A necessidade de definir previamente
uma estratégia de investimento em Portugal
O investimento é uma questão chave quer para o combate ao
desemprego quer para o desenvolvimento do País. No entanto, falar de
investimento não é uma tarefa fácil pois existem muitas ideias erradas sobre o
investimento incluindo, a nosso ver, mesmo na área da esquerda. Por isso vou
procurar abordar no pouco tempo que tenho muito sinteticamente, embora sem perder
o rigor técnico, três questões que me parecem importantes e que são: 1) A
necessidade de definir uma estratégia prévia para orientar o investimento; 2) O
que devemos priorizar a nível de investimentos; 3) Qual o papel que deve ter o
investimento estrangeiro? E isto sem a intenção de apresentar verdades
absolutas, mas com o objectivo de contribuir para uma reflexão e debate
colectivo que me parece extremamente necessário e urgente.
Uma política de investimentos não pode ser nem é apenas o
somatório de investimentos por mais meritórios que eles sejam Uma politica de
investimentos consistente pressupõe a definição previa de uma estratégia clara
que oriente a escolha dos investimentos a realizar. E isto porque há que
definir prioridades, seleccionar investimentos que devem ser realizados e
investimentos que não devem ser realizados em cada momento, pois os recursos de
um país, como os de qualquer família, não são ilimitados. No caso português
esta necessidade é ainda maior pois a riqueza anualmente criada por habitante,
medida em PIB per capita, é cerca de 69% da média da U.E. É certo que se fossem
corrigidas as graves desigualdades que existem Portugal - as maiores em toda a
União Europeia - isso permitiria disponibilizar mais recursos para investir,
mas mesmo assim a necessidade de uma estratégia continuava a ser necessária.
Vou analisar muito brevemente dois sectores importantes e
diferentes- o sector de saúde e o sector de transportes - em que, a nosso ver,
a inexistência de estratégias de investimento adequadas às necessidades de
desenvolvimento do País, que orientem os investimentos realizados, tem e está a
determinar distorções e elevados custos para o País e para as populações. É uma
forma também de mostrar, de uma forma mais clara, a necessidade de definir
previamente uma estratégia para qualquer politica de investimentos e que a
recusa em fazê-lo só poderá determinar elevados custos.
SECTOR DA SAÚDE. Para mostrar rapidamente a
necessidade de definir uma estratégia para o sector, coloquemos a seguinte questão::
Deve-se priorizar a promoção da saúde, materializada essencialmente em centros
de saúde, ou a medicina curativa, materializada em hospitais?. A primeira opção
assenta no principio de que é mais correcto e mais barato promover a saúde
evitando assim a doença, enquanto que a segunda considera que o mais importante
é ter hospitais para curar a doença subvalorizando, na prática, a promoção da
saúde. Em Portugal, os governos PS e PDSD/CDS têm escolhido sempre a segunda
opção - curar a doença - desprezando e subvalorizando a promoção da saúde
Alguns dados que provam isso. O SNS tem cerca de 25.000 médios, 18.000 estão
nos Hospitais e apenas 7.000 nos centros de saúde. Em relação aos enfermeiros a
situação é ainda pior: 80% estão nos Hospitais. Relativamente à repartição do
orçamento da saúde, basta dizer que, em 2006, cerca de 53,4% dos custos totais
(ARS+Hospitais) cabiam aos hospitais (SPA+EPE).
Eu não estou a defender que não se construam hospitais e só
se façam centros de saúde. O que estou a dizer é que é necessário definir uma
estratégia clara e depois decidir em função dessa estratégia previamente
debatida e aceite. Se a opção for a promoção da saúde então haverá que afectar
mais meios humanos, financeiros e humanos a ela, o que determina que a construção
de novos hospitais tenha de ser profundamente estudada, porque os meios não são
ilimitados, e os que existem não podem nem devem ser utilizados de uma forma
pouca eficiente. Nesta matéria como em muitas outras não se pode ter apenas uma
visão concelhia, sob pena de se gerar grandes ineficiências. Ela terá de ser
regional e mesmo nacional. O subestimar a definição prévia de uma estratégia
clara, a ausência de debate sobre a estratégia mais adequada poderá levar a que
se alimentem ilusões ou que se considere como única e prioritária algo que deva
ser equiparado a outras coisas, e que se consiga mobilizar a população para a
construção de um novo hospital a nível de concelho , mas já não se consiga
mobilizar a população, porque não se considera muito importante, para a
construção e melhoramento dos centros de saúde, que não são apenas as
instalações, indispensáveis à promoção da saúde.
Outro exemplo: O
SECTOR DE TRANSPORTES. Nós temos em Portugal um sistema de transportes
profundamente distorcido. Tem-se investido fundamentalmente no transporte
rodoviário. Depois das Estradas de Portugal serem transformadas numa SA os
órgãos de informação anunciaram que iam ser dadas concessões a privados para a
construção de mais 1.000 Km de auto-estradas. Construíram centenas de Km de
auto-estradas e destruíram-se simultaneamente centenas de Km de ferrovia.
Entre o transporte rodoviário e o ferroviário/fluvial, os
governos do PS e do PSD/CDS optaram pelo transporte rodoviário que é um
transporte mais caro, poluente e gerador de forte dependência energética.
Assim, Portugal, que não tem petróleo, está desarmado face à energia cara, e ao
barril de petróleo a 100 dólares.
E dentro do transporte rodoviário de pessoas, os governos do
PS e da direita optaram pelo transporte individual. Na região de Lisboa, com
mais de um milhão de habitantes, existem apenas 40Kms de linha de Metro, ou
seja, menos do que num bairro de Paris. Como consequência o transporte
individual, muito mais caro, poluente e gerador de baixa produtividade disparou.
E porque razão isso sucedeu? A meu ver porque não existia nem existe uma
estratégia clara e consistente, adequada as necessidades de desenvolvimento do
País, a nível dos sistema de transportes. A EP-EPE continua a ter um orçamento
que é o dobro do orçamento da REFER. E mesmo dentro do desprezado sector
ferroviário, o governo do PS optou pela alta velocidade em claro prejuízo da
modernização e expansão da rede ferroviária convencional, fundamental para o
desenvolvimento do País.
E os exemplos podiam-se multiplicar: Entre a construção de
10 estádios de futebol e hospitais ou centros de saúde, os governos
Guterres/Barroso optaram pelos estádios de futebol, cuja maioria está hoje
subaproveitada, mas que estão a estrangular financeiramente muitas autarquias
que têm de suportar os seus custos de manutenção.
Há uma verdade que não podemos ter ilusões ou criar falsas
expectativas: quando se investe numa coisa não se poderá, na maioria das
situações reais, investir simultaneamente em muitas outras; porque os recursos
são escassos. Só quando não se compara despesas de investimento com meios
financeiros disponíveis é que se poderá pensar ou ter a ilusão de que tudo é
possível de se fazer e ainda por cima simultaneamente. E isto é valido tanto a
nível de uma família , como de uma câmara como do País. É certo que se pode
recorrer a empréstimos e mesmo ao défice, mas mesmos estes instrumentos têm
limites, e não podem ser utilizados de uma forma indiscriminada e sem uma
prévia avaliação dos custos - benefícios sob a pena de se hipotecar não só o
presente mas também o futuro. A falta de um debate nacional profundo sobre
estas questões tem facilitado, por um lado, que opções de investimento erradas
do governo não tenham uma oposição popular nem depois de serem realizadas não
se peçam responsabilidades e, por outro lado, a elaboração de listas de
investimento sem que esteja subjacente qualquer estratégia orientadora desses
investimentos..
Se passarmos de sectores para o País a distorção no
investimento realizado ainda se torna mais clara pois é maior. E isto porque o
investimento nacional tem sido dominado fundamentalmente pela especulação, pela
politica do betão e pelos interesses dos grandes grupos económicos, em prejuízo
dos interesses de desenvolvimento do País. Assim, se consideramos o período
1995-2002, constatamos que 51,4% de todo o investimento realizado foi na
«Construção»; apenas 23,4% realizou-se em «Equipamentos» e somente 1% na
«Agricultura e Pescas». Mesmo depois de iniciada a crise em 2003, esta relação
profundamente distorcida não se modificou muito. Nos 4 anos decorridos
(2003-2006), 48,9% do investimento continuou a ser na «Construção»; 26,8% em
«Equipamentos» e somente 1% na «Agricultura e Pescas».
Para que se possa ficar com uma ideia mais clara da distorção
que se verifica a nível de investimentos em Portugal determinada por um
apolítica dominada pela especulação e pelos interesses dos grandes grupos
económicos interessa referir o seguinte: em Portugal tem-se investido na
habitação, quando medido em percentagem do PIB, três vezes mais do que em média
nos outros países da União Europeia. E as consequências estão à vista: temos um
parque de mais 400.000 habitações que não estão a ser utilizadas, conjuntamente
com uma parque habitacional em grande parte degradado. Teria sido muito mais
útil e mais barato para o País recuperar as casas degradadas que construir
habitação nova que, em grande número, não está ocupada, porque a maioria da
população que necessita não a pode pagar aos preços especulativos que são vendidas.
Em Portugal, a nível do investimento verifica-se uma
situação dupla e grave: por um lado, o investimento realizado, nomeadamente
quando o medimos em euros por habitante, é muito baixo; e, por outro lado, é um
investimento de má qualidade em termos de eficiência económica e social.
Esta profunda distorção - investimento insuficiente e de má
qualidade - tem afectado negativamente o crescimento económico e o
desenvolvimento e contribuído para a grave crise que o País está mergulhado há
vários anos, e que está a condicionar quer a recuperação económica quer o
futuro do país.
Face a esta realidade torna-se evidente que é urgente romper
com a politica de investimentos que tem sido seguida, que tem sido dominada
pela especulação e pelos interesses dos grandes grupos económicos.
E isto porque, para além de se estar a verificar uma quebra
muito acentuada no investimento em Portugal, estamos confrontados com decisões
deste governo a nível de investimentos que irão condicionar não só o nosso
presente, mas também profundamente o nosso futuro. Estou a pensar não só nos
investimentos faraónicos da OTA e TGV mas também no que está a suceder a nível
das Estradas de Portugal, recentemente transformada em SA, cujo objectivo final
é entregá-la a grupos económicos privados, obrigando os portugueses a pagar
para além dos inúmeros impostos associados à posse e utilização de veículos -
ISP, IA, Imposto de Circulação - e das portagens que já se pagam, muitas outras
nas novas auto-estradas, túneis e pontes que se venham a construir. Estou
igualmente a pensar nas inúmeras Parcerias Público e Privadas que este governo
pretende fazer com grandes grupos económicos privados na área da saúde
(Hospitais PPP), e na área dos transportes que vão hipotecar o País durante
muitos anos no futuro e que, de acordo com dados constantes do Relatório do
Orçamento do Estado para 2008, representam um encargo futuro de mais 15.974,3
milhões de euros só até 2023.
E para romper com a politica de investimentos que tem sido
seguida, é necessário definir previamente uma estratégia e essa estratégia
orientadora do investimento deverá assentar, a meu ver, em considerar como
prioridade a indústria. A indústria deverá ser o motor do crescimento económico
e do desenvolvimento sustentado. Em 2006, 76% do valor das exportações foram de
bens tendo como origem fundamentalmente a industria, e apenas 24% referiam-se a
serviços. No mesmo ano, 86% do valor das nossas importações eram bens e apenas
14% diziam respeito a serviços. E a tarefa não será fácil. Até porque o nosso
País tem sofrido uma profunda desindustrialização devido às politicas seguidas
pelos governos do PS e do PSD/CDS. No período 1980-85, a industria contribuía
com 28% do VAB, ou seja da riqueza nacional e ocupava 29% do emprego, enquanto
em 2006 já contribuía apenas com 15,7%, ou seja, o correspondente a 59% do
valor do período 19890-85, e tinha 18,7% do emprego..
Se analisarmos a evolução da estrutura das exportações
portuguesas concluímos que existem potencialidades elevadas que,
convenientemente aproveitadas, poderão transformar a industria no motor da
recuperação económica e aumentar a capacidade do País para enfrentar com êxito
os desafios da globalização capitalista com que nos confrontamos no momento
actual. Entre 1995 e 2006, a preços constantes de 2000, as exportações totais
portuguesas cresceram 98,3%, sendo a de bens 91,3%, portanto pouco abaixo. E no
período compreendido entre 1990/94 e 2000/04, a exportação dos produtos de
«alta e média alta intensidade tecnológica» aumentaram de 20,6% para 42% das
exportações portuguesas de manufacturas, enquanto o peso dos de «média baixa e
baixa intensidade tecnológica» diminuiu de 73% para 58%.
E embora no período 2000-04 os «têxteis, vestuário, couro e
calçado» representem 23,4% das exportações portuguesas (em 1990/94
representavam 39,2%) os «equipamentos de rádio, TV e comunicações» já
representam 6,1%; as «máquinas e aparelhos eléctricos» 5,7%; «os veículos a
motor» 15%; «os produtos químicos e farmacêuticos» 6,3%; e «as outras máquinas
e equipamentos» 5,8%. Só estes quatro conjuntos de «produtos de alta e média
alta intensidade tecnológica» correspondem a 38,3% das exportações de produtos
manufacturados.
O problema que se coloca neste campo, é que uma parte
importante destas produções são controladas por empresas estrangeiras. E
contrariamente ao que afirmam o governo e os seus defensores, que vêm no
capital estrangeiro a salvação para os problemas de crescimento económico
nacional, este não tem apenas vantagens. Tem também fortes desvantagens. Os
defensores do capital estrangeiro apontam como vantagens nomeadamente a
contribuição para o PIB e exportações e a criação de emprego. Embora nestes
campos possam ser apontados alguns benefícios, é importante não esquecer que
associado ao capital estrangeiro está também o controlo de uma parte importante
da economia e das exportações portuguesas, e até a nível regional e concelhio,
por centros de decisão localizados no estrangeiro, com a consequente sujeição
do governo português aos interesses do capital estrangeiro, assim como
deslocalizações e desemprego, recessão económica e social a nível regional que
sucede quando grandes multinacionais decidem abandonar o País e a região,
transferência de uma parte crescente da riqueza criada no País para o
estrangeiro (até Setembro de 2007, tinham sido transferidos para o estrangeiro
17.000 milhões de euros de rendimento, que correspondia a 11% do PIB do ano).
É necessário uma nova politica de investimentos assente numa
estratégia, ou em estratégias, adequadas às necessidades de desenvolvimento do
País, quer a nível nacional, regional e concelhio, o que pressupõe, a nosso
ver, um profundo, alargado e fundamentado debate colectivo, até para que em
todas as áreas - nacional, regional e concelhio - os investimentos realizados sejam
os mais adequados, e os meios disponíveis sejam utilizados da forma mais
eficiente.
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