Quero começar por lamentar a ausência do Senhor Ministro da
Administração Interna neste debate. É certo que o Governo não
tem nenhuma proposta sua em debate e não está por isso "
obrigado" a estar presente. Mas, o debate versa sobre a
matéria da segurança interna nos seus aspectos centrais e
essenciais. A Assembleia da República vai debruçar-se não
sobre um qualquer aspecto particular da política de segurança
interna mas precisamente sobre as suas grandes orientações. O
debate realiza-se não só por iniciativa do PCP que apresentou o
projecto e requereu o seu agendamento, e mas também por decisão
unânime da conferência de líderes, que fez esse agendamento.
No contexto actual, a presença do Governo significaria o seu
empenho em participar com a Assembleia da República numa
reflexão sobre uma matéria, que hoje preocupa seriamente os
portugueses, e que acaba de atravessar uma crise assinalável,
cujas sequelas não se apagaram. Evidentemente que a Assembleia
da República realiza este debate com completa legitimidade,
eficácia, empenhamento e qualidade. Mas é ao Governo que, na
base das grandes opções definidas, cabe estabelecer e executar
a política de segurança interna. O Ministro fala de virar de
página. É no mínimo mau sinal que na primeira ocasião que tem
de demonstrar ao plenário da Assembleia o seu empenhamento
concreto em reais mudanças de política, o Ministro perca a
oportunidade e falte à convocatória.
O PCP submete à discussão da Assembleia da República um projecto com dois objectivos
complementares: o primeiro é o de atribuir ao Parlamento a incumbência de ser
ele a discutir e aprovar o documento das grandes opções da política de segurança
interna; o segundo objectivo é o de propor que a Assembleia realize desde já
esse debate, para o que apresentamos um projecto concreto de grandes opções.
O primeiro objectivo corresponde ao primeiro capítulo do
projecto de lei nº 12/VII, artigos 1º e 2º. Nas competências
da Assembleia da República e a ser aceite a proposta do PCP,
passará a figurar uma nova alínea, com menção expressa da
competência para " aprovar por meio de lei as Grandes
Opções da Política de Segurança Interna". Pensamos que
esta intervenção específica da Assembleia da República no
processo de definição da política de segurança interna,
realizada sem prejuízo da competência do Governo de ser ele a
desenvolver e executar essa política, será positiva a vários
títulos. Desde logo, porque pela sua natureza específica,
envolvendo inclusivamente a possibilidade de meios de coacção
sobre cidadãos, a política de segurança interna deve ter o
mais largo suporte institucional possível, como sucederá se a
Assembleia intervier no processo pelo modo proposto.
Evidentemente que manifestamos desde já a nossa
disponibilidade para fórmulas alternativas que conduzam ao mesmo
resultado. O Governo, através do Ministro da Administração
Interna, já aqui anunciou a sua ideia de que a Assembleia
deveria aprovar uma lei de orientação da política de
segurança interna. O sentido parece ser o mesmo que aqui
propomos e creio assim que não deverá haver dificuldade em
encontrar a fórmula e o local adequados a garantir a
intervenção da Assembleia esta fase do processo de definição
da política de segurança interna.
É sobre as grandes opções (que constam do capítulo II do projecto de lei nº
12/VII) que pretendo abanar principalmente a atenção.
A política de segurança interna foi dominada nos últimos
anos por um processo de militarização e afastamento dos
cidadãos. Os Governos PSD do Prof. Cavaco Silva evidenciaram
particularmente na política de segurança interna o
autoritarismo e o vezo repressivo que caracterizou toda a sua
política.
Mais do que nenhum outro, o Ministro Dias Loureiro deu rosto
com o Prof. Cavaco Silva a essa política. A política do PSD
assumiu o rosto da brutalidade nas ordens governamentais em casos
como as cargas sobre as estudantes, sobre os trabalhadores e
populações da Marinha Grande, e sobre os utentes da Ponte 25 de
Abril. Com o PSD no Governo, são os corpos especiais de
repressão receberem apoio. As funções gerais de polícias
foram descuradas, foram encerradas esquadras e postos, os
orçamentos de funcionamento das polícias sofreram fortes
restrições. A militarização acentuou-se como o mostram
vários diplomas legais publicados pelos Governos PSD. As super
esquadras (ou divisões concentradas) ficaram como símbolo de
uma política que quer esvaziar a polícia da sua componente
cívica e transformá-la numa máquina, que não se reconhece nem
se identifica com a vida colectiva dos portugueses.
O que o PCP traz a debate do plenário da Assembleia e à
alteração profunda desta política. O que o PCP propõe é uma
ruptura com os métodos e a filosofia que o PSD usou no Governo.
Era essa política que há um ano, (quando apresentámos o
projecto, logo a seguir às eleições, no início desta
legislatura) tinha acabado de ser sentenciada e condenada pelo
povo português. Foi uma política que deixou sem combate o
crime, que foi causa de um preocupante aumento do sentimento de
insegurança e que privilegiou a repressão e o confronto com os
cidadãos.
A realidade, no entanto é que, decorrido este ano, e apesar
das promessas feitas e dos compromissos assumidos no seu
programa, o governo não efectivou as mudanças indispensáveis
nas orientações da política de segurança interna e nas
estruturas das forças policiais que os servem . Foi um ano
perdido. e não só. Foi um ano de hesitações e ziguezagues.
Depois de ter aprovado um decreto-lei a permitir que fosse um
civil a comandar a PSP, que queria o Governo da nomeação de um
militar para Comandante-Geral? Que queria o Governo quando deixa
sem resposta a ausência concentrada e provocatória das chefias
intermédias da PSP da cerimónia de tomada de posse do seu
Comandante-Geral? Que queria o Governo quando permitiu o General
Comandante Geral declare publicamente que não tem nada que
cumprir as recomendações do Provedor de Justiça, feitas a
propósito do caso de Stº Tirso? Que queria o Governo que
mudasse, quando manteve os superesquadras e a filosofia
loureirista que lhe presidiu? Que queria o PS quando, para
encerrar os processos postos por Dias Loureiro aos dirigentes das
Associações socio-profissionais da polícia, não deixa de
fazer a concessão à hierarquia da PSP de ainda assim os punir?
Foram estas hesitações, esta manutenção dos traços
fundamentais da política anterior, estas concessões a uma
concepção militarizada da PSP que foram o caldo de cultura da
crise que se viveu nos últimos dias. A substituição de um
comandante militar por um não militar era um primeiro passo que
deveria ter sido dado logo no início. Não há nenhum
radicalismo numa posição como esta: é tão radical fazer essa
substituição agora como tê-la feita há um ano. Há um ano
talvez fosse menos, porque então toda a gente a esperava e muita
gente a desejava! O Governo fala em "cautela e caldos de
galinha" para justificar o atraso. Mas, outros aproveitaram
o atraso para desenvolver oposições e lançar minas e
armadilhas no percurso da modernização da PSP.
Não basta mudar de Comandante Geral, passando de um militar para um profissional
da casa. Agora o que é essencial é com decisão mudar efectivamente de política.
As Grandes Opções que o PCP propõe no projecto de lei
correspondem a esse objectivo.
Não esquecemos que uma pratica de segurança e tranquilidade
pública tem de passar também pela conjugação de dois outros
vectores: por um lado, são necessárias políticas gerais,
designadamente de emprego, educação de segurança social e de
habitação e urbanismo, que combatam males sociais muito ligados
às causas do crime. Não significa que baste a resolução de
problemas como os do desemprego, pobreza, ocupação dos tempos
livres,ou educação, para automaticamente se ter o país livre
do crime. Mas a inversa é verdadeira: sem a resolução desses
problemas, não haverá solução duradoura para os problemas de
segurança interna. O segundo vector que assinalamos refere-se à
justiça. A justiça tem de ser mais célere, evidentemente que
sem prejuízo dos limites e garantias dos arguidos. Não se trata
aqui de apurar causas e responsabilidades: mas não pode
continuar a mediar o tempo que hoje medeia entre a descoberta do
presumível criminoso e o seu julgamento. Não há sistema penal
que resista a esta dilação que submete a função da pena e a
torna inútil ou injusta.
A questão fundamental quanto à política de segurança interna propriamente dita,
é a de sabermos como devem ser assegurados os seus objectivos, fixados na Lei
nº 20/87, de 12 de Junho. Da nossa parte, entendemos que há três princípios
enquadradores fundamentais: primeiro, o meio principal e privilegiado de assegurar
a tranquilidade e segurança é a prevenção; segundo, a responsabilidade orgânica
é do Governo e da política, mas a função segurança não deve ser alheia ao cidadão
e à sociedade, que nela deve participar; terceiro, a polícia e a sociedade devem
viver em conjunto os mesmos problemas, numa relação estreita de confiança.
Com estes pressupostos, o projecto do PCP apresenta propostas
quanto ao modelo de esquadras e postos, quanto à sua
distribuição, quanto ao modelo de distribuição de forças de
segurança, quanto à distribuição de recursos humanos, quanto
à disponibilização de recursos financeiros, quanto à questão
crucial da formação e das regras deontológicas.
Sublinharei alguns traços fundamentais e caracterizadores das
propostas do PCP.
Primeiro: defendemos uma política de proximidade. São de
rejeitar as superesquadras, que levem ao encerramento das
esquadras mais pequenas, a nível de bairro, com as suas
funções de base logística para policiamento, e local de apoio
permanente à população. A polícia deve estar próxima dos
cidadãos, deve ser conhecida na personalidade própria dos
agentes que servem cada zona, e deve estar em condições de
conhecer pormenorizadamente a zona respectiva de actuação. É
aliás a polícia de proximidade que realiza com vantagem a
função preventiva.
Segundo ponto: a polícia deve antes de tudo
"policiar". A sobrecarga com funções burocráticas
que não cabem na função policial (como sucede com as
notificações) retiram agentes preparados daquilo que devem
fazer. É necessário resolve com urgência este problema. Como
também não é admissível a concentração de milhares de
efectivos em corpos especiais de repressão, quando poderiam e
deveriam estar afectos às funções normais de policiamento. O
país não merece tanta desconfiança por parte de um poder
político, que assume continuar a viver obcecado em declarar
guerra à sociedade!
Ainda neste campo da "recuperação" dos agentes
para funções de policiamento, quero aqui registar o nosso
espanto e desagrado pelo verdadeiro boicote que tem sido feito à
aplicação da legislação sobre serviços municipais de
polícia. Uma das funções que poderiam ser exercidas pelos
respectivos funcionários são os relacionados com certos
aspectos do trânsito urbano, incluindo o estacionamento. Hoje,
com a lei portuguesa, já é possível que não sejam as forças
de segurança a fiscalizar e a passar multas no estacionamento
ilegal. Isso libertaria muitos agentes particularmente da PSP
para as suas funções de segurança. Mas, desde a tomada de
posse deste Governo, esse processo foi paralisado, e hoje vemos
por exemplo em Lisboa ser a PSP que continua a acompanhar os
funcionários da EMEL que fiscalizam o estacionamento.
Terceiro ponto: a questão da formação deve constituir uma
efectiva prioridade e não uma mera prioridade declarada. É
necessária aprovar um novo Código Deontológico, que tenha
presente as mais recentes resoluções e recomendações da ONU,
do Conselho da Europa e de outras instituições que se
debruçaram sobre o assunto.
Quarto ponto: A aprovação dos Conselhos Municipais de
Segurança dos Cidadãos, aqui pendentes há meses e meses, é
uma prioridade. Os Conselhos são uma forma privilegiada de fazer
participar as instituições e a sociedade no equacionamento da
problemática concreta da segurança pública. Com a presença
das autarquias, escolas, associações económicas e sociais,
magistratura e forças policiais, estes Conselhos dão à
execução da política de segurança interna a dimensão
participada que lhe tem sido negada.
Quinto ponto: A dimensão cívica da PSP. Sem dar à PSP uma
feição "civilista", não será possível nenhuma
reforma séria e profunda da política de segurança interna.
Feição civilista significa pôr a polícia ao lado dos
cidadãos na procura de um resultado que interessa a todos.
Significa considerar que a segurança interna é serviço à
comunidade, executado por cidadãos especializados para o efeito.
Cidadãos com os seus direitos fundamentais devidamente
respeitados, incluindo o direito à constituição de um
sindicato. Cidadãos que por isso mesmo, defendem os direitos,
liberdades e garantias e encontraram neles o fundamento e o
limite para a sua acção como polícias.
Estas são linhas fundamentais da proposta que o PCP submete
à apreciação da Assembleia da República.
Fazêmo-lo com a firme convicção de com ela estarmos a
contribuir para a defesa dos interesses e direitos dos cidadãos
e da sociedade.
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