio, imensas médias e pequenas empresas, conseguindo por esta via gerir melhor no seu interesse, resultados e impostos, bem com aceder a fundos públicos para incentivo da actividade económica.

As micro e pequenas empresas encontram-se dominantemente no comércio, na indústria transformadora e nos serviços, enquanto as médias empresas estão na indústria transformadora e nos serviços.

As grandes empresas actuam em áreas básicas e estratégicas da economia, dominantemente no sistema financeiro, nos transportes, no sector energético, nas comunicações e telecomunicações, no comércio grossista e no retalhista, na saúde, na indústria mineira e nalguns sectores da indústria transformadora pesada. Com excepção da grande distribuição, a quase totalidade destas empresas decorrem de empresas públicas e participadas, entretanto privatizadas.

2.2.3. As micro e pequenas empresas são reféns do grande capital nacional e estrangeiro, dada a sua natureza monopolista e o seu domínio dos mercados e sectores estratégicos, seja enquanto fornecedor - casos das subcontratações ou do aprovisionamento de grandes grupos de distribuição - seja enquanto compradores de serviços essenciais e factores de produção - casos da banca e dos seguros, da electricidade, do gás, das telecomunicações, etc.

O resultado destas relações de força está bem visível no nível de endividamento das sociedades não financeiras, a imensa maioria das quais micro, pequenas e médias empresas, que era de 60% do PIB em 1995 e atingiu 105% do PIB em 2006, duplicando a sua dimensão em 12 anos e sendo o segundo maior da zona euro.

 

2.2.4. Existem ainda algumas grandes e médias empresas onde se verifica a presença, por vezes muito significativa, de capitais públicos, embora com situações muito diversas em termos do peso societário do Estado - cerca de 110 empresas - a que devem acrescentar-se as recentes empresas com o estatuto de empresas públicas, ou aparentemente equiparadas, como são as EPE.

Contudo, muitas destas empresas, porque correspondem a projectos, terão uma vida efémera - caso das 17 sociedades Polis -, além de que várias outras resultaram da empresarialização de actividades tradicionalmente na Administração Pública - caso dos 36 hospitais EPE e SA.

O Estado ainda detém posições completamente dominantes ou muito relevantes no sector financeiro - CGD - na comunicação social - Lusa e Rádio e Televisão de Portugal - nas infra-estruturas aéreas - ANA, ANAM, EDAB, NAER e NAV - e ferroviárias - REFER e RAVE - e portuárias - administrações de cinco grandes portos - e rodoviárias - Estradas de Portugal - e outras - EDIA, REN, Docapesca.

Na área industrial detém 100 % da EDM, EMPORDEF e ENVC e posições significativas na SPE - Sociedade Portuguesa de Empreendimentos e nas Minas de Ouro de Penedono. Nos serviços de utilidade pública detém posições a 100% nos CTT e Águas de Portugal. Na área dos transportes detém 100 % do capital da TAP, da SATA, da CP, do Metropolitano de Lisboa, da CARRIS, dos STCP e da Transtejo e posições relevantes nos metropolitanos do Mondego e do Porto. Através da CGD detém posições na PT (5,13%), EDP (5%), CIMPOR (2,08%), BCP (2,4%) e GALP (1,39%).

O Estado detém ainda em algumas empresas as chamadas acções douradas («golden shares»), as quais permitem, com um pequeno número de acções, ter uma intervenção determinante em certos domínios estratégicos.

Estas posições são hoje contestadas pela UE, e a sua eliminação significará o afastamento total do Estado de empresas e sectores estratégicos. Devendo ser combatida qualquer cedência, a situação evidencia a razão do PCP quando afirmava que só o estatuto público dessas empresas dará garantias sólidas da intervenção necessária do Estado na sua orientação. Para memória, recorde-se que o estatuto das empresas públicas deslizou inicialmente para sociedades anónimas de capitais públicos, a que se seguiram privatizações parciais e minoritárias, que posteriormente foram transformadas em maioritárias.

 

2.2.5. O sector cooperativo e social compreende (constitucionalmente) os meios de produção possuídos e geridos por cooperativas; por comunidades locais; por pessoas colectivas, sem carácter lucrativo, designadamente de natureza mutualista; e os que são objecto de exploração colectiva dos trabalhadores.

Destes subsectores, o autogestionário teve relevância no pós-25 de Abril, mas foi sendo destruído, o comunitário, de que são expressão mais saliente os baldios, tem uma expressão económica e social significativa na floresta do Norte e Centro do País, e os subsectores cooperativo e solidário têm claramente peso económico e social, destacando-se o sector agrícola (em especial o leiteiro e o vitivinícola), a habitação, o consumo (apesar do papel dos grandes grupos económicos da distribuição) e o apoio social (cooperativas de apoio a necessidades educativas especiais).

O sector cooperativo e social apresenta uma diversidade significativa, sem que esteja estabelecida uma regulação que garanta a não utilização abusiva de tal estatuto. O INSCOOP, instituto público que deveria assumir esse papel, nunca o fez, pelas opções políticas que orientaram os sucessivos governos.

A ofensiva capitalista ataca o sector produzindo uma ideologia neoliberal que procura anular a especificidade própria do sector (por exemplo, tratando no mesmo plano a empresa cooperativa e a empresa privada), ou considerá-lo uma vertente do passado, limitando-o a funções caritativas ou assistencialistas, tendo como objectivo a sua utilização no processo de privatização das funções do Estado através da transferência das suas responsabilidades para a chamada «economia social» (Instituições Particulares de Solidariedade Social, Misericórdias, Fundações e Associações com forte presença da Igreja Católica), como sucede nas áreas da saúde e apoio social. Tem particular significado o forte alargamento do «edifício» das IPSS, muito dependente das verbas transferidas anualmente pelo Orçamento do Estado, ao mesmo tempo que é destruída a rede pública de equipamentos e serviços sociais. Segundo dados oficiais existiam, em 2005, mais de 5 300 entidades proprietárias de equipamentos colectivos, onde o sector designado por não lucrativo correspondia a 73% do total, sendo que as IPSS ou equiparadas detinham 90% deste valor.

O sector cooperativo e social radica a sua lógica em valores de cooperação, entreajuda, solidariedade, respeito mútuo e princípios de liberdade, autonomia, em contraponto ao estímulo do individualismo, competição, sujeição, domínio e poder do dinheiro. Com objectivos, formas jurídicas, actividades e meios diversos, este sector apresenta uma natureza social que, em contraponto ao privado, visa servir os associados e a comunidade, em vez do benefício pessoal e da apropriação da mais valia.

A dimensão do sector da «economia social» está expressa no facto de representar, em termos de despesa, 4,2% do PIB, empregando mais de 175 mil trabalhadores, sem contar com um número significativo de dirigentes/voluntários.

Com dinâmica diversa regista-se o papel significativo desempenhado por muitas colectividades de cultura e recreio nas áreas da terceira idade, infância e ensino.

Com impactos importantes ao nível da animação de processos de desenvolvimento local, são ainda de referir as Associações de Desenvolvimento Local (ADL). Com constituições distintas em função das realidades locais, enquadram colectividades, autarquias, associações e pessoas a título individual, tendo uma intervenção privilegiada, principalmente no espaço rural.
 

2.3. Os mercados

2.3.1. O endeusamento do mercado como mecanismo de regulação automática da economia (por oposição à intervenção do Estado) é uma velha tese liberal, permanentemente renovada pelos arautos do neoliberalismo. Assim se procura afirmar o Estado como pura instância política, à margem da economia e da sociedade, escondendo a sua real e diversificada intervenção, inclusive no mercado, a favor do capital. Concepções que ignoram a natureza de classe do Estado e omitem que as relações económicas são cada vez mais relações de poder. Concepções que defendem o mercado como um puro mecanismo natural de afectação eficiente e neutra de recursos escassos, escondendo que na vida real a «mão invisível» do mercado corresponde à mão visível das grandes empresas, nacionais e transnacionais, e do Estado ao seu serviço. Desde há séculos, com o capitalismo, que o mercado serve mais os interesses de uns que de todos, regula e mantém determinadas estruturas de poder, que asseguram a prevalência dos interesses dos detentores do capital.

São concepções que pretendem transformar o sistema capitalista, com a sua carga de exploração, de desigualdade e violência, numa neutra «economia de mercado». O grande capital nacional e internacional elege e promove o mercado como o alfa e o omega de toda a vida económica e social, usando-o para prosseguir os seus interesses de classe. O que fazem, através do condicionamento do mercado pelo Estado - «regulando-o» e «administrando-o» quando liberaliza, privatiza e intervém, através da fixação de preços ou da gestão da «procura pública», da aquisição pelo Estado de bens e serviços, ou do financiamento público do grande capital, através da sua força económica.

 

2.3.2. O mercado interno, medido pela procura interna, corresponde actualmente a cerca de 108% do PIB - 69% de produção nacional e 39% de importações -, o que demonstra inequivocamente quanto o mercado interno é importante para a produção nacional e para o crescimento económico do País.

O mercado interno nacional (satisfação das necessidades das famílias, das empresas e do Estado) tem cada vez menos resposta por via da produção nacional de bens e serviços devido aos estrangulamentos dos sectores produtivos e é cada vez mais ocupado por importações. A taxa de cobertura das importações pelas exportações tem vindo a degradar-se face à crescente diminuição da produção nacional - na agricultura, nas pescas e na indústria e à invasão de produção estrangeira.

Dependendo do crescimento e do desenvolvimento económico, para além de uma política de protecção da produção nacional (possível mesmo no quadro das regras da UE), o nível do mercado interno é reflexo da evolução do PIB e do rendimento disponível e sua distribuição pelas diferentes classes, camadas e tipos de consumo, sendo que nos últimos anos tendo sido fortemente condicionado pelas restrições orçamentais por via do Pacto de Estabilidade, afectando a procura pública.

O grande capital nacional, com pequenas excepções, actua dominantemente no mercado nacional e em áreas de reduzida, ou mesmo nula, concorrência internacional.

Ao contrário, o mercado externo, relativamente às empresas nacionais, é dominantemente ocupado pela actividade industrial, associada às PME, com excepção da pasta e papel e dos produtos siderúrgicos, actividades ligadas ao grande capital nacional e estrangeiro. Por outro lado, as microempresas estão viradas fundamentalmente para o mercado interno.

As grandes empresas multinacionais que actuam na área industrial - sobretudo automóvel, electrónica, TIC, têxtil e calçado, e alguns produtos mineiros - trabalham dominantemente para a exportação, dominando já uma parte importante desse mercado.

O turismo tem, obviamente, uma elevada componente associada ao exterior - 15% da estrutura das exportações, em 2005 -, ou seja, o grande peso dos turistas estrangeiros no total da actividade, sendo que a exportação de serviços já começa, de forma persistente, a ter algum significado: cerca de 5,5% do PIB.

 

2.3.3. O mercado externo, medido pela exportação de bens e serviços, corresponde a 31% do PIB, e  deve ser abordado nas suas actuais duas componentes: intracomunitário (dito interno na UE) e extracomunitário. O traço mais impressivo da evolução do comércio externo é o seu afunilamento (e com ele o conjunto das relações económicas) no mercado da União Europeia, com as exportações e importações, a oscilar em torno dos 80%, sendo particularmente significativo o caso do mercado espanhol, que hoje ronda os 30% (destronando o mercado alemão).

Nos mercados extra-comunitários têm-se verificado alguns crescimentos em anos recentes nas relações com o Brasil, Angola e EUA.

O mercado externo para a economia portuguesa está hoje fortemente condicionado pela política comercial da União Europeia, dos seus acordos bilaterais e posições na OMC, que tem sido um importante instrumento utilizado pelos países capitalistas mais desenvolvidos para impor, a nível mundial, uma ordem económica ao serviço das empresas transnacionais e em que a liberalização do comércio é a arma mais relevante. Ora essa política é fundamentalmente determinada pelos interesses das grandes potências da União Europeia, como é bem visível no caso do têxtil e da agricultura. As orientações que a UE tem defendido na OMC, de liberalização do comércio mundial (agricultura, indústria e serviços, mas igualmente o investimento e a concorrência) são particularmente graves para o País.

 

2.3.4. A afirmação do respeito pelas regras da concorrência e da ficcionada igualdade de todos os agentes económicos no mercado, questões decisivas para assegurar a credibilidade das teses capitalistas, é suportada por todo um arsenal de regras, instituições «independentes» (autoridades de concorrência) e tribunais, destinados a garantir tal desiderato.

A realidade é que as múltiplas e diversificadas situações de monopólio e cartel existentes no quadro da reconstituição monopolista em Portugal foram criadas pelo Estado, numa deliberada «ausência» deste na sua efectiva regulação e intervenção, subvertendo completamente os princípios da concorrência. São muitos os exemplos da concertação de preços, de abuso de posição dominante, de concorrência «desleal» sem que a AdC intervenha ou os prevaricadores sejam significativamente penalizados.

Duas outras questões têm um grande impacto na concorrência: as ajudas estatais e a economia paralela. Em diversos países da UE, as ajudas dos estados nacionais, (não confundir com as ajudas apoiadas por fundos comunitários) às empresas, ocorrem a níveis muito superiores aos de Portugal, o que vicia a concorrência nos mercados internacionais e também no próprio mercado nacional, prejudicando particularmente a nossa indústria transformadora. A economia paralela introduz mecanismos de concorrência desleal, prejudicando fortemente as empresas cumpridoras dos seus deveres fiscais e sociais.

 

2.4. Políticas de investimento e fundos comunitários

2.4.1. O investimento nos factores de produção e infra-estruturas, materiais e imateriais, se devidamente planeado, direccionado e aplicado, corresponde a uma das condições básicas para sustentar o crescimento económico e o desenvolvimento.

Por outro lado, estudos recentes evidenciam a correlação fortemente positiva do investimento público, particularmente em infra-estruturas, sobre o produto, o emprego e as receitas fiscais, nomeadamente pelo seu efeito de arrastamento sobre o investimento privado.

Ora, a política antinacional dos governos e do grande capital, suportada pelo neoliberalismo das orientações comunitárias, e particular do Pacto de Estabilidade, seja pelas orientações estratégicas do capital estrangeiro, conduziu a que o investimento em Portugal está, há anos, muito aquém das necessidades quantitativas e qualitativas da nossa economia.

As evoluções da Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF) nos últimos anos são bem demonstrativas deste facto. Entre 2001 e 2006, a redução acumulada em termos reais da FBCF foi de 15,7%, o que é dramático. Desde 1997 o investimento público vem perdendo peso no investimento total atingindo o mínimo histórico em 30 anos, de 2,3% do PIB em 2007 e representando 10,4% do total do investimento realizado no País.

A manifesta insuficiência do investimento privado é também a prova de que não basta a iniciativa privada para dinamizar a economia - o capital privado investe onde houver possibilidades de bons lucros e retorno rápido - não sendo sua preocupação responder aos problemas da economia nacional. É ainda uma evidência a enorme mistificação da Bolsa de Capitais como fonte de financiamento do investimento empresarial!

Atente-se nos desequilíbrios na distribuição do investimento realizado, com o imobiliário a absorver uma grossa e desproporcionada fatia face às necessidades da economia nacional.

 

2.4.2. Os fundos comunitários trouxeram para Portugal entre 1986 e 2005, nos três primeiros quadros comunitários, o valor de cerca de 56 mil milhões de euros, o que em termos médios, corresponde a um valor de 2800 milhões de euros /ano e a cerca de 7,7 milhões de euros/dia.

Esta entrada de fundos na economia portuguesa, tendo tido real impacto, apresenta contudo, uma muito reduzida eficácia em termos estruturantes, como se verifica, por exemplo, com a reprodução do mapa assimétrico do investimento público, devido, no fundamental, pelo menos aos seguintes problemas, muitas das vezes interdependentes: insuficiente e inadequado planeamento de necessidades; orientações não correspondendo às necessidades essenciais da economia, como por exemplo num privilégio sistemático dos investimentos do grande capital, em desfavor dos apoios às pequenas empresas; desperdício por não aproveitamento total dos fundos em cada quadro comunitário de apoio; saídas muito significativas de verbas para o estrangeiro, destinadas à importação de equipamentos inseridos em projectos co-financiados, ou seja, em cada três euros que entraram de fundos, um euro voltou a sair em forma de importações aos países mais ricos da União Europeia; insuficiente fiscalização e controlo; atenuação ou anulação das suas potencialidades, devido a políticas comuns e nacionais de sentido inverso ao dos fundos.

O uso dos fundos comunitários enquanto moeda de troca para compensar a destruição e atrofiamento do aparelho produtivo nacional, faz dos fundos e da sua aplicação um elemento obviamente negativo

 

2.4.3. O investimento directo estrangeiro em Portugal (IDEP), embora em termos brutos tenha assumido um papel quantitativo significativo - 228 mil milhões de euros a preços correntes, entre 1996 e 2006 -, o que corresponde a cerca de 67% do total da FBCF no mesmo período, em termos líquidos, isto é, subtraindo os desinvestimentos efectuados no mesmo período, fundamentalmente resultado de deslocalizações, o IDEP baixa consideravelmente para 41,5 mil milhões de euros, 12,1% da FBCF.

O IDEP trouxe impactos positivos no PIB, às exportações e ao incremento do nível tecnológico do nosso tecido produtivo, com efeitos de demonstração, ao mesmo tempo que absorveu parte muito significativa dos fundos comunitários e nacionais; simultaneamente, apresenta consequências inquietantes como a das deslocalizações e exportação de elevados rendimentos. Em 2006, o total de lucros e juros pagos ao estrangeiro, foi de 1100 milhões de euros por mês. Por outro lado, em grande parte, o IDEP dirigiu-se para a aquisição de empresas, através da participação em aumentos de capital e aquisição de participações (22% do IDEP no período), apossando-se mesmo de importantes sectores económicos nacionais (privatizações). Dirigiu-se também significativamente para os empréstimos de curto prazo (47,3% do IDEP no período).

Os principais sectores onde tem intervindo são a indústria (entre 30% a 40%), as actividades imobiliárias e os serviços prestados às empresas (entre 20% e 25%), o sistema financeiro e o comércio e a restauração (entre 50% a 35%).

Nos últimos anos, a sua principal origem é a UE (86% do IDEP), com destaque para o Reino Unido, a Alemanha, a França e a Espanha, que representam no seu conjunto 55,2% do IDEP no período considerado (1996-2006).

 

2.4.4. Em sentido contrário a este e ao das reais necessidades nacionais, aparece a partir de meados da década de 90 uma nova orientação estratégica do grande capital nacional, que é o do investimento directo português no estrangeiro, IDPE, o qual atingiu a soma de 100,8 mil milhões de euros, a preços correntes, entre 1997 e 2005, com o seu pico em 2000/2001, embora mantendo-se ainda muito elevado até 2004.

O valor líquido do investimento de Portugal no estrangeiro, no período entre 1996 e 2006, é superior ao valor líquido do investimento estrangeiro no nosso País no mesmo período. Sublinhe-se ainda, pela negativa, que a generalidade desses investimentos foi generosamente apoiada por fundos públicos, nacionais e comunitários, mesmo quando se destinaram a actividades financeiras, imobiliárias ou puramente especulativas.

O destino do investimento é dominantemente a UE e o Brasil, com 76,7% do IDPE.

No actual quadro de debilidades e dependências, o IDPE, nos níveis a que se tem situado, é claramente contra os interesses nacionais, já que está subordinado aos objectivos e interesses estratégicos dos grandes grupos económicos nacionais desviando, em simultâneo, brutais verbas necessárias ao investimento em território nacional, começa a ser responsável pela deslocalização de algumas actividades produtivas e aumenta a dependência financeira do País, dado que parte das verbas necessárias a tal investimento, acabaram, directa ou indirectamente, por vir do estrangeiro, sob a forma de empréstimos ao sistema bancário português. Por outro lado, não tem progredido onde seria mais necessário: o estabelecimento de cadeias e bases logísticas para a colocação internacional da produção nacional.

 

2.5. A presença do capital estrangeiro

O capital estrangeiro tem vindo a ocupar de forma crescente importantes e estratégicos espaços na economia portuguesa, acentuando a sua subcontratação, dependência e vulnerabilidade.

O processo de privatizações constituiu a principal alavanca de entrada e aceleração do peso do capital estrangeiro na nossa economia, devido à etapa de desnacionalização que se seguiu, em muitas situações, à etapa de privatização das empresas públicas. Por outro lado o grande capital nacional, no quadro estratégico do processo de recuperação capitalista, elegeu como instrumento a associação ao grande capital internacional, que o ajudou por todas as formas - políticas, económicas, financeiras - designadamente através de relações societárias. Por fim, a livre circulação de capitais decorrente do processo comunitário da UEM, a que se seguiu a criação do euro, facilitou extremamente as aquisições de activos em Portugal.

A presença do capital estrangeiro pode constituir, conjunturalmente, um elemento positivo de desenvolvimento, em função da sua dimensão, condições e actividades em que se fixa, nomeadamente assegurando transferência de tecnologia, arrastamento de indústrias nacionais, diversificação e alargamento dos mercados externos, sustentabilidade e estabilidade por prazos adequados, inclusive garantindo os reinvestimentos necessários, sem acentuar vulnerabilidades e dependências. O que em geral não tem acontecido.

São aspectos particularmente críticos de grande parte do actual IDE no País a sua natureza «beduína» sempre pronta a deslocalizar-se, deixando para o Estado português o desemprego e os custos sociais, a opção por actividades de baixo valor acrescentado e baixa incorporação tecnológica (investimento em segmentos curtos da cadeia de valor), a absorção de brutais apoios ao investimento, inclusive para a sua manutenção em actividade (por vezes com recurso à chantagem sobre o Estado português), a exportação elevadíssima de lucros, não cuidando de reinvestimentos e baixando de forma relevante o rendimento nacional disponível.

 

2.6. Produtividade e competitividade da economia portuguesa

2.6.1. A criação sustentável de riqueza em patamares superiores ao actual passa inevitavelmente pelo permanente acréscimo da produtividade e da competitividade dos diversos subsistemas da nossa economia: das empresas, das infra-estruturas e do Estado. A maioria das empresas portuguesas apresentam um baixo nível da produtividade e competitividade quando comparadas com as dos países mais desenvolvidos da UE. E esses diferenciais de produtividade e competitividade face às médias da União Europeia têm sido usados pela política de direita e pelo grande patronato como argumentos para alterar a legislação laboral e direitos sociais, como o subsídio de doença e de desemprego.

Para lá da enorme mistificação ideológica em torno dos conceitos de produtividade e de competitividade que, aliás, frequentemente se confundem de forma não inocente, procura-se estabelecer uma sequência lógica salário (trabalhador) - produtividade - competitividade, como se houvesse uma simples relação causa/efeito na esfera tão complexa da produção económica, olhando para o salário como um mero custo micro-económico e não como uma importante componente do rendimento nacional, cujo incremento fomenta a despesa, o investimento, a procura interna e em consequência o crescimento económico. Fundamentalmente, procura-se ocultar que a degradação das condições de trabalho, a falta de investimento nos instrumentos de produção e a precarização dos vínculos de trabalho são a principal condicionante da força de trabalho para a produtividade, a par das responsabilidades dos gestores, eles próprios com baixas qualificações, pela reduzida incorporação de investigação científica e desenvolvimento tecnológico na produção, pela pouca atenção às formas de gestão e organização das cadeias de produção e unidades empresariais. É de perguntar se os «salários» e outras benesses que os gestores auferem, nomeadamente ao nível dos CEO (Chief Executive Officer) de grandes empresas nacionais e multinacionais, muitas vezes dezenas e mesmo centenas de vezes superior ao salário médio dos trabalhadores, se justificam em algum critério de produtividade, ou seja, se produzem dezenas ou centenas de vezes mais que um trabalhador.

 

2.6.2. Deve acrescentar-se que a baixa «produtividade» média da economia portuguesa resulta, no fundamental, de um perfil de especialização com um peso determinante das indústrias de mão-de-obra intensiva (baixa composição orgânica do capital) e baixo valor acrescentado, igualmente da responsabilidade das políticas dos governos PSD e PS, que liquidaram importantes ramos e fileiras industriais - química, farmacêutica, metalomecânica pesada - e que não impulsionaram a alteração desse perfil produtivo. Como também deve registar-se a subvalorização ou o desprezo a que têm sido votados matérias-primas e recursos produtivos endógenos em geral, como fontes de energia, solos, subsolo e oceano, passíveis de contribuir como importantes factores produtivos para a elevação do produto nacional.

 

2.6.3. Também na avaliação do nível de competitividade da economia portuguesa, que se procura reduzir ao factor preço do produto e à produtividade, se esquece a ausência de políticas de defesa do mercado interno como faz a generalidade dos outros Estados, a adopção da moeda única euro (perda de competitividade de 2% ao ano devida à taxa de câmbio efectiva), o reduzido apoio às micro, pequenas e médias empresas, as inúmeras carências e custos elevados, quando comparados com os de outros países da UE, dos serviços financeiros, energia, telecomunicações e transportes e logística.

 

2.7. Ciência e Tecnologia

2.7.1. A escassez dos recursos afectados às actividades científicas e técnicas é um obstáculo maior ao desenvolvimento económico e social do País. O investimento em Ciência e Tecnologia (C&T) e, em geral, em Actividades Científicas e Técnicas (AC&T) é um factor crucial para a concretização de uma política alternativa que efectivamente conduza à melhoria das condições de vida do povo português no quadro de uma democracia avançada, nos planos político, económico, social e cultural. O ritmo de criação de riqueza depende do volume de recursos humanos, materiais e financeiros que são afectados a essas actividades, volume que é entre nós muito insuficiente, constituindo esse facto, em si mesmo, um obstáculo maior a um desenvolvimento socialmente justo e economicamente sustentável.

Sendo certo que a parte principal dos recursos humanos, materiais e financeiros do Sistema Científico e Técnico nacional (SCT) deveria encontrar-se no sector produtivo, à semelhança do que acontece em todos os países desenvolvidos, em Portugal o peso das actividades de investigação e inovação de produtos e processos, ao nível das empresas é mínimo. Importa sublinhar que sem aparelho produtivo não é possível construir em bases sólidas, expandir e consolidar, um Sistema Científico e Técnico, promover uma afectação significativa de recursos às actividades de I&D e criar condições favoráveis à motivação e expansão do sistema.

 

2.7.2. No que respeita às actividades de investigação científica e desenvolvimento tecnológico (I&D), a situação caracteriza-se, essencialmente, pela degradação e abandono das instituições públicas e pela residual participação do sector empresarial, público e privado, quer no financiamento quer na execução dessas actividade e crónico subfinanciamento das instituições e unidades públicas de investigação - Laboratórios do Estado mas também centros ligados à universidade - e pela gestão incorrecta, burocrática e arbitrária dos parcos fundos disponibilizados. Caracteriza-se também pela extraordinária escassez de pessoal técnico de apoio às actividades de I&D, de todas as especialidades e pelo vínculo precário às instituições em que trabalham; pela insipiência e degradante situação de abandono de infra-estruturas oficinais e outras, necessárias ao desenvolvimento de actividades de investigação, quer fundamental, quer, sobretudo, aplicada, bem como ao desenvolvimento de projectos de inovação e ao «trabalho de campo», particularmente junto de PME que na sua grande maioria não dispõem de condições mínimas para inovar e modernizar processos e produtos sem um apoio técnico externo sustentado e convenientemente dirigido. A insuficiência dos financiamentos e as carências do apoio técnico vedam às equipas nacionais certas áreas de trabalho no País, o que se reflecte no número desproporcionadamente reduzido de patentes registadas.

 

2.7.3. Junta-se a isto a ausência de uma politica científica nacional e de desenvolvimento das necessárias infra-estruturas públicas prestadoras de serviços técnico-científicos e uma definição inconsistente e incompleta das funções ou missões próprias de instituições tuteladas pelo Estado.

Importa também sublinhar, o desequilíbrio existente entre o volume dos recursos atribuídos à I&D, já de si insuficiente, e aquele, proporcionalmente muito mais insuficiente, que é atribuído às múltiplas actividades conexas, de carácter científico e técnico, de crucial importância para o funcionamento da sociedade. Trata-se de actividades científicas e técnicas que, embora sem carácter necessariamente inovatório, são indispensáveis ao aumento da produtividade na criação de riqueza e à melhoria das condições de vida da população. Trata-se nomeadamente de actividades desenvolvidas por entidades do sector público, de cuja capacidade técnica e eficaz funcionamento depende a efectiva minimização e prevenção de riscos públicos de vária natureza.

Quase um terço da força de trabalho total afecta a actividades de I&D no sector público é hoje constituído por bolseiros ou outro pessoal em situação de emprego precário, na sua maioria com formação superior e mesmo pós-graduada. O seu número vem crescendo regularmente em consequência do prosseguimento de uma política de formação de doutores que, por um lado, não tem em conta as necessidades reais do sector produtivo e, por outro, convive com o persistente bloqueio do recrutamento de pessoal para a Função Pública, onde existe uma gritante carência de pessoal especializado no vasto conjunto de serviços técnico-científicos a que atrás se fez referência.

Este quadro negativo não implica o desconhecimento ou desvalorização de importantes pólos de excelência, onde se pratica trabalho de I&D com resultados reconhecidos dentro e fora do País.

 

2.8. As economias paralela e clandestina

2.8.1. As economias paralela e clandestina assumem um peso muito preocupante na economia portuguesa, peso que afecta a sua saúde e o seu regular funcionamento. Segundo alguns especialistas a economia paralela significará cerca de 20%/25% do PIB real, ou seja, um valor que deve andar na ordem dos 45 a 50 mil milhões de euros por ano, nos últimos anos.

A economia paralela corresponde a actividades económicas lícitas, feitas à margem das leis, na prestação de serviços e actividades comerciais diversas.

No entanto, uma parte não maioritária é constituída pelos chamados «biscates», realizados por pessoas que, por terem rendimentos insuficientes, ou por não conseguirem arranjar emprego, exercem actividades precárias e temporárias.

Por outro lado, a economia clandestina corresponde a actividades ilícitas, como a contrafacção, ou criminosas, como por exemplo a lavagem de dinheiro, o tráfico de drogas, o tráfico de armas, o jogo ilícito e a prostituição.

 

2.8.2. A economia paralela, pela sua natureza, não tem qualquer registo na contabilidade nacional, dado que as suas actividades não são declaradas em sede de início de actividade económica, bem como de prestação anual de contas, nos termos da lei, e portanto não ficam sujeitas a quaisquer contribuições e impostos: IVA, IRC, IRS e contribuições para a Segurança Social, desviando assim dos cofres do Estado, brutais valores, que alguns estudiosos crêem ser da ordem dos 16 mil milhões de euros /ano (valores dos últimos dois anos), valor várias vezes superior aos fundos comunitários.

No plano social, as economias paralela e clandestina, são responsáveis e mantêm ou alimentam um mercado clandestino de mão-de-obra, o qual envolve particularmente trabalhadores imigrados em situação ilegal, que vivem sem quaisquer direitos económicos e sociais e muitas das vezes em regime de quase escravatura.

Por outro lado, a economia paralela, porque de forma ilegal, não incorre numa série de custos, subverte as regras da concorrência, prejudicando simultaneamente o Estado e as empresas legais.

 

2.8.3. As economias paralela e clandestina, radicam nalgumas características genéticas do capitalismo, que as fomenta e protege, sendo factualmente fortes as relações entre estas e a economia legal. O sistema financeiro tem um papel muito importante nesta ligação e nesta cobertura, designadamente quando escorado em sistemas como o do sigilo bancário e dos offshores, os quais dão objectivamente cobertura à lavagem de dinheiro ou à fuga e evasão fiscais.

Recorde-se que, no plano do discurso, todos os partidos e governos estão contra estes fenómenos profundamente corrosivos da economia, da coesão social e da estruturação do Estado, mas de facto, na prática, colocam todos os obstáculos à eliminação do sigilo bancário e ao desaparecimento das offshores e em geral não criam as estruturas de investigação e fiscalização adequadas e com meios suficientes para o combate a estas actividades.

 

2.9. A dependência estrutural externa da economia portuguesa

2.9.1. A dependência estrutural da economia nacional e do País ultrapassa em muito o grave desequilíbrio dos fluxos económicos e financeiros com os Estados membros da UE e o resto do mundo, traduzido no agravamento do défice da balança corrente e de capital e na dimensão da dívida externa, que tem vindo a crescer a ritmos preocupantes.

O elevado e crescente défice da balança corrente (mercadorias, serviços e rendimentos) e de capital com o exterior (cerca de 8% do PIB em 2006, em contraponto com os 2,3% do PIB em 1996), tem conduzido ao aumento do endividamento externo e/ou à alienação de activos nacionais a não residentes, aumentando a dependência externa do País, impondo uma forte restrição ao normal desenvolvimento da nossa economia que põe em causa a independência nacional.

O endividamento externo espelhado na dívida externa líquida passou de cerca de 8% em 1996 para cerca de 80% do PIB no final em 2006, o que é expressão em si da estagnação do aparelho produtivo nacional e do consequente recurso crescente a importações de bens e de capitais para satisfazer as necessidades do País.

O endividamento externo espelha-se também nos níveis de endividamento das famílias, das sociedades não financeiras (empresas) e das sociedades financeiras (Bancos). Estas últimas têm apostado fundamentalmente no recurso ao financiamento externo bancário em detrimento da poupança interna, para fazer face às necessidades de financiamento das famílias e das empresas, seduzidas pelas baixas taxas de juro praticadas na zona euro. A continuada subida das taxas de juro, desde o final de 2005, determinada pelo Banco Central Europeu (BCE), traz riscos acrescidos às famílias, às empresas e à própria Banca, ameaçando com a subida dos níveis de incumprimento de uns e outros.

O referido desequilíbrio assume ainda uma gravidade maior no contexto do afunilamento em matéria de exportações e de outras relações económicas com um reduzido número de países (Espanha, Alemanha, Reino Unido, Países Baixos, Bélgica/Luxemburgo).

 

2.9.2. A dependência estrutural externa está também espelhada na enorme expressão da subcontratação das empresas portuguesas pelo capital transnacional, quer em sectores tradicionais (têxtil) quer em sectores de desenvolvimento recente, como o sector automóvel, ou ainda da presença, muitas vezes dominante, desse mesmo capital em empresas e sectores estratégicos para o País (energia, indústria extractiva, banca, seguros).

A crescente vulnerabilidade da economia portuguesa de centros de decisão estrangeiros (capital transnacional ou outros estados), bem visível nos crescentes problemas decorrentes das deslocalizações, fragiliza a intervenção do Estado português na condução da economia nacional. Esta dependência assume particular gravidade no quadro de uma integração comunitárias que foi retirando ao Estado a livre utilização de instrumentos de gestão económica (moeda, taxas de juro, Orçamentos do Estado) e subordina políticas sectoriais estratégicas (agricultura, pescas, indústria, comércio externo) a políticas ou orientações comuns, conformes aos interesses das grandes potências da União Europeia. A que deve acrescentar-se a elevada incerteza que paira sobre o futuro de importantes fluxos financeiros, como as remessas de emigrantes e os fundos estruturais comunitários que, somados à crescente drenagem para o exterior da riqueza produzida no País, taxas de lucros e juros devidas a entidades externas que cedem créditos ou fazem investimentos em território nacional, fazem aumentar a dependência do País dos mercados financeiros externos para as suas necessidades de financiamento da economia.

 

3. O território e a população

3.1. As assimetrias regionais e intra-regionais

Consequência de um modelo de desenvolvimento determinado por políticas e opções de direita, o País não só não viu a sua coesão territorial e social reforçar-se como assistiu ao acentuar das assimetrias regionais e intra-regionais. Portugal é hoje um País com uma população concentrada numa limitada parcela do território, com regiões em despovoamento acentuado e desertificadas económica e socialmente, com uma divergência crescente entre o espaço urbano e o rural, entre o litoral e o interior. As desigualdades na distribuição do rendimento que colocam Portugal numa posição vergonhosa no plano europeu (o rendimento dos 20% mais ricos era 8,2 vezes superior, em 2005, ao rendimento dos 20% mais pobres) conhecem no próprio País contrastes acentuados como o testemunham os valores de PIB per capita nas várias NUT III. As projecções oficiais que apontam num horizonte até 2020 para que a área metropolitana de Lisboa venha a concentrar entre 44% a 50% do crescimento do PIB revelam um modelo de crescimento desigual e gerador de mais assimetrias.

Uma tendência traduzida num processo de concentração da população que, por opção, o governo insiste em acentuar. O facto de o Plano Nacional de Políticas de Ordenamento do Território e do QREN assumirem essa tendência como irremediável, a aprovação de uma Lei de Finanças Locais que compromete o futuro de grande parte das autarquias do interior do País, o deliberado encerramento de escolas, unidades de saúde e serviços públicos no interior do País, associados a uma política económica assente no abandono do sector primário e no despovoamento produtivo são expressão de uma orientação que é urgente rever e inverter.

A imagem de um País cada vez mais desigual, assimétrico e em absoluta divergência em termos de coesão - divergindo dos índices de desenvolvimento do espaço europeu; as regiões com mais crescimento divergindo das suas homólogas do espaço da União Europeia; as regiões mais pobres e deprimidas divergindo da média nacional, estão aí para o testemunhar.

 

3.2. Tendências demográficas

Entre 1981 e 2006 a população residente em Portugal cresceu cerca de 7,8%, ou seja, neste período a população residente aumentou em cerca de 765 mil indivíduos, o que significou uma taxa de crescimento médio ao ano de 0,3%.

A análise desta evolução populacional a um nível geográfico mais desagregado revela uma grande heterogeneidade no crescimento demográfico de cada região. Se nas sub-regiões do litoral aumenta a população residente, em muitas sub-regiões do interior a desertificação atinge níveis preocupantes.

Os casos dos concelhos do Pinhal Interior Sul, que perderam cerca de 1/3 da população residente, do Alto Trás-os-Montes e do Douro, que perderam cerca de 20% da população residente, e dos concelhos da Serra da Estrela, da Beira Interior Norte e Sul, da Cova da Beira e do Alentejo, que sofreram também acentuadas quebras, são bem elucidativos. Na totalidade estas sub-regiões perderam cerca de 230 mil residentes nos últimos 25 anos.

O crescimento populacional deveu-se maioritariamente ao efeito positivo do saldo migratório, dada a fraca dinâmica natural motivada pelos baixos níveis de natalidade. Desde 1993 e, pese embora a desaceleração verificada nos últimos anos, o saldo migratório é a principal componente do acréscimo populacional. A taxa de fecundidade situa-se hoje nos 1,41 crianças por mulher, valor bastante inferior aos 2,1 necessários para substituir as presentes gerações do País, resultado fundamentalmente dos elevados níveis de precariedade do emprego e dos baixos salários.

O índice de envelhecimento da nossa população - relação entre a população idosa e a população jovem - mais do que duplicou entre 1986 e 2005. Em 1986, por cada 100 jovens havia 51,3 idosos, enquanto que em 2005 por cada 100 jovens existem 110,1 idosos no nosso País.

O envelhecimento demográfico, como resultado do aumento da esperança média de vida dos portugueses e da redução da taxa de fecundidade, a imigração e o acentuar da litoralização da nossa população - abandono das regiões interiores do País e a concentração da população nas faixas litorais e em particular nas duas grandes áreas metropolitanas de Lisboa e Porto - constituem os grandes desafios demográficos que a sociedade portuguesa hoje enfrenta.

 

3.3. Migrações

3.3.1. Portugal não deixou de ser um país de emigração, que tem hoje, segundo estimativas oficiais, cerca de 5 milhões de portugueses espalhados pelo mundo.

A partir da década de 90, a emigração oficial aumentou consideravelmente, em resultado das políticas de recuperação capitalista dos sucessivos governos que, longe de cumprirem as promessas de mais desenvolvimento e riqueza, continuam a obrigar uma parte significativa da população a procurar uma vida melhor no estrangeiro. Mantendo-se como actividades predominantes dos novos emigrantes as da construção civil, agricultura, hotelaria e restauração, limpezas e indústria transformadora, o valor das suas remessas continua a constituir uma importante fonte de receitas para o País (em 2006, 2,4 mil milhões de euros, cerca de 1,6% do PIB).

Olhados pelo actual governo do PS, a exemplo de sucessivos governos, como um simples instrumento para o desenvolvimento da sua política e escamoteando o forte contributo para a economia portuguesa, as comunidades portuguesas continuam a não ter uma política que responda aos seus interesses e necessidades, tais como a promoção da língua e cultura portuguesas, o apoio ao movimento associativo, o reforço dos serviços consulares, a consideração dos emigrantes sazonais, a dignificação do Conselho das Comunidades Portuguesas.

 

3.3.2. A imigração tornou-se um fenómeno estrutural da demografia portuguesa a partir da década de 80. Em Portugal, a população estrangeira com situação regularizada quadruplicou entre 1990 e 2006, passando de 107 mil para 409 mil imigrantes, e representando hoje cerca de 4,5% da população portuguesa.

Concentrados maioritariamente nos distritos de Lisboa, Faro, Setúbal e Porto (77% do total dos imigrantes em situação regular), calcula-se em cerca de 170 mil o número de imigrantes em situação irregular.

Os trabalhadores imigrantes são cerca de 10% dos trabalhadores por conta de outrém, trabalhando em número significativo em sectores como a construção civil, a hotelaria, restauração, comércio e agricultura. Na sua maioria são sujeitos a condições de trabalho precárias, ou mesmo fisicamente perigosas, com elevados níveis de exploração, baixos salários, sem protecção social, com desrespeito pelos seus direitos e, em alguns casos, sujeitos/as a situações de abuso.

O impacto da imigração legal na economia do País é considerado positivo. Segundo dados de 2004 do Conselho Económico e Social, os imigrantes eram responsáveis por cerca de 5% do PIB nacional e o seu contributo para as contas públicas, através dos impostos e taxas, é maior do que os custos que lhes estão associados, tornando-os, por isso, contribuintes líquidos para a nossa sociedade.

A imigração constitui um contributo positivo para o equilíbrio demográfico, para a sustentabilidade dos regimes de Segurança Social e para a própria actividade económica.

 

3.4. Problemas ambientais

3.4.1. Também na área do ambiente, a vertente estruturante da política dos governos do PS e do PSD consiste na cedência dos bens públicos, neste caso dos bens ambientais, às grandes empresas privadas.

A política ambiental dos governos de direita em Portugal tem conduzido à progressiva sujeição da Natureza ao capital. Incapaz de uma visão global, a direita concebe a Natureza como um agregado de coisas separadas (utilidades) e não como um sistema global e funcional em evolução. Assim, concretizando a exploração capitalista do trabalho e o uso capitalista das condições naturais e sociais os governos de direita têm conduzido à destruição acelerada da Natureza em Portugal. Sob a capa hipócrita do «desenvolvimento sustentável» a direita tem vindo a corromper as bases ecológicas da existência humana. Os governos de direita, enquanto comités de negócios do capital, são facilitadores da apropriação capitalista do património natural e social e da conversão destas condições em meios de exploração dos trabalhadores.

 

3.3.2. As políticas seguidas por sucessivos governos têm tido como consequência no ordenamento do território a progressiva consolidação de um modelo de enormes assimetrias e desequilíbrios territoriais, de integração territorial subalterna no quadro ibérico, de favorecimento da grande especulação imobiliária. A especulação imobiliária tem vindo a instalar-se em terrenos antes ocupados por unidades industriais e nas zonas ribeirinhas e portuárias, cuja desactivação pressiona, inviabilizando no presente e para o futuro o potencial económico e gerador de riqueza dessas localizações privilegiadas, num processo em que é incentivada a apropriar-se e a depredar valores ambientais e do património natural.

Um dos exemplos mais gritantes desta política é a legislação que enquadra a atribuição de estatuto de Projecto de Interesse Nacional (PIN). Claramente orientados para facilitar a especulação urbanística e a construção de empreendimentos de luxo em locais anteriormente não edificáveis, a maioria dos quais localizados em Áreas Protegidas, Reserva Agrícola Nacional, Reserva Ecológica Nacional ou em Rede Natura 2000. A manutenção de um regime de restrições associado à Rede Natura 2000 e à sua delimitação, fortemente penalizador das populações e desadequado à realidade do território, é assim excepcionado no interesse do grande capital, reservando-lhe amplas áreas do território nacional. Como subproduto dramático apresenta a impossibilidade de, em grandes espaços do território, permitir um planeamento adequado e contribuir para dispersão das áreas construídas, com as nefastas consequências económicas e ambientais associadas.

 

3.4.3. A subserviência ao capital no que toca às políticas da água expressa-se claramente na Lei-quadro da Água e na Lei da Titularidade dos Recursos Hídricos e legislação subsequente, votada favoravelmente por CDS-PP, PSD e PS. Essas leis instituem as bases para grandes senhorios privados de acesso e comercialização de toda a água, infra-estruturas e terrenos associados - barragens, portos, margens, ilhas e praias. Instituem regras de mercado orientadas para a rentabilização comercial e especulativa de um dos bens mais essenciais à vida e ao desenvolvimento económico.

A recente nomeação das comissões instaladoras das Administrações Regionais Hidrográficas é um passo claro no sentido daquele objectivo.

 

3.4.4. As políticas de eliminação de resíduos são dominadas pelo objectivo de criação de negócios e de protecção de clientelas, patentes na privatização progressiva dos sistemas públicos de resíduos sólidos e águas residuais, e nas opções de tratamento dos resíduos perigosos em particular, como é o caso das co-incinerações impostas pelo PS antes de efectuados os estudos que a justificam.

Ao invés da redução das emissões de gases de estufa, Portugal tem vindo a aumentá-las, ultrapassando já os limites acordados. Simultaneamente, o governo ofereceu às grandes indústrias créditos de emissão transaccionáveis, e projecta a aquisição de novos créditos através do orçamento público.

 

3.4.5. As orientações políticas dominantes na área da conservação da natureza - acentuadas com o actual governo, designadamente quanto à inoperacionalização do Instituto de Conservação da Natureza e Biodiversidade (ICNB) - têm contribuído para uma profunda degradação dos espaços naturais de protecção especial, para a expansão de urbanizações ditas «turísticas», para a diminuição da biodiversidade, para o aumento comprovado do número das espécies ameaçadas de extinção, para a degradação dos habitats naturais e para a marginalização das populações aí residentes.

A política de conversão dos ecossistemas para uso intensivo, subsidiada tendo em vista a maximização do lucro privado a curto prazo, tem-se traduzido na progressiva erosão dos solos.

No que respeita às águas interiores, o uso indiscriminado de fertilizantes e pesticidas tem criado problemas graves de poluição.

A construção de barragens mal localizadas tem vindo a alterar o transporte de sedimentos com impactos negativos na biodiversidade e na adulteração de paisagem. A não planificação dos sistemas de irrigação e a sua ineficiência geram riscos acrescidos de salinização dos solos e contaminação de aquíferos subterrâneos.

Nos últimos anos, observam-se alterações significativas nos ecossistemas portugueses, como sejam o aumento da floresta de monocultura (pinheiro e eucalipto) e o abandono agrícola com o aumento de áreas de mato e de áreas urbanizadas. A redução do coberto de vegetação nativa, particularmente no Norte de Portugal, afecta a biodiversidade, como o testemunha a redução da floresta de carvalhos (menos de 4% da área florestal) mais resistente aos incêndios.

 

3.4.6. A qualidade ambiental do País tem vindo a regredir face à política de desresponsabilização do Estado, de abandono e de privatização, num processo em que é sempre a classe dominante que tem retirado frutos da delapidação da natureza, onerando cada vez mais as populações, quer pela via do passivo ambiental crescente, quer pela via do esforço financeiro que, cada vez mais, se lhes exige, sob a capa de «custos ambientais».

Os resultados da política de direita, que o actual governo PS prossegue, traduzem-se na crescente vulnerabilidade do País, assolado por cheias, secas, incêndios e degradação dos recursos naturais.

 

4. Os principais sectores sociais do Estado

4.1. A educação e o ensino

 

4.1.1. São condições fundamentais para o desenvolvimento económico e social do País, e particularmente para a melhoria do nível de vida dos trabalhadores e a efectividade do regime democrático, a elevação do nível médio de escolaridade dos portugueses, a formação de quadros médios e superiores em maior número e com melhor qualificação, como factores de superação de atrasos e debilidades da estrutura produtiva e da vivência cultural.

A aposta dos sucessivos governos num modelo de desenvolvimento assente no baixo nível de escolaridade e de qualificação e nos baixos salários teve como principais consequências que, em relação à população empregada, 70,6% disponha do Ensino Básico ou menos, e que apenas 14,2% tenha escolaridade de nível superior. Igualmente significativo é o facto de os novos patrões, surgidos na década de 90 em Portugal, terem, em média, apenas 7,7 anos de escolaridade.

Comparativamente à média dos países da OCDE, a fracção da população portuguesa entre os 25 e o 64 anos, com o ensino secundário completo é 2,6 vezes inferior, enquanto a taxa de retenção e abandono precoce nos Ensinos Básico e Secundário foi de 43,9%, a mais elevada de toda a UE. São estas e não outras, as principais causas do atraso estrutural do País.

O agravamento dos custos para as famílias com o ensino (em média, uma família portuguesa com um filho em idade escolar gasta 600 euros/ano em despesas com a educação e ensino), com o argumento que o retorno desse investimento é dirigido ao aluno e não ao País, tem como objectivo elitizar economicamente o acesso a níveis superiores de formação e favorecer a privatização do ensino. Esta tese e a prática de baixos salários incentivam o abandono precoce da escola e os baixos níveis de escolaridade e de qualificação. Ao contrário, as conclusões de estudos realizados na própria óptica capitalista, indicam que uma economia é tanto mais competitiva e produtiva quanto mais elevados forem os níveis de escolaridade, de qualificação e dos salários dos trabalhadores.

Sucessivos estudos evidenciam o papel do ensino e também da formação profissional na produtividade e no rendimento de cada trabalhador.

O «Inquérito aos Orçamentos Familiares 2000» realizado pelo INE revelou uma correlação positiva entre o «grau de instrução do representante do agregado familiar» e «receitas médias líquidas anuais» do agregado familiar.

De acordo com o INE, em 2006, o salário médio mensal de um trabalhador com o ensino básico era apenas de 565 euros, com o ensino secundário e pós-secundário 758 euros, e com o ensino superior de 1355 euros.

Os truques estatísticos e os programas de formação que apenas visam passar diplomas sem uma real aquisição de conhecimentos e melhoria de qualificação dos portugueses, são uma cortina que oculta os problemas estruturais da educação em Portugal e não contribuem para a recuperação dos atrasos que temos nesta área.

 

4.1.2. Com a Revolução de Abril, a escola pública e gratuita, que representa um grau de compromisso social pela formação, assumiu-se como o esteio fundamental da educação e ensino no País. Num ataque deliberado e cirúrgico ao princípio da escola pública, os últimos anos mantiveram na continuidade da política de direita como linhas condutoras a crescente desresponsabilização do Estado, o financiamento público das instituições de ensino privado e a subalternização de critérios pedagógicos em prol de preceitos economicistas e elitistas.

Sendo que o prolongamento da crise que se tem vivido nesta área se deve em grande medida à reforma educativa da responsabilidade do governo PSD/Cavaco Silva e às políticas prosseguidas e aprofundadas pelos governos de António Guterres e de Durão Barroso, que culminou no actual governo PS/Sócrates, a situação hoje é caracterizada pela maior ofensiva no Portugal de Abril contra a escola pública e os direitos de professores, estudantes e trabalhadores não docentes.

 

4.1.3. No espaço comunitário europeu a aprovação da Estratégia de Lisboa, cujo objectivo central afirma ser a transformação da economia europeia na mais competitiva do mundo, estimulou processos de destruição das funções sociais do Estado, fazendo-as transitar para a esfera das relações económicas. A consequência imediata destes processos significa, no campo da educação, organizar todo o espaço social da aprendizagem e formação do indivíduo em relação às necessidades específicas do desenvolvimento das forças produtivas no capitalismo.

O argumento de que o Estado não tem recursos inesgotáveis e que o resultado da relação custo/eficiência é muito limitado tem justificado a apropriação deste serviço público por parte do privado.

Esta é uma realidade indissociável das políticas neoliberais que pretendem a desresponsabilização do Estado pela garantia de direitos fundamentais e universais e que se traduzem na crescente mercantilização da educação. Utilizando o financiamento do Estado e os fundos públicos, o capital tem progressivamente alargado a sua presença no sector do ensino. Desde 96/97, enquanto o ensino público registou uma variação negativa de 15,4% o privado viu o seu peso crescer em 4,2%.

Na sequência da implementação do processo de Bolonha, o ensino superior, que já vinha degradando significativamente os seus níveis de exigência e qualidade, deixa de seguir padrões de serviço público nacional e adopta padrões de bem comercial sujeito às regras do mercado único.

É neste contexto que o processo de integração do nosso sistema de ensino superior no processo de Bolonha, e a recente imposição por parte do governo e do Grupo Parlamentar do PS de um novo Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior, e do quadro legal da sua avaliação e acreditação devem ser encarados, também como uma machadada em trinta anos de autonomia universitária, sendo este o mais significativo ataque ao carácter público, à gestão democrática e ao governo autónomo das universidades.

Além disso, o novo regime jurídico das instituições de ensino superior, ao estimular a passagem das universidades a fundações públicas de direito privado, representa um significativo passo em direcção à privatização do ensino superior público.

Os recentes acordos sobre a divisão internacional do trabalho identificam claramente o interesse do capitalismo, em limitar a formação da força de trabalho criando espaços económicos periféricos onde predomina o baixo valor acrescentado. É este o objectivo que leva a União Europeia a facilitar a aplicação das normas liberais no domínio da educação, permitindo aos vários governos a opção de transformar os seus sistemas de ensino em sistemas estratificados com uma base desqualificada, frequentada pela maioria e um pequeno grupo de escolas frequentadas pela elite económica e social, e de diminuírem o investimento na área da investigação, inovação e modernização tecnológicas.

 

4.1.4. O desinvestimento público na educação é acompanhado pelo aumento dos apoios às instituições de ensino privado e pelo peso crescente dos custos com a educação suportado pelas famílias.

Entre 2005 e 2007, de acordo com os relatórios dos Orçamentos do Estado, as despesas com a educação, incluindo todas as despesas com a educação e ensino superior, em percentagem das despesas totais do Estado passou de 17,5 % em 2004 para 15,7% em 2007 enquanto, em contrapartida, tem crescido o financiamento de entidades privadas de ensino (mais 6% em 2008) por parte do Estado à medida que vai crescendo o número de estabelecimentos de ensino privado e o número de alunos nele matriculados.

Uma das principais causas das elevadas taxas de abandono e do insucesso escolares reside no baixo rendimento das famílias, agravado com o aumento acelerado dos custos com a educação (um acréscimo de 38% nos últimos 5 anos).

 

4.2. A saúde

4.2.1. A criação de um serviço público de saúde em Portugal, resultado da iniciativa revolucionária do povo e de muitos profissionais de saúde no contexto da Revolução de Abril, teve consagração constitucional com a designação de Serviço Nacional de Saúde (SNS), instrumento para a concretização da responsabilidade prioritária do Estado em garantir o direito à saúde a todos os portugueses em condições de igualdade.

Apesar de todas as dificuldades e obstáculos, o SNS obteve resultados muito significativos e contribuiu para os importantes ganhos em saúde registados em Portugal, o que o coloca no 12.º lugar a nível mundial segundo a última avaliação feita pela Organização Mundial de Saúde.

 

4.2.2. A ofensiva contra o SNS, que se intensificou com o actual governo, tem como objectivos impedir a articulação e exploração integral das potencialidades do SNS, parasitando-o e utilizando-o como instrumento da transferência de recursos públicos para a acumulação privada. Não será estranho que o mercado global da saúde em Portugal seja já superior a 14 mil milhões de euros, quase 10% do PIB.

As políticas de redução e desresponsabilização do Estado, assente na lógica do «Estado mínimo» e na adopção do princípio do utilizador-pagador, servem sobretudo o objectivo de garantir a progressiva separação dos papéis de financiador, regulador e prestador, assumindo o Estado os dois primeiros e delegando a prestação noutras entidades, não publicas, mediante mecanismos de contratualização ou pela via da privatização de serviços.

 

4.2.3. A visão economicista da saúde tem consequências bem visíveis: encerramento de serviços (SAP, CATUS, SADU, extensões de Centros de Saúde, urgências hospitalares, maternidades, serviços psiquiátricos) concretizado sob a capa de «reestruturação de serviços»; maiores dificuldades no acesso aos cuidados de saúde; mais de 700 mil portugueses continuam sem médico de família e cerca de 220 mil esperam uma cirurgia; progressiva degradação da qualidade dos serviços prestados; mais precariedade no emprego para os profissionais da saúde; aumento dos custos para os utentes.

Os portugueses são confrontados com o crescimento exponencial dos custos privados em saúde (mais de 15% entre 2001 e 2005). Em resultado do elevado preço dos medicamentos, da introdução das taxas «moderadoras» e do agravamento do seu custo, bastante acima da inflação e o facto de recorrerem cada vez mais a serviços privados. A decisão recente de aplicar as taxas moderadoras a todos os serviços, incluindo internamentos e cirurgias, levará a um novo agravamento dos custos para os portugueses. Limitações que põem em causa o direito constitucional do acesso aos cuidados de saúde.

 

4.2.4. Portugal é um dos países da OCDE onde a comparticipação do Estado na despesa por habitante é mais baixa (a contribuição de cada português no total das despesas com a saúde é de cerca de 30%).

Em 2005, segundo dados da OCDE, Portugal ocupava em termos de despesa com a saúde o 23.º lugar entre 30 países, com uma despesa «per capita» de 2033 dólares PPC, menos de metade da Noruega ou da Suiça e muito afastado da Grécia com 2.981 dólares.

Portugal foi um dos países onde a despesa com a saúde aumentou menos por habitante mas onde os ganhos em saúde foram maiores: entre 1970 e 2005 a mortalidade infantil diminui em Portugal 52 pontos, na Dinamarca 9,8 e nos Estados Unidos 13,2 pontos; a esperança de vida à nascença aumentou em Portugal 10,7 anos, na Dinamarca 4,6 anos e nos Estados Unidos 8,1 anos.

 

4.2.5. O governo procura justificar o aumento da despesa no sector com os custos com os custos da evolução tecnológica, com o envelhecimento da população e com a despesa em recursos humanos.

A verdadeira razão para o crescimento da despesa com a saúde em Portugal é o peso da componente privada (aquisição de serviços de saúde a entidades privadas) na despesa total do SNS. Destaca-se também a despesa com medicamentos, que representa cerca de 26% do total daquela despesa (a maior taxa no quadro da UE a 15). Outra razão para o aumento da despesa é o custo do subfinanciamento crónico (cerca de 10% relativamente às necessidades), o que constitui factor de instabilidade e gerador de acumulação cíclica de dívidas que agravam o desempenho e os resultados obtidos na prestação de cuidados de saúde.

Entre 2003 e 2005 as despesas com pessoal aumentaram 10,8%, mas as despesas com «subcontratos» com privados cresceram 21,3%. Só nos «Meios Complementares de Diagnóstico e Terapêutica», o valor da despesa subcontratada foi de 680,6 milhões de euros, mais 14,1% do que em 2003.

No caso do medicamento - cujo mercado global em Portugal atinge cerca de 4 mil milhões de euros, dos quais 3 mil 200 milhões no ambulatório - a política de transferência de custos para os utentes faz com que estes paguem mais de 46% do total da despesa com medicamentos em Portugal.

A liberalização da venda dos medicamentos não sujeitos a receita médica teve como consequência o aumento dos preços. Dois anos depois da entrada em vigor da medida, estes medicamentos sofreram um aumento médio de 3,5%.

A introdução dos medicamentos genéricos, desde sempre defendida pelo PCP, tem visto o seu impacto reduzido pela cedência a pressões ilegítimas de interesses instalados da indústria e pela opção estratégica de transferência de custos para os utentes.

 

4.2.6. No quadro do agravamento do conflito público-privado no SNS vão emergindo no «mercado da saúde» cinco grandes grupos privados que têm consolidado as suas posições, não apenas com uma aposta significativa nos cuidados hospitalares e de ambulatório, mas também pelo facto de o governo estar a recuar relativamente à construção de unidades públicas de saúde e estar a encerrar serviços que, em muitos casos são substituídos de imediato pela iniciativa privada.

José de Mello Saúde, Grupo Português de Saúde, Espírito Santo Saúde, Hospitais Privados de Portugal e CESPU - Serviços de Saúde, têm em curso grandes investimentos na área da saúde, cuja rentabilidade depende do principal cliente que é o Estado. Segundo dados da Associação Portuguesa de Hospitalização Privada (APHP), cerca de 10% das camas do sector hospitalar e 50% dos cuidados ambulatórios do mercado estão nas mãos de privados, números que irão crescer com as Parcerias Público Privadas e com um significativo crescimento do investimento directo em hospitais e clínicas. Estes cinco grupos têm hoje uma facturação global bem superior a 500 milhões de euros, valor que crescerá muito rapidamente tendo em conta que apenas dois destes grupos - Mello e BES - esperam facturar mais de 800 milhões de euros já em 2010.

 

4.3. A Segurança Social

4.3.1. A implementação do Sistema Público de Segurança Social é uma conquista recente, indissociável da Revolução de Abril e das suas profundas transformações económicas e sociais, que permitiu romper com a situação herdada do fascismo, responsável pela insuficiente cobertura de riscos sociais, pelo baixo valor das prestações sociais e pela exclusão no acesso da maioria da população a qualquer direito de protecção social.

O aumento significativo dos valores das prestações da previdência social, a criação de novas prestações cobrindo novos riscos sociais, as iniciativas de apoio à família, a criação de creches e infantários e de lares para os idosos tiveram um papel decisivo na promoção de novos e importantes direitos de protecção social aos trabalhadores e camadas mais desfavorecidas. Tais medidas inseriram-se no desenvolvimento de um novo modelo de segurança social, cuja natureza e finalidades deveriam concorrer para uma mais justa repartição do rendimento nacional e melhoria das condições de vida da população.

Consagrado na Constituição da República Portuguesa, o Sistema de Segurança Social, assente no seu carácter público, universal e solidário confere ao Estado a responsabilidade na sua organização, coordenação e financiamento, visando assegurar a efectivação do direito de todos à segurança social.

A natureza e objectivos deste modelo de segurança social não está «ultrapassado», nem em risco de colapso financeiro, como pretendem os que sempre exigiram a transferência para o sector privado das componentes da segurança social susceptíveis de ampliar os lucros do capital financeiro (fundos de pensões, banca e seguradoras) e a redução das responsabilidades do grande patronato no financiamento do Sistema Público.

No plano financeiro, o Sistema Público tem registado saldos positivos que atestam as suas capacidades: em 2004 de 276,6 milhões de euros; em 2005, 297,8 milhões de euros e em 2006, de 715,8 milhões de euros, ou seja mais 140% do que em 2005. A que se acrescenta o Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social, que é uma reserva para fazer face a qualquer dificuldade financeira, que atingiu em 2006 cerca de 7 mil milhões de euros.

No plano dos direitos, o Sistema Público de Segurança confirma o seu papel insubstituível na garantia de direitos consubstanciados no pagamento de importantes prestações sociais aos trabalhadores (no desemprego, doença, invalidez, viuvez, maternidade-paternidade e de apoio à família); aos reformados e pensionistas (reforma) e aos cidadãos em situação de pobreza e exclusão social (pensão social, rendimento de inserção e Acção Social). A existência destes direitos tem condicionado um mais vasto alastramento das desigualdades sociais e da pobreza, mas reflectem a imposição de um modelo de segurança social assente no baixo valor das prestações sociais e na mais baixa despesa com protecção social relativamente à média dos países da União Europeia.

 

4.3.2. A evolução do Sistema Público de Segurança Social, marcada pela política de direita, tem vindo a cercear as suas capacidades de consolidação financeira e o seu papel enquanto instrumento ao serviço do aprofundamento das modalidades de protecção social e de coesão social, em resultado das orientações macroeconómicas e da sujeição ao pacto de estabilidade combinadas com o subfinanciamento do sistema público.

O ataque continuado à sua natureza e finalidades é responsável por elevados custos sociais: degradação do valor das diversas prestações sociais e alterações nos critérios de atribuição visando reduzir o universo de beneficiários; transferência da gestão pública da rede de equipamentos sociais e da Acção Social para o sector privado e instituições de solidariedade social (mantendo-se uma forte dependência de financiamentos públicos); forte pendor assistencialista das respostas às situações de pobreza e de exclusão social com destruição dos meios e mecanismos públicos de apoio à inserção social.

Acrescem os elevados custos económicos para a segurança social pública, isto é para os trabalhadores e para o País, que resultam: da continuada perda de vultuosas receitas devidas ao Sistema, pelo avolumar da dívida e evasão à segurança social (cujo valor em 2005 se situava nos 3.400 milhões de euros); da subdeclaração de salários (que representou uma perda de cerca de 2 mil milhões de euros no ano de 2005); da dívida do Estado, pela utilização indevida de verbas do regime dos trabalhadores para financiar as componentes não contributivas (cerca de 7.300 milhões de euros em 1996); a crescente dependência de serviços prestados por empresas privadas, que deveriam ser efectuados no interior do Sistema Público.

Neste processo destacam-se ainda os crescentes benefícios dados ao grande capital em matéria de segurança social, de que são exemplo as retenções indevidas de contribuições por parte das entidades patronais, as falências fraudulentas, os salários em atraso, a imposição das pré-reformas aos trabalhadores e as isenções injustificáveis no pagamento da taxa social única.

A estes problemas, que têm um iniludível custo económico e social, somam-se os que resultam da imposição de um modelo económico e social assente na fragilização do aparelho produtivo e na crescente financeirização da economia, em elevadas taxas de desemprego, em baixos salários e nas discriminações salariais e na generalização da precariedade laboral.

Em 2006, cerca de 83% dos reformados viviam com menos de um salário mínimo nacional por mês; 42% viviam com pensões inferiores a 300 euros (ou seja, 1 milhão e 100 mil reformados); o valor da pensão média das mulheres era 59,8% inferior à dos homens. E, no entanto, entre 1975 e 2004, a riqueza criada por trabalhador cresceu 41 vezes (o PIB por trabalhador subiu de 640 euros para 26 300 euros), não obstante neste período ter baixado 2,3 vezes o número de activos por pensionistas.

Esta ofensiva à natureza e finalidades do Sistema Público foi sempre acompanhada pela forte pressão do poder político, exercida pelo grande capital, no sentido de uma profunda alteração das bases do sistema de segurança social.

 

4.3.3. A ofensiva para impor um modelo neoliberal na segurança social, que conhece, com o actual governo PS, o mais grave desenvolvimento, dá continuidade a uma prolongada acção com vista à subversão da natureza política do Sistema e do seu carácter universal e solidário.

Em 1987 o então primeiro-ministro Cavaco Silva viu rejeitado o seu projecto de subversão do Sistema Público emanado de Abril, para dar corpo a um projecto de privatização da segurança social de acordo com as orientações do Banco Mundial. Em 2002 o governo do PSD/CDS-PP altera as bases do sistema de segurança social dando os primeiros passos no processo de alteração do enquadramento jurídico da segurança social visando a redução do papel do Sistema Público, a privatização das pensões (sistema complementar) e da Acção Social e a universalidade dos direitos.

Retomando as «velhas» campanhas alarmistas sobre a evolução futura da situação financeira da segurança social, este governo impõe um vasto conjunto de medidas que desfere um duro golpe ao direito à reforma dos trabalhadores da administração pública e do sector privado; que perpetua as baixas pensões e reformas pagas pelo Sistema público; que reduz o alcance social de importantes prestações sociais, de que são exemplo o subsídio de desemprego, o abono de família, a pensão de sobrevivência, a licença de 150 dias de maternidade e paternidade.

O governo do PS «dispensa» o papel do Sistema Público de Segurança Social num quadro em que se agudiza a chocante desigualdade na distribuição da riqueza nacional em detrimento dos que vivem do seu salário ou da sua pensão: em que 10% dos mais ricos da população recebem mais rendimento do que 50% da população; em que a parte da riqueza produzida que reverte para os trabalhadores, sob a forma de remuneração, continua a ser muito baixa. Estabelece como prioridade das políticas públicas a redução do valor das reformas a partir de 2008, por via da introdução do factor de sustentabilidade. Em franco desenvolvimento estão um conjunto de alterações aos critérios de atribuição de diversas prestações sociais (subsídio de desemprego, abono de família, pensão de sobrevivência) e igualmente a criação do sistema complementar público de contas individuais ao serviço da dinamização dos fundos privados de pensões e à custa dos direitos dos trabalhadores e dos seus direitos. São dados passos decisivos com vista à privatização da Acção Social transferindo esta responsabilidade para o sector privado e instituições de solidariedade social mas mantendo a dependência dos dinheiros públicos.

Fazendo uso de posturas alarmistas sobre o futuro da Segurança Social, enfatizando os problemas demográficos (aumento de esperança de vida e quebras de fecundidade), o actual governo transforma o sistema público num sistema residual e com pendor caritativo, desvaloriza as causas da deterioração da situação financeira da segurança social e rejeita a adopção de políticas alternativas que na segurança social retomem a consolidação da natureza pública, universal e solidária do Sistema Público. Assumindo maior ambição na concretização das políticas ao serviço do grande capital, o PS/Sócrates assume a responsabilidade pela imposição de um modelo económico e social assente nas orientações neoliberais e que, na segurança social, a não ser interrompido, hipoteca os direitos de segurança social para as actuais e futuras gerações de trabalhadores, aprofundando as injustiças e desigualdades sociais.

 

4.4. A cultura

No plano da cultura, entendida no amplo sentido que integra a cultura científica, tecnológica, artística e filosófica, a educação, o ensino e a comunicação social, a evolução da situação nacional é de significativo atraso, de desinvestimento e de crise das instituições, de elitização, de privatização, de crescente subalternização e secundarização no plano internacional.

Não há indicador, seja no plano da formação, seja nos planos da criação e do desenvolvimento artístico e científico em que o nosso País não apareça na cauda da tabela, não apenas dos países desenvolvidos, mas também abaixo de alguns países ditos de desenvolvimento médio.

Existe um longo antecedente histórico para a situação de atraso em que o nosso País se encontra. Mas não podem ser rasurados deste antecedente os anos em que as políticas de direita no plano governamental têm persistentemente agido em duas direcções complementares: na desresponsabilização, nomeadamente pela ausência de investimento e dotação orçamental significativos para as áreas da cultura artística e científica, e no prosseguimento de novas linhas de elitização do acesso à criação e à fruição cultural, certamente diferentes das políticas anti-culturais e obscurantistas do fascismo, mas igualmente com um profundo cunho antidemocrático.

É certo que o impulso de Abril permitiu concretizar significativas alterações que devem ser justamente valorizadas, com grande relevo para o papel assumido pelo poder local nas áreas da cultura artística, e também para a intervenção, iniciativa e realização dos próprios criadores, investigadores e cientistas, para o aumento do seu número e para os seus elevados níveis de qualificação. Foram criados novos e importantes equipamentos. Enraizaram-se localmente valiosas iniciativas e dinâmicas, embora crescentemente dificultadas, precarizadas ou inviabilizadas, ou entregues à pressão mercantilizadora que a política de direita promove e aplaude.

A situação no plano da cultura é, assim, profundamente contraditória: existindo condições e recursos para um efectivo crescimento, democratização e desenvolvimento, as políticas governamentais seguidas promovem retrocesso, elitização, e uma profunda crise.

Não são apenas os recursos materiais e humanos existentes que permitem uma outra política, é o interesse nacional que a exige. Uma política que projecte e invista neste imenso potencial, que compreenda o valor emancipador da cultura e do conhecimento, que assuma a cultura como um dos principais factores de afirmação independente e de desenvolvimento nacional.


5. O trabalho e os trabalhadores

5.1. O emprego e os salários

5.1.1. As transformações políticas, económicas e sociais decorrentes do 25 de Abril convergiram para uma valorização do trabalho na sociedade portuguesa. Foram consagrados a liberdade sindical e direitos básicos dos trabalhadores e das suas organizações; regulada a contratação colectiva; melhoradas as condições de vida e de trabalho; criado um sistema de protecção social, numa perspectiva universalista e solidária.

No domínio mais específico do mercado de trabalho, são de realçar seis aspectos fundamentais: uma distribuição de rendimentos profunda a favor do trabalho, com destaque para a criação do salário mínimo nacional; a consagração na Constituição do direito ao trabalho; a regulação do mercado de trabalho por via da legislação de trabalho, com destaque para a proibição dos despedimentos sem justa causa, e da contratação colectiva; uma política de educação que se traduziu na elevação do nível de habilitações da população; o aumento da participação das mulheres no emprego; e o apoio aos desempregados, através da segurança social.

 

5.1.2. A luta de massas e a organização da classe e dos trabalhadores têm sido factores decisivos para manter importantes conquistas alcançadas. Apesar disso, significativos retrocessos sociais acompanharam políticas de direita: agravamento da exploração; precarização das relações de trabalho; debilitamento da regulação contratual; secundarização no discurso político do objectivo do pleno emprego; aumento do desemprego; elevado grau de inefectividade das normas; inserção desfavorável dos jovens no emprego em ruptura com direitos adquiridos; discriminação das mulheres trabalhadoras; enfraquecimento da legislação da protecção do emprego.

Hoje, a precariedade e as economias paralela e clandestina abrangem um elevado número de trabalhadores. O trabalho sem direitos tornou-se uma realidade estrutural na sociedade portuguesa. A precariedade laboral (assalariados sem contratos permanentes de trabalho) abrange um em cada cinco trabalhadores, tendo passado de 11,6% em 1985 para 19,5% em 2005, bem acima da média da União Europeia (14,5% em 2005).

O emprego precário, a economia clandestina e o falso trabalho independente representam as principais formas de desregulamentação do trabalho no nosso País. O emprego precário tem uma escassa relação com a natureza temporária, ocasional ou transitória dos empregos. Em boa parte dos casos, correspondem antes a actividades de carácter permanente. Acresce que estes empregos mantêm há vários anos uma percentagem próxima dos 20% e que se verifica uma baixa taxa de frequência de transformação em contratos permanentes (da ordem dos 10% ao ano). Estes diversos aspectos evidenciam a natureza estrutural dos contratos não permanentes. Ocorrem em todos os sectores, incluindo na Administração Pública, mas incidem mais nos serviços e nalgumas actividades específicas (como os centros de chamadas). As principais vítimas são os trabalhadores pouco qualificados (mais sujeitos ao despedimento, ao desemprego de longa duração e uma maior rotação entre empregos), e os jovens (que têm, simultaneamente, taxas de desemprego mais elevadas e maior precariedade, que envolve também sectores com elevada qualificação).

Os trabalhadores imigrantes, em largo número no nosso País, são vítimas de uma exploração agravada, muitos dos quais sem direitos e com condições de vida degradadas, em parte consequência de situações de falta de legalização.

 

5.1.3. O emprego tornou-se mais vulnerável e inseguro em resultado da interacção de factores económicos: globalização capitalista; opção liberalizante das políticas económicas e consequente debilitamento do tecido produtivo; sucessivos choques externos - aprofundamento da integração europeia, alargamento da UE, fim do Acordo Multifibras, choques petrolíferos; estratégias de gestão orientadas para a competitividade baseada nos preços; estrutura empresarial com maior peso das micro, pequenas e médias empresas; baixo crescimento e divergência com a média comunitária na presente década.

Contudo, há que destacar o impacto concreto do euro e da UEM sobre o emprego, não apenas pela perda de competitividade decorrente de uma elevada taxa de câmbio do escudo com o euro e da valorização deste, mas sobretudo pelo impacto da perda de instrumentos fundamentais como a política monetária e os constrangimentos orçamentais decorrentes do Pacto de Estabilidade.

O impacto dos choques externos sobre o emprego foi muito profundo. As empresas recorreram a reestruturações em larga escala, no que foram apoiadas por fundos comunitários, incluindo os que respeitaram à formação profissional. Mas tais reestruturações não conduziram, em regra, ao reforço das actividades produtivas. As empresas procuraram antes comprimir os quadros de pessoal, reduzir o núcleo de emprego permanente e recorrer o máximo possível à subcontratação no quadro de estratégias de curto prazo que se revelaram desastrosas. Elevados apoios à formação profissional foram desperdiçados, ou tiveram um escasso impacto no reforço da qualificação. As empresas deram prioridade a saída dos trabalhadores mais velhos, mas muitas vezes na casa dos 50 anos, com consequências no desperdício de qualificações, através de diversos esquemas de reformas antecipadas com elevados custos para a segurança social.

Os níveis de desemprego são os mais elevados desde Abril de 1974 afectando 451 mil trabalhadores, com uma taxa de 8% em sentido restrito (595 mil e uma taxa de 10,5% em sentido lato), situação relativa à média dos primeiros nove meses de 2007, verificando-se uma acentuada destruição de empregos qualificados e de vínculos efectivos, e uma elevada incidência do desemprego de longa duração, dos jovens e das mulheres. A protecção no desemprego foi reduzida e os desempregados afectados na sua dignidade com o sistema de apresentação periódica para ter acesso ao subsídio de desemprego.

As deslocalizações, que começam a aumentar na presente década, representam sobretudo o debilitamento do tecido produtivo e evidenciam o facto de o País não ter tido uma estratégia de desenvolvimento. Evidenciam também o facto de, no actual quadro do capitalismo, ser ilusório pensar que se reforça a competitividade por via da manutenção de baixos salários. Os baixos salários, não impedem, afinal, as deslocalizações.

A destruição de empregos não se exprime apenas no desemprego e no seu núcleo mais gravoso que é o desemprego de longa duração. Exprime-se também na inserção cada vez mais tardia dos jovens no mercado de trabalho; nas reformas antecipadas; na precariedade de emprego; nas economias paralela e clandestina (ainda que estas sejam também determinadas por outros factores); nos trabalhos de mera sobrevivência, no falso trabalho independente e em novos surtos emigratórios. A crise de emprego é pois bem mais profunda da que se infere das estatísticas de desemprego.

 

5.1.4. A evolução dos salários teve entre os principais determinantes as transformações ocorridas com a Revolução de Abril, as políticas económicas e a luta dos trabalhadores. Com o 25 de Abril foram melhorados os salários, criado o salário mínimo nacional (segundo cálculos então efectuados, foram abrangidos cerca de metade dos trabalhadores e teve uma expressão ainda mais elevada no que se refere às mulheres trabalhadoras - 78%) e melhoradas e ampliadas as prestações da segurança social. A repartição do rendimento entre capital e trabalho alterou-se profundamente a favor dos trabalhadores. A contratação colectiva, fixando não só os salários mas as condições de trabalho em geral, desenvolveu-se numa perspectiva sectorial e vertical, abrangendo na convenção todos ou a grande maioria dos trabalhadores.

Este quadro modificou-se profundamente ao longo do tempo não só pelas mudanças políticas mas também pela persistência de uma especialização produtiva baseada em produções de baixo valor acrescentado e pela natureza das políticas económicas. A parte dos salários no rendimento nacional, que atingiu 59% em 1975, era de 40% em 2004. A determinação dos salários pela contratação colectiva foi enfraquecida ao longo do tempo devido a posições de boicote de uma parte importante do patronato, ancorada na CIP, e por restrições ao direito de contratação colectiva, que vieram a culminar no actual Código de Trabalho, o qual prevê um processo de caducidade das convenções colectivas.

As desigualdades salariais são muito elevadas. Portugal, com um factor 8,2 (2005), tem o maior leque salarial da UE a 25. Em 2004 12,2% dos assalariados trabalhando a tempo completo recebia menos de 2/3 do ganho mediano, segundo estatísticas oficiais (Quadros de Pessoal), o que constitui uma indicação da incidência da pobreza laboral. Segundo o recente estudo sobre a «Pobreza em Portugal», 40% dos pobres são trabalhadores por conta própria ou por conta de outrém. Um em cada quatro assalariados a tempo inteiro vive com um salário de base próximo do salário mínimo nacional (até 15% acima deste salário). São mais atingidos alguns sectores de serviços (como os serviços sociais), o alojamento e restauração e algumas actividades industriais (como as indústrias têxteis, de vestuário e de calçado, por exemplo). O salário mínimo afastou-se progressivamente do salário médio (de 68% em 1981 para menos de 50% em 2004). No outro extremo da escala, uma minoria de quadros superiores ligados ao grande capital aufere ganhos, regalias e pagamentos em espécie, extremamente elevados, por vezes superiores ou correspondentes aos da UE, parte dos quais não são declarados.

Um outro plano das desigualdades salariais atinge os jovens e as mulheres.

A evolução do poder de compra dos salários mostra uma situação de quase estagnação desde 2000. Nalguns sectores, houve mesmo diminuição, sendo de destacar a Administração Pública onde se verificou, em todos estes anos, quebras na variação real dos salários, sobretudo em 2003 e em 2006. O governo do PS seguiu a política de moderação salarial dos anteriores governos no sector privado ao mesmo tempo que reduzia os salários reais na Administração Pública. Apesar disso, mantém-se uma campanha contra os salários e a sua suposta rigidez em que são de destacar o Banco de Portugal, influentes órgãos de comunicação social e o patronato em conivência com o governo. O acordo de concertação social de 2006 com vista a valorizar o salário mínimo, fixando o seu valor em 500 euros em 2011, ainda que, por si só, não seja suficiente face ao actual panorama da fixação e evolução salariais, constitui um passo positivo, o qual resulta da intervenção e da capacidade reivindicativa da CGTP-IN, alicerçada em grandes acções de massas.

 

5.2. Os direitos dos trabalhadores

5.2.1. A Constituição e a legislação de trabalho contêm um importante conjunto de direitos dos trabalhadores, ainda que estes, sobretudo os colectivos, tenham sido enfraquecidos pelo Código de Trabalho. Estes direitos foram, de um modo geral, completados e melhorados pelas convenções colectivas de trabalho a nível de sector e de empresa, as quais cobrem, directa ou indirectamente, a larga maioria dos trabalhadores.

Apesar deste carácter diferenciado, e dos recuos existentes, determinados pela ofensiva da flexibilização e precarização do emprego e da relação laboral, é de valorizar o muito que foi alcançado, por via da acção colectiva dos trabalhadores e dos povos na luta pelo progresso social.

O 25 de Abril teve um papel fundamental no avanço dos direitos dos trabalhadores, que foram consagrados na Constituição de 1976. O forte desenvolvimento da contratação colectiva neste período, através de contratos colectivos de carácter sectorial e vertical, completou e melhorou estes direitos. O sector empresarial do Estado teve igualmente um papel relevante, através de acordos de empresa. Em suma, foram consagradas normas que são avançadas em termos de comparação com outros países.

 

5.2.2. Os retrocessos nas transformações sociais tiveram nos direitos dos trabalhadores um alvo essencial, sobretudo ao nível da sua efectivação. A legislação de 1976, da responsabilidade do governo PS/Mário Soares, sobre os contratos a prazo constituiu, pela mensagem implícita da precarização da relação laboral, o principal instrumento para contornar a aplicação da legislação de trabalho. Os direitos colectivos foram igualmente enfraquecidos. Em 1977, foi alterada a legislação sobre a cobrança das quotizações sindicais, tornando-a facultativa, com o confesso objectivo de debilitar financeiramente a CGTP-IN. Atacou-se a contratação colectiva pela imposição de limites salariais; condicionando o depósito das convenções; limitando o conteúdo das convenções; publicando portarias de extensão ilegais, condenadas pela OIT; restringindo a negociação nas empresas públicas; bloqueando a revisão das convenções.

A par da alteração da correlação de forças entre o capital e o trabalho, o não desenvolvimento económico num quadro de intensificação da concorrência, europeia e internacional, acentuou a pressão para reduzir direitos ou para os não efectivar. O patronato adoptou como reivindicação essencial a liberalização da legislação dos despedimentos (que originou a greve geral de 1988) e a culpabilização da legislação de trabalho pela falta de competitividade da economia portuguesa. A flexibilidade do trabalho passou a ser a palavra de ordem, com impactos nos vários domínios da relação de trabalho: diversificação das formas de contratação; desregulação dos horários de trabalho; flexibilidade funcional; debilitamento da contratação colectiva; etc. Diversa legislação, publicada na década de 90, teve a flexibilidade como matriz orientadora, deixando a protecção do trabalhador para plano secundário.

A lógica de integração europeia, pelo seu conteúdo de classe, estabelecendo como objectivo a maximização dos lucros do grande capital à custa do aumento da exploração dos trabalhadores, reforçou este processo. A adopção do euro teve implicações sociais muito profundas. A impossibilidade de recurso à desvalorização da moeda, face a perdas de competitividade, aumenta o risco de concorrência dos sistemas sociais. Por outro lado, as exigências decorrentes do Pacto de Estabilidade e de Crescimento vai acentuar a pressão para a redução da despesa pública, com consequências nos direitos sociais, e nos direitos dos trabalhadores. Os direitos dos trabalhadores da Administração Pública passaram a ser vistos como simples privilégios, situação que tem a expressão máxima com o actual governo.

O ataque aos direitos dos trabalhadores integra crescentemente a limitação dos direitos de organização e acção sindicais, do direito à greve, de manifestação e informação, e uma grave restrição do acesso à justiça. Procurando a intimidação e o condicionamento da luta dos trabalhadores, a acção dos grupos económicos e financeiros e dos governos ao seu serviço, não os conseguiu, verificando-se importantes movimentações de massas, de que são expressão actual o êxito da greve geral de 30 de Maio de 2007 e as grandiosas manifestações nacionais promovidas pela CGTP-IN.

 

5.2.3. A campanha ideológica de responsabilização da legislação do trabalho pelos maus resultados da economia portuguesa acentuou-se na presente década, num contexto de subordinação do poder político ao económico, de intensificação da globalização capitalista e do alargamento da UE. Foi esta a linha orientadora da revisão da legislação de trabalho. Ainda que a greve geral de 2002 tenha limitado alguns dos seus aspectos negativos, o Código de Trabalho teve como consequência principal o enfraquecimento da contratação colectiva, ao prever a caducidade das convenções colectivas.

O patronato passou a dispor, como as associações empresariais do grande capital há muito exigiam, da arma de poder determinar a cessação de uma convenção colectiva limitando-se simplesmente a não acordar, exceptuando aqueles que só perdem eficácia em resultado da sua substituição por subscrição de nova convenção. O actual governo, que pela voz do Ministro do Trabalho afirmou que o vazio contratual era inaceitável, veio em 2006 a publicar uma revisão parcial do Código de Trabalho em que manteve a possibilidade de caducidade das convenções, desvirtuou o princípio do tratamento mais favorável e limitou os direitos dos trabalhadores em caso de caducidade da convenção. E determinou já a caducidade de convenções colectivas.

As dificuldades económicas servem de argumento para a tese de que se devem reduzir os direitos dos trabalhadores para melhorar a competitividade. Mas a realidade que nenhuma campanha esconde é que a redução de direitos serve, em primeiro lugar, o aumento da exploração dos trabalhadores e o crescimento do lucro. É elevado o grau de inefectividade dos direitos, sobretudo ligada à elevada precariedade de emprego, ao peso da economia clandestina, à enorme expressão de empresas de muito reduzida dimensão e às debilidades do sistema de fiscalização da aplicação de normas de trabalho. É este o contexto de iniciativas em curso, no plano comunitário e nacional, com implicações directas no direito do trabalho, com o Livro Verde da UE e a comunicação da Comissão Europeia sobre a flexigurança; e a revisão, anunciada para este ano, do Código de Trabalho, expresso no relatório da Comissão do «Livro Branco», versão portuguesa da flexigurança.

 

5.3. A União Europeia, o emprego e os direitos dos trabalhadores

A integração europeia está subordinada aos interesses do grande capital europeu. As políticas ao seu serviço foram orientadas a partir de meados da década de 80 com o mercado único e o lançamento da União Económica e Monetária (UEM). As críticas ao modo de integração europeia que a lógica liberalizante gerou favoreceram a adopção em 1989 da Carta dos Direitos Sociais Fundamentais dos Trabalhadores, uma declaração solene, que teve a oposição do Reino Unido e escassos resultados práticos.

Com a UEM e com o alargamento, num contexto de intensificação da globalização capitalista, a integração europeia acentuou a ofensiva neoliberal: a realização do mercado único prevalece sobre as políticas sociais; a política monetária, decidida por uma instituição formalmente independente, prevalece sobre as restantes políticas económicas; não existem adequados mecanismos compensatórios para as perdas de competitividade.

A chamada estratégia europeia de emprego, as directrizes apresentadas como de prevenção ao desemprego e de atenuação das suas consequências, traduziram-se, de facto, em medidas de desregulação do mercado de trabalho e de redução do custo do trabalho. O alargamento ocorrido em 2004 veio reforçar estas tendências.

A directiva Bolkestein, que visa completar o mercado único na área dos serviços, embora com alterações substanciais em relação ao texto inicial, resultantes do protesto dos trabalhadores e das populações, mantém o seu objectivo principal: a liberalização dos serviços no âmbito da União Europeia.

A orientação do emprego e das normas de trabalho comunitárias são cada vez mais dominadas pela perspectiva da flexibilidade. Com a flexigurança pretende dar-se um novo passo para desregular as relações de trabalho (em conjugação com o projecto de directiva europeia sobre o tempo de trabalho), facilitar os despedimentos individuais sem justa causa, generalizar a precariedade, liberalizar o horário de trabalho, fragilizar a contratação colectiva e debilitar os sindicatos, através do enfraquecimento do direito do trabalho nos Estados-Membros.

 

5. 4. A ofensiva contra os direitos dos trabalhadores e a campanha ideológica

Os principais argumentos hoje desenvolvidos contra os direitos dos trabalhadores apoiam-se essencialmente nas ideias de que estes direitos não são compatíveis com a globalização, ou não têm em conta a situação competitiva desfavorável da economia portuguesa, ou estão desfasados das necessidades dos trabalhadores em economias mais avançadas.

O argumento da «globalização», aliado ao das novas tecnologias e ao de que o modelo social prevalecente na UE seria excessivamente avançado face à ascensão em força de economias emergentes, com baixos salários e de normas de trabalho pouco exigentes, é o mais corrente. Daqui resulta a pressão para a redução dos direitos sob a ameaça das deslocalizações, escamoteando o facto da pressão do capital sobre os salários e os direitos se exercer também nos países menos desenvolvidos.

O segundo argumento é o de que os direitos laborais devem ter em conta a situação competitiva desfavorável da economia portuguesa. O fraco crescimento económico em Portugal tem alimentado a ideia de que a saída da crise passaria por uma maior liberalização do mercado de trabalho. Mas a verdade é que não seria com piores condições salariais e de trabalho que se poderiam gerar os ganhos de produtividade que todos entendem necessários para assegurar um desenvolvimento sustentável.

O terceiro argumento é o de que os direitos dos trabalhadores, ao não estarem adequadas a economias e a sociedades ditas de conhecimento, acabariam por prejudicar os trabalhadores. Estas economias exigiriam uma maior mobilidade ao longo da vida profissional do trabalhador, pelo que se deveria apostar, não na segurança no emprego, mas na criação de condições para a mobilidade, através da aprendizagem ao longo da vida, de políticas activas de emprego e da protecção social no desemprego. Os novos direitos não são incompatíveis com: o direito ao trabalho e ao pleno emprego, quando é certo que o desemprego é inerente ao modo de organização capitalista; os direitos colectivos dos trabalhadores, como o direito de greve e o de contratação colectiva, que são instrumentos fundamentais não só para defender os direitos, mas também para adaptações a mudanças na economia e no trabalho; a protecção contra o despedimento sem justa causa como um meio de limitação do arbítrio patronal. Esta falsa oposição entre «novos» e «velhos» direitos esconde apenas o projecto de destruir tudo o que dificulta a exploração patronal, mantendo apenas (ou até inovando) alguns instrumentos que disfarcem as suas consequências mais extremas.

 

5. 5. Os direitos dos trabalhadores num Portugal desenvolvido

Os direitos dos trabalhadores não são incompatíveis nem um obstáculo ao crescimento e o desenvolvimento económico.

Os teóricos do capitalismo apelidam as sociedades dos países capitalistas desenvolvidos de «sociedades do conhecimento» pondo, deste modo, a ênfase no conhecimento como factor produtivo, insistindo em temas como a qualidade do emprego, a qualificação, a aprendizagem ao longo da vida, a inovação, a participação e a motivação dos trabalhadores como elementos determinantes da eficiência económica. No entanto, a lógica da exploração capitalista dita a prática da elevação dos lucros das empresas por via da degradação dos salários, do desemprego, da precariedade de emprego e da limitação dos direitos dos trabalhadores, do retrocesso social e laboral.

Também em Portugal, admitindo-se que a baixa produtividade compromete um desenvolvimento sustentado do País e aceitando-se que o elemento determinante é a valorização do trabalho (ainda que com a tónica na qualificação), a estratégia dominante continua a ser a de pretender melhorar a competitividade por via do embaratecimento dos custos com o trabalho, com a precarização e individualização das relações de trabalho e com a diminuição dos direitos individuais e colectivos dos trabalhadores, incluindo a negociação colectiva. Esta é a questão central em torno da revisão do Código de Trabalho. Uma estratégia alternativa exige a valorização do trabalho como factor determinante.

 

6. Os grupos económicos monopolistas e o capital transnacional

6.1. O conjunto dos grupos económicos depois de Abril

Trinta anos depois das transformações revolucionárias de Abril um importante conjunto de grupos económicos, resultantes da política de recuperação capitalista e monopolista, reassume um papel dominante e determinante no quadro das relações de produção capitalista da sociedade portuguesa. A omnipresença, influência e acção desses grupos são hoje um facto incontornável, quer na dinâmica das conjunturas económicas e no desenvolvimento das relações sociais quer na condução e opções do poder político e na expansão e reprodução das ideologias dominantes.

Estruturados e representados por grupos familiares velhos conhecidos (que suportaram e apoiaram a ditadura fascista) ou que despontaram após o 25 de Abril (Mello, Espírito Santo, Belmiro de Azevedo, Amorim, Jerónimo Martins) ou pela associação do nome de um banco ou unidade empresarial ao nome do presidente do Conselho de Administração da estrutura societária (holding) que define a estratégia e assegura o domínio do grupo (BCP/Jardim Gonçalves, CIMPOR/Teixeira Duarte, SEMAPA/Queiroz Pereira, etc.), tecem entre si e com o capital estrangeiro uma densa rede de ligações económicas e financeiras, sociais e políticas, constituindo uma poderosa oligarquia económica que, com outros sectores da grande burguesia portuguesa e estrangeira, procura assegurar a continuidade e reprodução do seu poder económico, político e ideológico na sociedade portuguesa.

Os principais grupos económicos repartem-se hoje em torno da produção de bens não transaccionáveis - sector bancário e segurador, grande distribuição, saúde, energia, telecomunicações, auto-estradas, media, turismo, transportes, imobiliário, e em particular imobiliário comercial - e por alguns ramos da actividade industrial - cimentos, celulose e pasta de papel, segmentos da alimentação e bebidas - acumulando lucros fabulosos de ano para ano, enquanto os sectores produtores de bens transaccionáveis sujeitos à concorrência externa estagnam e definham. E estão particularmente activos nas operações que a política de direita enseja de privatização do que resta do Sector Empresarial do Estado, do sector da água e dos portos e no alargamento da sua actividade aos «negócios» da saúde, do ensino, da segurança social e dos serviços de registo e notariado, no quadro da liberalização e privatização desses sectores.

Estes grupos assumem, em muitos sectores e subsectores de actividade, uma clara natureza monopolista que, dentro da lógica capitalista, procuram reforçar, quer pela destruição e absorção de concorrentes nacionais, quer por associações em que cruzam participações e/ou repartição de mercados e concertação de preços quer pela aliança privilegiada com poderosas transnacionais. A presença do capital estrangeiro nos principais grupos económicos dos sectores da Banca, da Energia e Telecomunicações, do Comércio e Serviços e da Indústria em muitos casos é já superior a 50% da estrutura accionista destes grupos e faz com que a saída de capitais sob a forma de lucros e os juros atinja já em 2006 cerca de 10% do PIB e se preveja uma subida em flecha nos próximos anos.

 

6.2. Dimensão e poder económico dos grupos capitalistas e monopolistas

A extraordinária dimensão e poder económico actual destes grupos capitalistas e monopolistas concretiza-se e desenvolve-se em permanente articulação, cumplicidade e promiscuidade com o poder político e os partidos que o exercem desde 1976. A estrutura accionista dos principais grupos económicos retrata a presença dominante das velhas e novas famílias capitalistas na composição dos Conselhos de Administração, de Fiscalização e de Supervisão, nas Comissões Executivas, de Vencimentos e nas Assembleias-Gerais. Representantes dessas famílias cruzam-se aí com representantes do PS, PSD e CDS, o que espelha bem a promiscuidade hoje existente entre o poder político e o poder económico e o carácter cada vez mais dominante do poder económico. Essa promiscuidade é visível através de gestores desses grupos que ocupam cargos ministeriais e, inversamente, de ministros que, substituídos no governo, transitam directamente para os Conselhos de Administração dos grandes grupos económicos, ou passam a ser consultores económicos e jurídicos desses grupos, sendo principescamente pagos. O poder económico remunera-se através dos lucros e salários fabulosos dos seus representantes, o poder político através dos salários elevadíssimos da sua clientela e dos negócios que a sua presença na administração desses grupos conjugada com o poder político que detêm lhes vão proporcionando.

É a influência crescente deste tipo de poder económico (nacional e transnacional) que explica a ampla produção legislativa e regulamentadora da Assembleia da República e dos governos destinada a consagrar opções e medidas favoráveis a esses interesses de classe, designadamente através do desequilíbrio, a favor do grande patronato, das relações laborais e níveis salariais, da condução das políticas orçamental e fiscal, do favorecimento dos mecanismos de transferência de rendimento e mercados dos micro, pequenos e médios empresários para esses grupos, e da apropriação de património e mercados públicos, com as privatizações e liberalizações feitas à medida das capacidades de encaixe desses grupos.

Este ilegítimo poder ostentado e exercido pelos grandes grupos económicos e financeiros assumindo, além da dimensão económica, efectivas dimensões política, social e ideológica, constitui uma total subversão do princípio constitucional de subordinação do poder económico ao poder político, põe em causa a concretização dos objectivos económicos, sociais, culturais e ambientais consagrados na Constituição da República, e fere valores e princípios essenciais do regime democrático.

A política de direita sempre procurou apresentar a reconstituição dos Grupos Económicos Privados como um instrumento central para «a modernização, aumento da eficiência e competitividade» da economia portuguesa.

Foi essa a justificação substantiva para a política de privatizações e o seu papel nuclear na reconstituição dos grupos. Mas o que a reconstituição e recomposição dos grandes grupos económicos serviu foi, fundamentalmente, a devolução aos grandes capitalistas nacionais do poder económico e político perdidos com o 25 de Abril, a par da recuperação e reforço de posições pelo capital estrangeiro.

 

6.3. Os grupos monopolistas e os media

A concentração que tem vindo a verificar-se no sector dos media levou a que, nos últimos anos, se constituíssem alguns grandes grupos económicos - Cofina, Impresa, Controlinvest, Prisa, Sonae Com, PTM (Lusomundo), Impala - que absorveram mais de uma centena dos principais órgãos de comunicação social, com influência decisiva na formação e condicionamento da opinião, dos gostos, dos hábitos e dos comportamentos dos portugueses. Na estrutura accionista destes grupos económicos é cada vez mais visível a presença não só de grandes grupos de económicos de comunicação social estrangeiros (Prisa, espanhol), como de grupos financeiros nacionais (BPI, BCP, CGD). Aliás, à semelhança do que acontece no sector editorial livreiro, onde se verifica uma progressiva concentração nas mãos de grandes grupos internacionais (Planeta, espanhol e Bertelsman, alemão).

 

6.4. Grupos económicos monopolistas nacionais e o capital transnacional

Um dos traços actuais mais fortes dos principais grupos económicos monopolistas nacionais é sem dúvida a sua estreita relação com o capital transnacional. A análise da estrutura accionista desses grupos económicos permite verificar, por exemplo, que: na EDP, 48% da sua estrutura accionista está nas mãos de estrangeiros, sendo a Iberdrola, com 9,5%, segundo accionista mais importante, logo atrás do Estado Português; na Portugal Telecom, 64% da estrutura accionista está nas mãos de estrangeiros, sendo a Telefónica, com 9,96%, o maior accionista; na Galp Energia, perto de 50% da sua estrutura accionista estará em mãos estrangeiras (a italiana ENI dispõe de 1/3 do capital social e a Iberdrola espanhola, 4%); na CIMPOR, pelo menos 30% do seu capital é estrangeiro; na SEMAPA pelo menos 20% do capital é estrangeiro; no BCP cerca de 36% da sua estrutura accionista é detida por capitais estrangeiros. O mesmo se passa na Brisa, no BES, no BPI, na Somague e em muitos outros grandes grupos económicos onde o peso do capital não nacional é crescente, quando não já dominante.

Tudo isto se repercute no volume de rendimentos de capitais que anualmente sai do nosso País, o qual não cessa de crescer e atinge já cerca de 10% do nosso PIB, bem como na crescente dependência da nossa economia em relação ao exterior.

 

6.5. A financeirização da economia

A financeirização da economia desenvolveu-se em intensa articulação com a reconstituição dos grupos monopolistas. O peso directo do sector financeiro no PIB (4,9% em 1985, 6,6% em 2004), mas também a crescente dependência das empresas não financeiras e das famílias do sector financeiro, e a dependência do próprio sector financeiro nacional do exterior, constituem razões de grande preocupação.

Cada vez mais o sector financeiro e o mercado bolsista apresentam resultados e um volume de negócios que não têm qualquer correspondência com a esfera da economia real. O sistema financeiro funciona hoje de forma a que uma aplicação inicial de capital se reproduz através de vários derivados financeiros e sem qualquer suporte económico real.

Enquanto em 1973 o rácio diário entre o valor das trocas monetárias e o valor do comércio mundial de bens e serviços era de 2:1, em 1995 esse mesmo rácio passou para 70:1. Os valores actuais desses rácios não são conhecidos, mas terão certamente crescido em flecha dado os desenvolvimentos registados no sistema financeiro. A percentagem dos fluxos monetários gerados pelos pagamentos de bens e serviços são cada vez menores, enquanto os negócios baseados na especulação monetária crescem exponencialmente.

A situação que hoje se vive no mercado imobiliário e no chamado crédito de alto risco são um bom exemplo do risco elevado que correm as economias mundiais a partir do momento em que a crise financeira se alastra aos restantes sectores económicos.

 

7. O Estado hoje

7.1. Instrumento de classe e conquistas dos trabalhadores

O Estado, pela sua natureza de classe, integra e assegura o funcionamento do modo de produção capitalista, e a sua manutenção. Em resultado de processos económicos, políticos e sociais complexos (lutas dos trabalhadores e dos povos, crises do capitalismo, criação da URSS e do sistema socialista mundial) e fundamentalmente das lutas de classes no século XX, o Estado passou também a integrar estruturas e políticas viradas para a prestação de serviços sociais relevantes (saúde, educação, segurança social) e empresas para o fornecimento de bens essenciais (energia, correios, telecomunicações, transportes e outros). Em Portugal esta presença do Estado foi fundamentalmente constituída e configurada com a Revolução do 25 de Abril, com o impulso aos sistemas públicos de educação, de saúde e segurança social e as nacionalizações.

A ofensiva neoliberal para reconfigurar o Estado aos seus objectivos conheceu novos e graves desenvolvimentos no plano mundial, com a destruição da URSS e do sistema socialista e com o processo contra-revolucionário em Portugal.

 

7.2. A tese neoliberal do Estado mínimo

A ofensiva neoliberal em curso visa a «expulsão» ou a redução a expressões residuais das funções e missões do Estado nas áreas sociais e empresariais. O «menos Estado» tem esse significado preciso.

Simultaneamente, reforçam-se as orientações e as políticas que favoreçam a acumulação capitalista e o desenvolvimento monopolista, consolidam-se os sistemas políticos e mediáticos que assegurem o domínio político e ideológico de classe do capital. Preocupados com baixas taxas de rentabilidade, em particular em sectores tradicionais (crises, produção não escoada) e a volatilidade dos mercados financeiros, o capital procura novos espaços económicos sólidos para a realização e apropriação de mais valias.

O capital não só se apropria das empresas do Sector Empresarial do Estado privatizadas e dos mercados públicos liberalizados, como se expande e absorve áreas crescentes de serviços públicos (saúde, educação, segurança social, correios), e mesmo de serviços típicos da Administração Central (notariado, segurança, consultoria, etc.) transformados em importante fonte de lucros.

 

7.3. A instrumentalização do Estado pelo capital

Esta penetração do grande capital / capital monopolista faz-se por via directa - o investimento na criação de novas empresas de serviços, como sucede com novos hospitais privados - e através de fórmulas sofisticadas e diversificadas, como acontece com as «concessões» (rede de auto-estradas), com as «parcerias público-privados» (rede de novos hospitais construídos com dinheiros públicos) com os «protocolos de contratação de serviços» (área da saúde) ou, antecedendo uma previsível privatização (parcial ou total), com a empresarialização de actividades tradicionalmente a cargo da Administração Central, como acontece com os hospitais EPE (Entidade Pública Empresarial), ou a recente transformação da Estradas de Portugal, Instituto Público (2002) em EPE (2004), e agora em Sociedade Anónima, a quem é entregue, «em concessão», a rede viária nacional por 75 anos. Uma «centralização» do capital que exige e encontra no nosso País um Estado dedicado à reconstrução monopolista.

 

7.4. Um Estado dedicado à restauração monopolista

No sentido tradicional do «mais Estado» está o desenvolvimento do papel instrumental do Estado, através da reforçada ligação entre o poder político e o poder económico, ao serviço do favorecimento e financiamento públicos da acumulação, concentração e centralização acelerada do capital privado, com a recomposição dos grandes grupos económicos privados.

Adoptando e adaptando o Estado às teses neoliberais do grande capital - o «menos Estado», a «maior eficiência da gestão privada», o Estado regulador e não produtor - a política de direita, apoiada nas orientações comunitárias, concretiza as privatizações, liberaliza o mercado de trabalho, promove a transferência de fundos comunitários para o grande capital e permite o papel predador do sector financeiro junto das micro, pequenas e médias empresas, do sector produtivo e da generalidade dos cidadãos, proporcionando lucros obscenos e o crescimento exponencial dos patrimónios mobiliário e imobiliário.

 

7.5. As entidades «reguladoras»

Na reorganização e redefinição das funções do Estado destaca-se, na actualidade, como conceito nuclear, o das chamadas «entidades reguladoras».

A «teorização» das «entidades reguladoras» pressupõe que se aceitem quatro mistificações: a da existência, no mais elevado patamar do poder político de decisões «técnicas», neutras do ponto de vista de classe; a de que, igualmente, existem cidadãos, com mais ou menos competência técnica e científica, e seriedade ética e profissional, capazes de conciliar interesses contraditórios, à margem das ideologias económicas dominantes; a de que é preciso, para defender os utentes/consumidores e o equilíbrio entre interesse público e privado, garantir a regulação por uma entidade «independente»; a de que a existência destas entidades corresponde a uma «indispensável» separação entre as funções de prestação dos serviços e as de regulação e fiscalização.

Constituídas por grupos de peritos / «personalidades técnicas», nomeados pelo governo (com ou sem participação da Assembleia da República), pretensamente independentes (parte deles ex-governantes, outros ex-altos funcionários dos grupos capitalistas), dispõem de poderes para arbitrar e harmonizar interesses contraditórios entre consumidores e produtores, entre utentes e prestadores de serviços, e no quadro da «regulação» de mercados de áreas e sectores de bens e serviços de relevante interesse público.

O afastamento do Estado da função de regulação visa, invocando uma equidistância entre os interesses dos sectores público e privado, reduzir a prestação de serviços essenciais e a intervenção em sectores chave da economia ao mero jogo do mercado. A realidade tem demonstrado que as entidades reguladoras actuam, em geral, segundo uma lógica de liberalização dos sectores em que intervêm, escudando-se numa autonomia que deriva da ausência de controlo democrático do seu desempenho, para impor decisões em geral favoráveis ao capital, mas prejudiciais para as populações.

A teoria da separação das funções de prestação das de regulação continua a ser um instrumento para justificar a progressiva retirada dos serviços públicos da prestação de serviços e intervenção em áreas essenciais, complementada com a entrega da regulação a essas entidades administrativas especiais - as entidades reguladoras - alheias aos serviços públicos. Nada impede que o Estado preste serviços e, ao mesmo tempo, fiscalize a sua qualidade, criando as estruturas necessárias para ambas as funções. Esta política significa o afastamento do Estado da direcção e regulação económica dessas mesmas funções, possibilita que sejam os privados monopolistas a determinar as regras e atinge gravemente a maioria da população e os agentes económicos mais frágeis.

Presentemente existem em Portugal quinze entidades reguladoras ou de supervisão, das quais se destaca o Banco de Portugal, actualmente integrado no Sistema Europeu de Bancos Centrais (SEBC), com um estatuto de independência face ao poder político, a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), com o importante papel na regulação e supervisão dos mercados de capitais, e a Autoridade da Concorrência (AdC), para assegurar o respeito pelas regras de concorrência na economia.

É de referir, como exemplo paradigmático de «independência», o caso da entidade reguladora da concorrência «Autoridade da Concorrência» (AdC) que, tendo por missão velar pela não violação das regras da concorrência, as suas decisões permitem constatar não só a inoperância face a significativas violações das regras da «leal» concorrência, como o seu acordo com a efectiva monopolização do mercado, ou o facto de ser o próprio poder político, por razões de avaliação diferente, a violar as louvadas «independência» e «autonomia» das entidades reguladoras.

Num quadro em que se pretende a «regulação» dos mercados monopolizados pelos grupos económicos, o Estado vem sistematicamente abdicando da intervenção de «regularização» e «orientação» da actividade económica pelo abandono dos princípios e instrumentos da planificação económica inscritos na Constituição.

 

7.6. A Administração Pública e o Estado

A Constituição da República Portuguesa consagrou uma Administração Pública autonomizada, com obrigações sociais, agentes e funcionários com um regime específico com obrigações na prestação do serviço público

Ao definir uma Administração Pública com determinadas funções e papel, o texto constitucional faz uma opção clara a favor de um Estado prestador de serviços públicos e de funções sociais, assegurando assim a persecução do interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos e pelos da igualdade, da proporcionalidade da justiça e da boa fé.

A realidade portuguesa confirma a importância da natureza do Estado e explica, em larga medida, não só a contradição como as tentativas e mesmo avanços na destruição da concepção de Estado e Administração Pública consagrados na Constituição.

A Administração Pública organizou-se em certa medida a seguir ao 25 de Abril para responder à prestação de importantes serviços públicos e funções sociais que se revelaram incompatíveis com os objectivos de uma política de regresso ao passado que implicam uma outra concepção de Estado, imposta pelas forças do grande capital.

É esta organização da Administração Pública que os sucessivos governos têm vindo sistematicamente a destruir, tentando reduzir as suas funções sociais e acentuar as suas características autoritárias e repressivas.

Neste quadro, prosseguem alterações e «reformas» profundas ao nível conceptual e organizativo das Forças e Serviços de Segurança, reconfigurando e adaptando o aparelho repressivo do Estado para orientações e missões de cariz securitário, contra os trabalhadores, movimentos e organizações que resistem à política de direita. Igual reconfiguração decorre no que respeita às Forças Armadas, desde logo com a sua profissionalização, adaptando-as ao conceito estratégico da NATO e à sua visão expansionista, relegando cada vez mais para um plano secundário as missões e os reais interesses nacionais.

O processo em curso de desmantelamento da Administração Pública promovido pelo PS visa a adaptação da administração do Estado ao novo estádio de desenvolvimento do capitalismo monopolista e facilita assim a acumulação capitalista no País.

Peça fundamental e estratégica nesse processo, o «Plano de Reestruturação da Administração Central do Estado», PRACE, contempla uma opção de classe sobre o papel e funções do Estado. O PRACE vem desorganizar toda a estrutura da Administração Pública, com extinções e fusões de serviços, degradar em simultâneo determinadas funções específicas do Estado, promover a «externalização e contratualização de serviços» - ou seja, promover a privatização dos lucros e a socialização dos custos - e destruir o vínculo público de emprego dos funcionários e agentes do Estado que está constitucionalmente definido.

A modificação da natureza dos vínculos de emprego na Administração Pública, sobretudo com a sua transformação em contrato individual de trabalho, as alterações aos regimes de carreiras, remuneratório e de avaliação do desempenho, bem como o recurso ao outsourcing, é inseparável do processo de privatização de serviços e de reconfiguração do Estado ao serviço dos interesses dos grandes grupos económicos e financeiros.

A intensa campanha de sucessivos governos para fazer crer que o Estado tem tido um papel excessivo na vida social e económica, escondendo a natureza de classe do Estado e apresentando-o como mau administrador dos recursos económicos e dos serviços e funções do Estado, visa justificar a transferência para as mãos do grande capital de importantes funções económicas e sociais do Estado.

A política centralista e centralizadora dos sucessivos governos, traduzida no ataque à autonomia do poder local e ao incumprimento constitucional da criação das regiões administrativas, tem constituído um factor condicionador do desenvolvimento local e regional. Mas também um obstáculo sério a uma reforma e democratização da administração pública que assegure a sua desburocratização, proximidade às populações e uma gestão democrática.

 

7.7. Justiça discriminatória e de classe

Acentua-se o processo de colocação do sistema judicial ao serviço de interesses privados em prejuízo dos trabalhadores, do povo e do País (assumindo especial relevo o encerramento de tribunais, nos quais se incluem os de trabalho), fazendo deste sistema um instrumento de dominação de classe. Este processo verifica-se, quer pelo encerramento de serviços públicos de justiça e sua privatização, quando há interesse económico na sua exploração, quer pelo agravamento das desigualdades e limitações no acesso ao direito e aos tribunais.

No primeiro plano, é evidente o processo de degradação a que se procura sujeitar o aparelho judicial, limitando a sua capacidade de resposta ou a qualidade do seu funcionamento, criando condições para que a lógica de «gestão empresarial» de serviços ou a sua privatização sejam apresentadas como as soluções para todos os problemas.

Este processo tem-se concretizado com a transformação de importantes aspectos do sistema de justiça em verdadeiros negócios, como aconteceu com a privatização do notariado e da acção executiva para cobrança de dívidas.

Num outro plano, o agravamento das desigualdades e limitações no acesso ao direito e aos tribunais limitam a possibilidade de reconhecimento judicial de direitos ou o seu exercício, sobretudo para quem dispõe de menos recursos económicos, ou deles carece em absoluto.

O aumento das custas judiciais e a existência de um regime de apoio judiciário fortemente restritivo impossibilitam o acesso de muitos portugueses aos tribunais por insuficiência de meios económicos, sobretudo aos trabalhadores. Também o aumento dos custos resultante da privatização da acção executiva determinou para muitos trabalhadores e pequenos e médios empresários a impossibilidade de exercerem direitos reconhecidos pelos tribunais ou de executarem sentenças judiciais, enquanto as grandes empresas e grupos económicos monopolizam o sistema.

 

7.8. Os processos de reconfiguração do Estado

O Estado continua a ocupar um papel central no sistema sócio-económico capitalista e monopolista português, em íntima articulação com as instituições da União Europeia e de outros organismos internacionais ao serviço do capital (OCDE).

Como instrumento ao serviço dos interesses de classe do grande capital nacional e transnacional tem reforçado (e não reduzido, como defendem os advogados do «menos Estado») a sua intervenção económica, em particular na reconstituição dos grandes grupos económicos privados e no favorecimento do capital estrangeiro.

O processo de «reconfiguração» e «recomposição» do «Estado nacional» em curso, adaptado aos interesses do capital, será sempre a resultante de um conjunto complexo de movimentos: transferência de funções e competências para o «Estado supranacional» (a União Europeia e outras entidades, como o BCE); abandono e «venda» de áreas sociais e actividades empresariais ao capital privado; alterações nas formas e conteúdos da Administração Pública; regulação e arbitragem dos diversos interesses capitalistas em presença e confronto; reforço do seu papel de legislador e colector de mais valias (impostos, fundos comunitários) para favorecer a acumulação privada.

Tudo para procurar alcançar o objectivo de um «Estado mínimo», reduzido às funções de segurança, de soberania, de representação externa e colector de impostos!

 

7.9. O combate ao défice orçamental como instrumento da reconfiguração neoliberal do Estado

A «obsessão pelo défice» é uma fórmula sintética para caracterizar uma política económico-financeira favorável aos grandes interesses e negócios dos fundos financeiros e especulativos. São esses interesses que reclamam uma consolidação orçamental, formatada num rácio do défice/PIB abaixo dos 3% (a tender para zero) e num rácio da dívida pública/PIB inferior a 60%. Os limites destes rácios estão inscritos no Pacto de Estabilidade (PEC), aprovado no Tratado de Amesterdão e herdado dos critérios de convergência nominal da União Económica e Monetária (UEM).

A chamada «obsessão» pelo défice constitui um objectivo político ao serviço dos interesses explicitados nos cadernos reivindicativos do grande capital português e europeu, como o demonstram as reclamações das confederações patronais europeias (UNICE e ERT).

Com o pretexto de criar um ambiente macroeconómico estável - baixa taxa de inflação, uma moeda (euro) forte, contenção salarial favorável aos negócios do capital - a gestão orçamental, no estrito e dogmático quadro do cumprimento dos critérios do PEC, tem vindo a revelar-se um instrumento fundamental na reconfiguração neoliberal do Estado.

A pressão «neoliberal» sobre o Estado, com o objectivo de reduzir o défice orçamental e limitar o crescimento da dívida pública, impulsiona a redução do peso do Estado na economia, através das «privatizações» e de um conjunto de fórmulas em que o Estado «concessiona», «contrata» ou estabelece parcerias com o capital privado para o funcionamento e gestão de serviços públicos. As privatizações são ainda o meio privilegiado de obtenção de receitas conjunturais de capital para iludir o crescimento estrutural da dívida pública, privatizações estas que reduzem a receita pública (pela perda de dividendos e impostos).

Outra expressão desta pressão é a trajectória descendente do investimento público. O insuficiente investimento público, para além das consequências desastrosas que comporta - atrasos na construção de infra-estruturas de transportes e comunicações, de investimento no desenvolvimento dos sectores públicos de ensino, de I&D, da saúde, das forças de segurança pública e da protecção civil (defesa da floresta contra incêndios) - mergulhou o País num prolongado ciclo de estagnação e recessão, prolongando e agravando a desaceleração do investimento privado e a anemia do mercado interno.

A pressão sobre a despesa pública tem impulsionado ainda o corte das despesas sociais - educação, saúde, segurança social - nomeadamente com a transferência de muitas dessas funções sociais para o sector privado, a redução das transferências financeiras do Orçamento do Estado para o poder local, limitando a autonomia financeira das autarquias e a brutal ofensiva contra os serviços e os trabalhadores da Administração Pública.

É fácil concluir que o resultado final da política de combate ao défice orçamental determinado pelo PEC é uma abertura de espaço e dos mercados públicos ao capital privado, a transferência da propriedade social e pública para os interesses privados e uma mudança qualitativa na capacidade de o Estado intervir, regular e planificar o desenvolvimento económico, a juntar às drásticas restrições impostas ao uso do instrumento «gestão orçamental» / Orçamento do Estado na condução das políticas económicas.

 

 

8. A acção programática e ideológica do capital

8.1.Crises e estrangulamentos

Face às crises e estrangulamentos, fracturas e disfunções económicas e sociais, culturais e políticas que atravessam a sociedade portuguesa em consequência de 30 anos de políticas de direita, confrontados com situações de desigualdades sociais e regionais, de persistentes défices estruturais e problemas económicos, o capital e as suas expressões políticas e sociais, respondem com o reforço dos dogmas do capitalismo e dos mecanismos ideológicos de justificação e diversão.

 

8.2. «Mais capitalismo»

Desde logo por uma persistente e continuada afirmação de linha programática para e em todas as instâncias de poder, de que a solução passa por «mais capitalismo», mais mercado, mais concorrência e menos Estado, justificação para a privatização e liberalização crescentes em espaços e áreas públicas e sociais e invasão da lógica capitalista em todas as esferas da vida humana e social. Passa pelo individualismo e pela responsabilização pessoal pelas dificuldades sociais que atravessamos. Passa pela identificação da luta organizada com descontentamentos pessoais e desordem. O aprofundamento da exploração capitalista na relação capital/trabalho e a acentuação da natureza monopolista e imperialista do capital - com a renovação e reformulação de laços neocolonialistas, os processos de «livre comércio» no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC), as regulações e imposições do Banco Mundial (BM) e Fundo Monetário Internacional (FMI) - são expressão desta mesma concepção.

No quadro de «mais capitalismo» pesam como resposta as soluções da integração capitalista em grandes espaços regionais, de que a União Europeia é um significativo exemplo. Integração económica e política, assimétrica, comandada pelo capital transnacional e as potências dominantes (acompanhadas pelas suas organizações de classe e os seus partidos) orientada para o aprofundamento do seu carácter federal e neoliberal e para a afirmação da União Europeia como potência política e militar.

 

8.3. Mecanismos ideológicos de justificação e diversão

As consequências da política de direita obrigam a um porfiado esforço «teórico» de justificação e ocultação dos problemas ao serviço do capital, recuperando mitos e mistificações sempre presentes nas sociedades capitalistas, reduzindo os problemas e a sua superação a regras de conduta individuais e colectivas apoiadas em sistemas morais e ideológicos, procurando atenuar contradições e antagonismos, e sobretudo na tentativa de conter, dividir e desmobilizar as classes e camadas sociais mais exploradas, e as suas organizações de classe.

No desenvolvimento dessas «teorias» de embuste ideológico assume significativa importância o desenvolvimento de dois mecanismos: a segmentação da esfera social da esfera económica, e em particular das suas relações causa/efeito; e a proliferação de um conjunto de «respostas» aos mais visíveis problemas das sociedades capitalistas, que visam salvaguardar a lógica e modo de produção capitalistas.

A segmentação da esfera social da esfera económica visa a autonomização metodológica e neutralização políticas dos «processos económicos», apresentando-os como o resultado «natural» do funcionamento dos mercados, da concorrência, da circulação capitalista de mercadorias (bens e serviços), capital financeiro e «capital humano» na época da globalização capitalista. A «economia» (capitalista) e os seus mecanismos e leis são apresentados como factos com os quais o Estado e os cidadãos se confrontam, não podendo mais que procurar regulá-la e ocorrer aos «estragos sociais» e «disfuncionamentos», que as «imperfeições» e as «falhas» do mercado e as reestruturações decorrentes do movimento do capital produzem.

Os Estados são impotentes face à economia e a «economia» sai fora da intervenção política. A economia deixa de ser o resultado das opções políticas dos governos. Assim se justifica hoje que as políticas económicas de direita coincidam inteiramente, quer sejam protagonizadas pela social-democracia ou pelos partidos reconhecidamente de direita. Assim se absolve a social-democracia em geral, como acontece com o PS em Portugal, se desenvolve e consolida um «pensamento único» nas sociedades e governos dos diferentes Estados nacionais.

As «respostas» aos problemas das sociedades capitalistas, provocadas pelo capitalismo neoliberal, assumem hoje uma notória e mediática visibilidade e uma extraordinária dimensão «teórica», «filosófica», «universitária», «técnica». Multiplicam-se as teses de especialistas e ensaístas, nas universidades e nas empresas, que encontram prolongamento nos departamentos do Estado, na acção e discurso governativos, com o objectivo de elaborar programas, planos de acção das «respostas» e «medidas» que, partindo do capital, não ponham em causa os objectivos, lógicas e, sobretudo, os «lucros», a reprodução do capital e a reprodução do poder das classes dominantes.

Com uma grande diversidade de origens, conteúdos, formas e níveis de expansão e concretização, podem sintetizar-se em alguns eixos, fundamentalmente centrados em alterações de comportamento individual, decorrentes de acções de divulgação, formação, apelo ou aconselhamento, ou como resultado do proselitismo religioso ou filosófico.

As mais conhecidas partem de opções dos empresários e empresas, assumindo comportamentos ou políticas de «responsabilidade social», «éticos», «verdes/ambientais» que, em alguns casos, dão direito a uma «certificação social». Fala-se de «fundos de investimento éticos» e da «regulação ética do mercado», e mesmo do conceito de «lucro ético» como legitimação (moral) do lucro.

Renascem reformuladas as práticas do mecenato, apresentando-se como economias de comunhão ou «capitalismo de partilha» e da filantropia, como é o caso dos projectos para combater a pobreza e o insucesso escolar. Têm particular significado as actividades centradas no apoio e enquadramento da actividade artística, de que são exemplo a presença dos principais grupos económicos e financeiros na gestão da Casa da Música, Fundação de Serralves e Centro Cultural de Belém, e a acentuação do seu domínio sobre o património artístico e cultural.

Em contraste com a realidade da limitação da actividade sindical, da fragilização da acção das estruturas representativas dos trabalhadores e da desvalorização da acção organizada dos cidadãos, estimula-se o aproveitamento de uma «militância social» em torno de causas e objectivos «humanitários» (a maioria dos quais resultante de uma intervenção generosa de muitos cidadãos) ou do estabelecimento de cadeias de comportamentos adequados a determinados objectivos, como o «comércio justo», o «micro crédito» ou o «Banco Alimentar».

Outras «respostas», ainda, têm por centro «a ilusão tecnológica» há muito utilizada, mas cujo conteúdo vai sendo alterado face à impetuosa dinâmica da revolução científica e técnica, e muito também pelos «falhanços» e «frustrações» de soluções técnicas anteriores que foram ensaiadas.

Difunde-se a «crença» de que graves problemas da humanidade, como a «fome», a «subnutrição» ou a «poluição», podem ser resolvidos, sem pôr em causa o sistema capitalista, pela ciência e a tecnologia. Estão no ordem do dia os Organismos Geneticamente Modificados (OGM) (depois de falhada revolução verde dos anos 60/70) para a fome em África e na Ásia, ou os «biocombustíveis» para as carências energéticas e a redução das emissões de CO2. Ao mesmo tempo, procura afirmar-se a ideia de que parte destes problemas é resolúvel através de comportamentos individuais (cuidados primários de saúde, consumo de bens supostamente «amigos do ambiente», etc.).

Encaixam-se nesta resposta a «nova economia» suportada pelas «tecnologias de informação e comunicação (TIC)», que constituíram um vector político e ideológico de programas de governo PS/Sócrates, agora reconvertidas no chamado Plano Tecnológico.

Todas estas «respostas» e «medidas» são enquadradas e apoiadas por políticas públicas (incentivos, benefícios fiscais, grossas prebendas públicas, materiais e simbólicas, formação, etc.), em alguns casos assumidas directamente pelo Estado, como acontece com o fomento do «empreendedorismo», isto é, a educação e formação de cidadãos para o «risco empresarial», para a assunção da profissão de «capitalista», que está a ser integrada nos currículos escolares.

 

8.4. Os media e a ideologia dominante

Na transmissão, reprodução e consolidação destes conceitos e teses da ideologia dominante, os media assumem um papel relevante. São eles próprios órgãos de criação e produção ideológica que assegura que não há alternativa ao capitalismo e ao pensamento único neoliberal. Mesmo conteúdos culturais e de entretenimento que se pretendem «ligeiros» revelam-se, pela influência que têm nos comportamentos, valores, interesses e atitudes, profundamente ideológicos.

O domínio dos principais grupos de media internacionais e nacionais pelo capital monopolista e transnacional não tem apenas o objectivo do lucro. Ele é a garantia de um comportamento adequado à reprodução do sistema.

 

 

IV

Outro Rumo. Nova Política

 

1. A situação económica e social de Portugal

A difícil situação económica e social de Portugal, consequência de longo processo contra-revolucionário, é hoje indissociável da acelerada concentração e centralização de capitais nas mãos do grande capital nacional económico e financeiro, articulado com o capital estrangeiro, e do seu domínio sobre a vida nacional. Processo que, a par da perversão do regime democrático e da promoção de valores obscurantistas e retrógrados, visou a restauração das estruturas sócio-económicas do capitalismo monopolista de Estado, o agravamento da exploração dos trabalhadores, a limitação de direitos sociais dos portugueses, uma crescente dominação do capital estrangeiro sobre a economia nacional e a aceitação de limitações à soberania e independência nacionais.

Esta política conduziu o País à situação de profundas desigualdades sociais e assimetrias regionais, a graves défices estruturais, ao desordenamento do território e a persistentes problemas ambientais, a fortes dependências externas, à divergência económica e social face ao conjunto de países que partilham com Portugal a integração comunitária europeia.

A persistência da grave situação económica e social, que tem nos últimos 15 anos duas recessões económicas e nos primeiros anos do século uma inquietante evolução, tornou incontornável e inadiável o confronto com as grandes orientações políticas governativas de direita do PS e PSD, mas essencialmente a necessidade e real possibilidade de concretização de um caminho alternativo, capaz de garantir um País mais justo e mais desenvolvido.

 

2. A Conferência Nacional e as suas propostas para uma política alternativa integram-se e enquadram-se no Programa do PCP «Uma Democracia Avançada no limiar do século XXI».

A democracia avançada - com as suas quatro vertentes inseparáveis da democracia política, económica, social e cultural, no ideal e projecto dos comunistas - integra cinco objectivos onde, a par de um regime de liberdade, de um Estado democrático, representativo, participativo e moderno, de uma política de democratização cultural e uma pátria independente e soberana, se preconiza um desenvolvimento económico assente numa economia mista, moderna e dinâmica e uma política social que garanta a melhoria das condições de vida do povo.

A estratégia de desenvolvimento da democracia avançada propõe como principais vectores: o aproveitamento, a mobilização das potencialidades e a gestão adequada dos recursos naturais; o aproveitamento e valorização dos recursos humanos; a ciência e a tecnologia; a modernização da economia e o aumento da produtividade; a criação de um núcleo de indústrias de bens de equipamento; o planeamento descentralizado e participado que, numa base prospectiva e integrada, estabeleça, tendo em conta o mercado, as grandes linhas objectivos e metas; e a cooperação económica internacional.

A política social da Democracia Avançada propõe que sejam assegurados, como direitos sociais fundamentais: o direito ao trabalho; o direito à segurança social; o direito à educação e ao ensino, à cultura e ao desporto; o direito à saúde e à habitação; o direito a um ambiente sadio e ecologicamente equilibrado; o direito à tranquilidade e segurança das populações; o direito das mulheres à igualdade; o direito dos jovens à realização pessoal e profissional; o direito das crianças ao desenvolvimento harmonioso; o direito dos idosos, reformados e pensionistas a uma vida digna; o direito dos deficientes a uma vida integrada na sociedade; o direito dos emigrantes à protecção dos seus interesses; o direito dos imigrantes e das etnias à protecção dos seus interesses. A efectivação e aplicação universais destes direitos sociais fundamentais são um imperativo para garantir condições dignas de existência a todos os cidadãos e se alcançar uma sociedade mais justa.

 

3. A Constituição da República Portuguesa, apesar das revisões que a desfiguraram, contém ainda hoje valores e princípios adequados a uma efectiva alternativa económica e social. A difícil situação económica e social que o País atravessa e a generalidade dos portugueses vive, resulta de políticas que sistemática e flagrantemente a afrontaram e afrontam.

A Constituição da República Portuguesa estabelece como princípios fundamentais da organização económico-social, e como «incumbências prioritárias do Estado para sua concretização, a subordinação do poder económico ao poder político democrático, a coexistência dos sectores público, privado, cooperativo e social da propriedade dos meios de produção e a liberdade de iniciativa e de organização empresarial no âmbito de uma economia mista, o planeamento democrático do desenvolvimento económico e social. Especifica desenvolvidamente o conteúdo das políticas agrícola, comercial e industrial, e a organização, conteúdo e objectivos do sistema financeiro e fiscal. Estabelece uma organização económica e social visando garantir e responder a importantes direitos económicos e sociais dos trabalhadores e do povo, consagrados constitucionalmente: a segurança no emprego e o direito ao trabalho, à segurança social, à protecção na saúde, a uma habitação adequada, a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado, à educação e à cultura.


4. A política alternativa que Portugal precisa

A política alternativa é indispensável para devolver o País a uma dinâmica de desenvolvimento económico e social, vencer o sentido de definhamento da economia nacional e inverter o progressivo agravamento dos problemas sociais, exige:

 

4.1. A ruptura com os eixos centrais das orientações políticas, económicas e sociais de direita, base da identidade substancial das políticas dos diferentes governos do PS e PSD.

 

4.2. A clara explicitação dos objectivos de desenvolvimento económico e social que uma política alternativa deve visar, a definição dos vectores essenciais e a identificação das políticas necessárias para a sua concretização.

 

4.3. A afirmação e concretização de uma política económica e social que, centradas no interesse nacional e na elevação das condições de vida dos trabalhadores e do povo, projecte a resolução dos principais problemas económicos e sociais.

 

5. A ruptura com as políticas de direita

5.1. Ruptura com o domínio do capital monopolista, com os grupos económicos monopolistas transformados em células estratégicas da estrutura e funcionamento do tecido económico.

 

5.2. Ruptura com a reconfiguração (papel, funcionamento, organizações) do Estado, ao serviço do financiamento e favorecimento públicos da acumulação acelerada do capital privado.

 

5.3. Ruptura com a «obsessão» pelo défice orçamental, instrumento central da reconfiguração neoliberal do Estado, responsável por uma queda radical do investimento público, travagem do crescimento, drástica redução da despesa social e de uma política de rendimentos - em primeiro lugar salarial - favorável ao grande capital.

 

5.4. Ruptura com a desvalorização do trabalho e dos trabalhadores, reduzidos a mero factor de produção (capital variável), desintegrados da sua dimensão humana e social, quando deveriam ser centro e primeira prioridade de toda a actividade económica.

 

5.5. Ruptura com a mutilação e subversão das políticas sociais - ensino, saúde e segurança social - transformadas em espaços de acumulação e expansão do capital.

 

5.6. Ruptura com a atribuição ao capital estrangeiro de um lugar estratégico e promovido como principal (quando não exclusivo) factor de modernização do País.

 

5.7. Ruptura com o crescimento económico centrado fundamentalmente na dinâmica das exportações e da desvalorização e desprotecção do mercado interno.

 

5.8. Ruptura com o processo de integração capitalista europeia, assente na assimetria entre Estados, e perda de importantes instrumentos de soberania e limitações da independência nacional.

 

5.9. Ruptura com a subordinação do território e do mar sob soberania nacional a lógicas alheias ao interesse do País, favoráveis ao grande capital e potências estrangeiras.

 

5.10. Ruptura com a subversão da Constituição da República Portuguesa, as revisões desfiguradoras ou a violação sistemática, por omissão e acção, dos princípios constitucionais em matéria económica e social.

 

6. Os objectivos centrais de uma política alternativa económica e social

6.1. O aumento geral do bem-estar social e económico e da qualidade de vida das populações, em particular das mais desfavorecidas, através da melhoria dos seus rendimentos e da qualidade dos serviços públicos (saúde, ensino, segurança social, etc.) e dos serviços fornecedores de bens essenciais (água, energia, telecomunicações, transportes), acessíveis em todo o território nacional.

 

6.2. A redução das desigualdades sociais e uma justa repartição da riqueza nacional já hoje produzida, com a revalorização salarial e políticas fiscal e de segurança social adequadas.

 

6.3. O pleno emprego, como objectivo primeiro das políticas económicas, e a melhoria da sua qualidade, com a promoção de emprego estável e com direitos, reduzindo a precariedade e insegurança, nomeadamente o desemprego estrutural e de longa duração.

 

6.4. O crescimento económico, sustentado e acima da média da União Europeia, com o combate à estagnação da economia nacional, pelo crescimento significativo do investimento público, ampliação do mercado interno, acréscimo das exportações, aumento da competitividade e produtividade das empresas portuguesas.

 

6.5. A defesa e afirmação do aparelho produtivo nacional como motor do crescimento económico, como dinamizador da procura interna e como alimentador de um sector exportador mais diversificado sectorial e geograficamente.

 

6.6. Um sistema de ensino, um sistema científico e técnico e uma política cultural virados para a formação integral dos portugueses, a promoção e defesa do património cultural, da língua portuguesa e o desenvolvimento do País e pelo aprofundamento da democracia.

 

6.7. A coesão económica e social de todo o território nacional, orientando o desenvolvimento no sentido de um crescimento equilibrado de todos os sectores e regiões, eliminando as assimetrias regionais, o desordenamento do território, a desertificação do mundo rural e as agressões ambientais.

 

 

7. Vectores estratégicos de uma política económica e social

7.1. A recuperação pelo Estado do comando político e democrático do processo de desenvolvimento, com:

 

7.1.1. A afirmação da soberania nacional, questão decisiva de uma política alternativa, no contexto da globalização capitalista e integração comunitária.

 

7.1.2. A subordinação do poder económico ao poder político democrático, o que exige o combate a uma estrutura económica monopolista, o exercício e assunção pelo Estado das missões e funções constitucionais na organização e funcionamento da economia e vida social.

 

7.1.3. A afirmação da propriedade social e do papel do Estado em sectores estratégicos, nomeadamente com a suspensão do processo de privatizações em curso e reversão ao sector público, por nacionalização e/ou negociação adequadas de empresas e sectores privatizados, afirmando um Sector Empresarial do Estado forte e dinâmico.

 

7.1.4. O planeamento democrático do desenvolvimento, rompendo com as políticas do desenvolvimento desigual e anárquico inerentes ao capitalismo, visando o desenvolvimento humano e integrado de sectores e regiões, a justa repartição individual e regional do produto nacional e a coordenação da política económica com as políticas social, educativa e cultural.

 

7.2. Uma economia mista, não dominada pelos monopólios, com a coexistência dos três sectores constitucionais - público, privado, cooperativo e social - que, a par da presença maioritária do sector público nos sectores estratégicos, significa também:

 

7.2.1. O apoio ao sector cooperativo e social, através do estímulo à criação, desenvolvimento e discriminação positiva no apoio público da actividade cooperativa e a fórmulas empresariais de autogestão.

 

7.2.2. A promoção de um apoio prioritário e preferencial a micro, pequenas e médias empresas, no quadro de um sector privado constituído por empresas de variada dimensão.

 

7.3. A valorização do trabalho e dos trabalhadores, questão nuclear de uma política alternativa, através de:

 

7.3.1. Uma significativa melhoria dos salários e vencimentos como contributo e condição indispensáveis para o desenvolvimento económico e uma melhor repartição do rendimento entre o trabalho e o capital.

 

7.3.2. Uma estratégia económica e social de pleno emprego, qualidade do trabalho e protecção do emprego, combatendo a precariedade e instabilidade laborais.

 

7.4. O desenvolvimento dos sectores produtivos e o combate à financeirização da economia, recusando, no quadro da divisão internacional ou europeia do trabalho, uma persistente redução da actividade económica produtiva, o que exige:

 

7.4.1. A defesa dos sectores produtivos através da valorização e desenvolvimento da produção nacional e da promoção da sua complexidade tecnológica e valor acrescentado.

 

7.4.2. Medidas que dinamizem o crescimento da sua produtividade e competitividade (investimento, qualificação dos recursos humanos, factores de produção aos preços da concorrência).

 

7.4.3. O reforço da sua presença no mercado interno, a par de sustentadas e diversificadas políticas de exportação, com valorização das marcas nacionais em todos os mercados internacionais.

 

7.5. O combate decidido à dependência estrutural da economia portuguesa, através de:

7.5.1. Dinamização do papel do Estado no investimento produtivo, apostando no desenvolvimento dos sectores em que a nossa dependência estratégica é maior;

 

7.5.2. Apoio ao desenvolvimento das micro, pequenas e médias empresas no abastecimento do mercado interno e da sua crescente internacionalização;

 

7.5.3. Orientação do investimento directo estrangeiro para o sector produtivo com significativo valor acrescentado nacional, em condições de impactos favoráveis e estabilidade no médio e longo prazos.

 

7.6. A superação de défices estruturais, através de políticas adequadas de investimento, ensino e formação profissional, I&D, no quadro da actividade de um forte e dinâmico sector público, designadamente ao nível de: produção de bens materiais, e em particular de bens alimentares; produtividade e competitividade; energia; ciência e tecnologia; transportes e logística.

 

7.7. A dinamização do mercado interno e desenvolvimento de relações económicas externas vantajosas e diversificadas, no quadro da cooperação com todos os povos do mundo, através de uma melhor distribuição do rendimento nacional e do desenvolvimento da despesa pública com investimentos em infra-estruturas e políticas sociais, inclusive com o reforço da capacidade financeira das Regiões Autónomas e do Poder Local.

 

7.8. O primado dos serviços públicos na área das políticas sociais, pela:

 

7.8.1. Afirmação de uma presença do Estado, não de forma supletiva ou residual, mas como estrutura determinante e referencial.

 

7.8.2. Garantia da acessibilidade em todo o território nacional a serviços com o mais elevado padrão de qualidade.

 

7.9. A educação, a cultura, a ciência e a tecnologia, como factores nucleares do desenvolvimento económico e social e missões essenciais do Estado democrático.

 

7.10. Um desenvolvimento em harmonia com a natureza, numa perspectiva transformadora da sociedade:

7.10.1. A utilização dos recursos naturais endógenos ao serviço do País e do povo, como condição para a preservação da natureza.

 

7.10.2. Democratização da gestão e usufruto dos recursos naturais, numa perspectiva que contrarie a mercantilização e privatização do património natural de Portugal.

 

8. As políticas económicas e sociais necessárias

8.1. Outro caminho para Portugal na Europa e no Mundo

Outro rumo e uma nova política ao serviço do povo e do País exige, face ao enquadramento internacional e às suas consequências, o desenvolvimento de relações económicas internacionais mais equitativas e mais justas contra as imposições do imperialismo e as ruinosas decisões dos seus organismos, exige a defesa da soberania nacional como questão central e estratégica e a reconsideração do enquadramento comunitário da economia portuguesa na luta pela construção de uma Europa de cooperação entre Estados soberanos e iguais em direitos. Uma Europa que não resultará nunca dos que defendem uma integração neoliberal, federalista e militarista, do mero funcionamento dos órgãos da União Europeia afastados dos cidadãos e determinados pelo grande capital, mas da conjugação da luta de massas e acção institucional, explorando as contradições e obstáculos da actual integração.

São linhas de intervenção para a exigência de uma mudança de rumo das políticas comunitárias:

 

8.1.1. O estabelecimento de uma Estratégia para a Solidariedade e o Desenvolvimento dotada de um novo conjunto de políticas económicas, sociais e ambientais, visando o pleno emprego, o emprego com direitos e salários revalorizados, a coesão económica e social e a protecção social para todos

 

8.1.2. O combate pelo fim da União Económica e Monetária (UEM) e uma política orçamental comunitária virada para o investimento, o crescimento e o emprego.

 

8.1.3. A par do combate à directiva Bolkestein, ao processo de Bolonha, aos acordos de Schengen e à flexigurança, adopção de novas políticas sociais que:

i) Promovam a igualdade de direitos e de oportunidades para todos e previna e elimine os diversos factores de discriminação e desigualdade, contrariando o nivelamento por baixo;

ii) Realizem a necessária repartição da riqueza criada, com salários e pensões revalorizados, o desenvolvimento dos sistemas públicos e universais de segurança social, o acesso a serviços públicos de qualidade, nomeadamente nos domínios da saúde, educação e habitação.

 

8.1.4. Uma profunda reforma das políticas comuns

i) Uma reforma da Política Agrícola Comum (PAC) que assegure a soberania e a segurança alimentares tendo em conta as especificidades da produção agrícola e das regiões;

ii) Uma reforma da Política Comum das Pescas que promova a modernização e desenvolvimento socio-económico do sector, garanta o futuro da actividade piscatória, no quadro do controlo nacional da Zona Económica Exclusiva;

iii) O apoio ao desenvolvimento e salvaguarda da actividade industrial;

iv) Uma nova orientação para as relações comerciais externas da União Europeia, nomeadamente na OMC, e nas negociações bilaterais, recusando processos de liberalização, consolidando políticas de cooperação e apoio ao desenvolvimento dos países menos desenvolvidos;

v) Uma nova estratégia para a regulação dos mercados de capitais face aos riscos acrescidos de crises financeiras, combatendo as deslocalizações de empresas, penalizando-as, tributando as transacções financeiras e pondo fim aos paraísos fiscais (offshores).

 

8.2. Um crescimento económico vigoroso, sustentado e equilibrado do País

O que torna necessária e decisiva a intervenção do Estado na efectiva regulação da actividade económica e como agente económico que tenha em conta o papel real do mercado no quadro de uma economia mista, não dominada pelos monopólios, com sectores de propriedade diversificada e com as suas dinâmicas próprias e complementares, respeitadas e apoiadas; na efectiva concretização de políticas que prossigam opções estratégicas nacionais, para garantir o pleno aproveitamento das capacidades e recursos nacionais; para harmonizar as actuações dos sectores público, privado e social face aos desafios externos e a um objectivo claro de desenvolvimento económico e de progresso social.

São eixos, objectivos e políticas para um crescimento económico, vigoroso, sustentado e equilibrado:

 

8.2.1. O desenvolvimento e a modernização das actividades produtivas, pela:

i) Defesa da produção e do mercado nacional, com a dinamização dos investimentos público e privado, do mercado interno, das acções de investigação associadas à produção, particularmente em sectores de forte conteúdo tecnológico e/ou geradores de emprego e de serviços prestados às empresas;

ii) A par da racionalização fundiária pelo livre associativismo no Norte e Centro, impõe-se a realização de uma profunda alteração fundiária que concretize, nas actuais condições, uma reforma agrária nos campos do Sul que liquide a propriedade latifundiária. Igualmente se exige o condicionamento legal do acesso à terra pelo capital estrangeiro e o combate à especulação imobiliária/«turística» e desaproveitamento das potencialidades agrícolas de Alqueva;

iii) Alteração do actual perfil de especialização da economia baseada não na desvalorização da força de trabalho, na inovação, investigação e desenvolvimento tecnológico, na qualidade dos produtos, na organização empresarial, na formação e qualificação dos trabalhadores;

iv) Existência de infra-estruturas materiais e sociais básicas.

 

8.2.2. Uma consolidação das finanças públicas, identificada como a sustentabilidade da dívida pública no médio e longo prazos e articulação da gestão orçamental com o crescimento económico e o desenvolvimento social, nomeadamente promotora de um elevado investimento público em infra-estruturas físicas, em educação e formação profissional e em áreas sociais como a saúde e a protecção social. A sustentabilidade do processo impõe quatro exigências centrais:

i) A revogação do Pacto de Estabilidade;

ii) Um crescimento económico sustentado a ritmos elevados que promova o desenvolvimento, o emprego e potencie as receitas fiscais;

iii) Um permanente rigor e disciplina na avaliação das despesas públicas com o combate ao desperdício e um aumento de eficiência das administrações públicas;

iv) Uma política fiscal que alivie a carga sobre as classes laboriosas e promova o aumento das receitas e a eficiência do sistema fiscal, através do alargamento da base e do aumento da fiscalização tributárias, da significativa redução dos benefícios fiscais, designadamente no sector financeiro, da diminuição do IVA, do combate à evasão e fraude fiscais e da imposição fiscal sobre o património mobiliário e ganhos bolsistas.

 

8.2.3. A dinamização do investimento, nomeadamente do investimento público e a melhoria da eficácia e eficiência na utilização dos fundos comunitários. A reorientação de todo o investimento, quer público quer privado, com base em critérios adequados às necessidades de desenvolvimento do País, significa:

i) Promover políticas de crédito e orçamentais que favoreçam o investimento produtivo e a produção de bens transaccionáveis, dirigindo os recursos (nacionais e comunitários) disponíveis para incentivar o investimento para o aumento da produtividade e da competitividade dos sectores tradicionais e para o apoio a novos sectores onde o País tem potencialidades.

ii) Favorecer uma localização territorial do investimento correctora das assimetrias regionais.

iii) Criar condições para que a atracção do investimento estrangeiro salvaguarde a sua sustentabilidade, tenha efeitos positivos no tecido económico nacional e combata o investimento predador e «beduíno».

 

8.2.4. O alargamento do mercado interno enquanto condição básica de sustentabilidade e estabilidade de qualquer estratégia de desenvolvimento económico, através:

i) Do crescimento do rendimento disponível das famílias, nomeadamente pelo crescimento dos salários e pensões, travando e corrigindo a actual trajectória de um consumo desequilibradamente centrado no crédito bancário;

ii) Do desenvolvimento regular do investimento público da Administração Central, das regiões Autónomas e das autarquias;

iii) Das políticas de dinamização da actividade das micro, pequenas e médias empresas.

 

8.2.5. Um sector público forte e dinâmico, ao serviço da democracia e do desenvolvimento independente do País, é condição chave para a manutenção em mãos nacionais de alavancas económicas decisivas e para concretizar a propriedade social dos sectores básicos e estratégicos, instrumento essencial para garantir o desenvolvimento integrado e o ordenamento do território, para reafirmar um Estado com um papel produtivo e não meramente regulador, para promover uma política de emprego e melhoria das condições laborais e de vida.

Assegurar um sector público com uma dimensão e peso determinantes nos sectores básicos e estratégicos da economia nacional, nomeadamente: a banca e os seguros; a energia; a água, saneamento e tratamento de resíduos sólidos; as comunicações e telecomunicações; os transportes e vias da comunicação; a indústria; outros sectores considerados estratégicos, designadamente áreas da comunicação, da investigação e desenvolvimento tecnológicos.

 

8.2.6. Um sector financeiro ao serviço do crescimento económico e do desenvolvimento social exige:

i) Uma componente pública dominante e dinâmica que esteja em condições de influenciar e regular o sistema financeiro, apoie o investimento produtivo e criador de emprego, estimule as exportações nacionais e apoie as micro, pequenas e médias empresas, o sector cooperativo e social e as famílias;

ii) Uma política de crédito às empresas produtoras de bens transaccionáveis, com um tratamento preferencial por parte do nosso sistema financeiro, por forma a que estes sectores possam ser mais competitivos com os seus concorrentes externos;

iii) Uma política de crédito em que as taxas de juro praticadas nos empréstimos às famílias, em especial à habitação, nos empréstimos às empresas, tenham em conta os seus impactos macro-económicos e contribuam para a diminuição do endividamento das famílias e das empresas;

iv) Promoção e acompanhamento da gestão dos fundos de pensões por parte das Comissões de Trabalhadores ou de outras estruturas organizacionais.

 

8.2.7. Um sector energético orientado para o pleno aproveitamento dos recursos energéticos nacionais, com as seguintes linhas de actuação:

i) A definição de uma estratégia que, no contexto do esgotamento dos combustíveis fósseis (o Estado português deve subscrever o Protocolo de Esgotamento), reduza os consumos energéticos, com programas consistentes de utilização racional de energia e diversifique as fontes de energia;

ii) O reassumir pelo Estado do seu papel de Autoridade no aprovisionamento, produção, transporte e comercialização das diferentes formas de energia, inclusive na retoma urgente do planeamento energético;

iii) A reorganização empresarial das fileiras energéticas do sector público, que deve recompor a cadeia de valor das empresas de electricidade e de gás natural, desagregada pelas reestruturações levadas a cabo pelos governos PS e PSD;

iv) A inventariação, planeamento e utilização integrada e coerente de todas as potencialidades nacionais em energias renováveis - hidroeléctrica, solar térmica, fotovoltaica, eólica, biomassa, geotérmica e as ligadas ao mar - e uma reconsideração crítica do recurso aos agrocombustíveis de produções dedicadas, bem como a programada intensificação do uso do gás natural em centrais térmicas;

v) A consolidação e reforço da base científica e técnica necessária ao desenvolvimento de investigação científica e desenvolvimento tecnológico, orientados para o acompanhamento da evolução das inovações energéticas a nível mundial, e a cooperação internacional;

vi) Uma política de transportes que privilegie o transporte público e colectivo de passageiros, particularmente o modo por carril accionado electricamente, e incentive o transporte de mercadorias por ferrovia e ainda pelo modo fluvial e marítimo; em particular, deve ser generalizado o uso do gás natural nas frotas urbanas e intensificada a sua utilização nos veículos ligeiros e pesados.

 

8.2.8. Um sector de transportes e comunicações que considere:

i) A definição de uma política para os transportes e plataformas logísticas assente num forte sector constituído por empresas públicas, única forma de garantir a efectiva prioridade ao serviço público, ao interesse e soberania nacionais, com transportes coordenados e frequentes, seguros, com boa qualidade e a preços sociais, recebendo as respectivas empresas, adequada e atempadamente, as indemnizações compensatórias.

ii) A elaboração de um Plano Nacional de Transportes, integrado, que seja um elemento fundamental para uma política democrática de transportes, que tenha um papel estratégico e estruturante na economia nacional, no ordenamento do território, no desenvolvimento das regiões, que garanta a segurança de tripulações, passageiros e cargas, a complementaridade entre os diversos modos e que responda a imperativos de economia energética, menor custo social e preservação do ambiente.

iii) A garantia do carácter público do planeamento, construção, manutenção e exploração de importantes infra-estruturas de transportes e plataformas logísticas, de acordo com as necessidades de desenvolvimento económico e social do País, rompendo assim com a crescente subordinação destes investimentos aos interesses dos grupos económicos e do capital financeiro.

iv) A garantia da existência de um forte sector público, universal e de qualidade de comunicações e telecomunicações como condição para o desenvolvimento do País, garantindo o conjunto de investimentos de carácter funcional e tecnológico necessários, os direitos dos trabalhadores e dos utentes.

 

8.2.9. Adequada política de ambiente, água e recursos naturais, que considere de forma integrada um vasto conjunto de políticas sectoriais e se insira nos seguintes princípios:

i) Um desenvolvimento que potencie as riquezas naturais do País, numa gestão democrática, planificada e racional dos recursos;

ii) Uma política orientada para a promoção e elevação da qualidade de vida das populações, garantindo a democratização do acesso à Natureza e do seu usufruto;

iii) Uma política de recursos hídricos que garanta o acesso à sua utilização como direito inalienável das populações, e que preserve e aprofunde a sua gestão pública e que impeça a sua mercantilização;

iv) Uma política de preservação da Natureza que não consista no abandono das populações, mas antes no seu envolvimento, nomeadamente numa gestão democrática das Áreas Protegidas;

v) Uma política de gestão das Áreas Protegidas, orientada para a valorização do património genético e paisagístico e dos «saberes fazer» locais como reserva estratégica;

vi) Uma política de investimento na investigação científica e no desenvolvimento da tecnologia visando a evolução dos meios de produção e uma indústria cada vez menos poluente.

 

8.2.10. Ordenamento do território e efectivas políticas de desenvolvimento regional, assumido enquanto vector essencial de estratégias de desenvolvimento do País e de combate à desertificação, o que exige:

i) O desenvolvimento de políticas para as cidades e metrópoles que privilegiem a reabilitação e a renovação urbanas invertam processos de degradação ambiental e contrariem e corrijam o carácter monofuncional nas relações centro-periferia;

ii) A promoção de políticas de defesa e valorização do mundo rural e das regiões do interior e insulares, em particular com políticas de investimento (Orçamentos do Estado e QREN) adequadas, o cumprimento de obrigações de serviço público (transportes, comunicações, telecomunicações, energia, etc.) e a correcção do desenvolvimento desigual das actuais políticas económicas capitalistas;

iii) A criação de Regiões Administrativas e a consequente extinção das Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR), que assegurem a definição e promoção de uma política regional assente em critérios de participação efectiva.

 

8.3. O Estado como promotor do desenvolvimento social

O desenvolvimento do País passa pelo trabalho qualificado e remunerado de acordo com uma melhor distribuição da riqueza e do rendimento disponível, eixos centrais de uma estratégia que considere o ser humano e os seus conhecimentos e não o capital como principal factor de crescimento económico e por um investimento significativo na educação, na cultura, na ciência e tecnologia, na saúde, na segurança social, na habitação e no ambiente, tendo presente que o efeito cumulativo dos diferentes factores sociais e económicos são decisivos para aumentar as possibilidades de desenvolvimento económico e social, fundamental para combater a pobreza e a exclusão social, e para a melhoria do nível de vida do povo português.

Na prossecução deste objectivo o PCP propõe, entre outras, as seguintes orientações no plano social:

 

8.3.1. Uma política educativa que considere a educação, nas suas múltiplas vertentes, e o ensino como um direito de todos e de cada um ao conhecimento e à criatividade, ao pleno e harmonioso desenvolvimento das suas potencialidades, vocações e consciência cívica. Direito que deve ser assegurado por uma Escola Pública de Qualidade, Inclusiva e Gratuita para todos e por uma política que igualmente assuma a educação, a ciência e a cultura como vectores estratégicos para o desenvolvimento integrado do nosso País e para o aprofundamento da democracia; que atenda à multiplicidade dos processos educativos e formativos contemporâneos e às dimensões a que estes necessitam de dar resposta, desde a competência profissional e a qualificação, à cultura humanista e científico-técnica, à inovação e à criação.

 

8.3.2. A valorização do papel da Ciência e Tecnologia (C&T) e das Actividades Científicas e Técnicas (AC&T) como instrumentos indispensáveis à concretização de uma política alternativa que efectivamente conduza à melhoria das condições de vida do povo português tendo presente que o ritmo de criação de riqueza depende do volume de recursos humanos, materiais e financeiros afectados a essas actividades. Objectivo que passa pelo crescimento gradual do investimento público em I&D que deverá atingir o montante anual correspondente a 1% do PIB, em termos reais, até 2010; por uma política de criação de emprego, de qualidade e com direitos, visando o reforço dos efectivos de pessoal das unidades públicas que desenvolvem actividades de I&D e outras AC&T; pela radical simplificação dos processos de gestão administrativa e financeira das unidades públicas do Sistema Científico e Técnico nacional, acompanhada pelo desenvolvimento de uma rede de institutos e laboratórios nacionais, alargando os domínios de especialidade actualmente cobertos, pela criação, a promover pelo Estado, de um fundo de I&D para o qual as empresas interessadas contribuiriam anualmente, numa percentagem definida a partir do respectivo VAB anual; e pelo apoio público à criação de núcleos de I&D em empresas para a execução de actividades próprias de I&D e inovação, através de incentivos financeiros, incluindo incentivos fiscais.

 

8.3.3. Uma política de efectiva democratização da cultura, factor essencial de emancipação individual e colectiva. Esta política significa o acesso generalizado das populações à fruição dos bens e das actividades culturais; o apoio à criação, produção e difusão culturais; a descentralização da cultura; a defesa, o estudo, a preservação e a divulgação do património cultural nacional, regional e local, erudito e popular, tradicional ou actual; o intercâmbio com os outros povos da Europa e do mundo; a abertura aos grandes valores da cultura da humanidade e a sua apropriação crítica e criadora; o combate à colonização cultural; a promoção internacional da cultura e da língua portuguesas.

 

8.3.4. A existência de um Serviço Nacional de Saúde, sua concretização e desenvolvimento como Serviço Público, universal, gratuito, eficiente e eficaz, mantendo-se o Estado como prestador geral e universal de cuidados de saúde, com a completa separação entre o sector público e privado, indispensável ao aumento da eficiência dos recursos públicos, da sua qualidade e à sua acessibilidade.

Um SNS que contemple o investimento em programas de prevenção e saúde pública, com meios financeiros e humanos necessários, essencial para o crescimento económico e a melhoria da qualidade de vida.

Um SNS cuja sustentabilidade financeira e social seja assegurada por uma política de financiamento adequado e simultaneamente não ceda perante os poderosos interesses instalados, seja exigente na transparência dos actos a todos os níveis de gestão, racionalize custos, combata o desperdício e que a montante seja complementado por um conjunto de políticas sociais, determinantes no estado de saúde dos portugueses.

 

8.3.5. A defesa do sistema público de Segurança Social - consolidando o seu carácter universal e solidário - como um pilar insubstituível de novas políticas sociais que visem uma justa repartição do rendimento nacional, o combate às injustiças e as desigualdades sociais. Tal objectivo implica romper com as opções de direita - que remetem o Sistema Público de Segurança Social para um papel residual e de carácter assistencialista - assumindo novas medidas que façam cumprir o direito dos trabalhadores face às diversas eventualidades, situações de risco e dos que se encontram numa situação de pobreza e exclusão social assegurando uma continuada elevação dos níveis de protecção social. Para a concretização destes objectivos impõe-se consolidar a sustentabilidade financeira do sistema público, no presente e para o futuro, através do combate à evasão e dívida, de uma justa e adequada diversificação das suas fontes de financiamento, que responsabilize e comprometa o Estado, os trabalhadores, os sectores produtivos e as empresas de capital intensivo.

 

8.4. A valorização do trabalho e dos trabalhadores

A valorização do trabalho e dos trabalhadores, enquanto condição determinante para o desenvolvimento, exige o pleno emprego, a distribuição justa do rendimento e da riqueza, o aumento dos salários, condições de trabalho dignas e qualidade de emprego, a formação profissional, o investimento num perfil económico assente em mão-de-obra qualificada, direitos individuais e colectivos desenvolvidos e efectivos. São medidas urgentes e necessárias:

 

8.4.1. Assegurar e reforçar os direitos individuais e colectivos, incluindo os direitos sindicais, de contratação colectiva e de greve, o que exige a revogação das normas gravosas do Código de Trabalho, em particular o termo da caducidade das convenções colectivas e o respeito pelo princípio do tratamento mais favorável ao trabalhador.

 

8.4.2. Aumentar os salários, em particular o salário mínimo nacional, com vista a melhorar as condições de vida e a assegurar um significativo progresso na distribuição do rendimento nacional.

 

8.4.3. Aplicar os princípios da igualdade de tratamento no emprego e na profissão e combate a todas as formas de discriminação.

 

8.4.4. Desenvolver e tornar efectivos os direitos de informação, de consulta e de participação dos trabalhadores e das suas organizações (sindicatos e comissões de trabalhadores), a todos os níveis.

 

8.4.5. Assegurar vínculos de trabalho estáveis, combater todas as formas de precariedade, alterar a legislação para responder a esse objectivo e reforçar a fiscalização do uso abusivo e ilegal de contratos a termo, do trabalho temporário e regularização da situação dos trabalhadores com falsa prestação de serviços.

 

8.4.6. Assegurar a qualificação dos trabalhadores, sendo prioritária a concretização do direito à formação contínua enquanto instrumento fundamental para a valorização do trabalho.

 

8.4.7. Criar medidas que, no quadro de processos de reestruturação de empresas ou em actividades ou sectores deprimidos, permitam o desenvolvimento da formação profissional, na perspectiva da qualificação e requalificação dos trabalhadores e a igualdade de oportunidades.

 

8.4.8. Responder aos problemas postos pela utilização maciça das novas tecnologias, defendendo os direitos dos trabalhadores.

 

8.4.9. Melhorar as condições de trabalho, sendo urgente reduzir os elevados níveis de sinistralidade através de uma política de prevenção e ter em conta os novos riscos no trabalho.

 

8.4.10. Criar condições para a elevação da taxa de emprego de pessoas com maiores dificuldades de inserção no mercado de trabalho, particularmente de pessoas portadoras de deficiência.

 

8.4.11. Aumentar o grau de efectivação das normas de trabalho, através do reforço de intervenção e da acção coordenada dos vários serviços inspectivos, e de uma justiça de trabalho mais célere e mais acessível.

 

8.5. Um Estado democrático, representativo, moderno e eficiente, ao serviço do povo e do País

O Estado e as suas características, os critérios de designação dos seus órgãos, a medida e o sentido do exercício das suas funções, a inclusão no processo de decisão política e administrativa da participação e intervenção popular, representam simultaneamente um objectivo programático autónomo e uma condição de realização de outros objectivo programáticos.

Como a situação do País o comprova, o Estado tem constituído, pela sua intervenção ou deliberada omissão, um instrumento dos objectivos do capital quer no processo de reconstituição do capital monopolista, quer no processo de centralização e concentração em curso.

O desenvolvimento económico e social do País exige um Estado democrático, representativo, baseado na participação popular, moderno e eficiente, ao serviço do povo e do País do qual são componentes essenciais: a organização do poder político baseado no sufrágio universal e directo; a participação popular permanente no exercício do poder; uma justiça independente, democratizada célere e acessível; uma Administração Pública descentralizada, desconcentrada, desburocratizada e aberta; serviços públicos essenciais garantidos pelo Estado; Forças Armadas ao serviço da independência e soberania nacionais e da integridade do território; segurança e ordem públicas baseadas no primado da prevenção e no respeito e garantia efectiva dos direitos e liberdades individuais e dos trabalhadores.

São ainda condições para o desenvolvimento do País o reforço da autonomia administrativa e financeira do poder local; a criação das Regiões Administrativas; o respeito pela autonomia político-administrativa das Regiões Autónomas, no quadro da unidade e soberania nacionais.

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Identificada com as preocupações e expectativas de largas camadas sociais sujeitas às consequências de uma política determinada pelos interesses do grande capital, a política alternativa que o PCP defende corresponde a uma ampla aspiração de afirmação da soberania nacional e de ruptura com a subordinação das orientações da União Europeia e do processo de integração, dá resposta às sentidas dificuldades e aspirações que a generalidade da população, e em particular os trabalhadores, enfrentam.

Inseparável do processo de construção de uma alternativa política, a política alternativa que o PCP apresenta é tão mais realizável quanto mais expressiva for a sua influência, mais forte for o desenvolvimento da luta de massas e mais largamente se afirmar uma vasta frente social de oposição à política de direita com projecção e reflexos no plano político e institucional.

Assumindo, com a realização da Conferência Nacional sobre Questões Económicas e Sociais, as suas responsabilidades perante o País, o PCP dá expressão às expectativas, confiança e esperança que os trabalhadores e o povo nele depositam. Partido insubstituível na luta de resistência às políticas de direita e à ofensiva contra direitos e conquistas alcançadas com Abril, o PCP afirma-se como uma força portadora de uma política alternativa indispensável à construção de um Portugal com futuro.

A política alternativa que o PCP aponta como perspectiva, a concretizar enquanto exigência necessária para dar resposta aos problemas do País, integra-se e é enquadrada pelo Programa do PCP. Programa este que, assumido para actual etapa histórica, afirma uma Democracia Avançada que - no desenvolvimento dos seus elementos fundamentais (políticos, económicos, sociais e culturais) - tem no horizonte a construção da sociedade socialista.