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Investimento - Eugénio Rosa, deputado na AR
Sábado, 24 Novembro 2007

 

eugeniorosa1

 

A necessidade de definir previamente uma estratégia de investimento em Portugal

 

O investimento é uma questão chave quer para o combate ao desemprego quer para o desenvolvimento do País. No entanto, falar de investimento não é uma tarefa fácil pois existem muitas ideias erradas sobre o investimento incluindo, a nosso ver, mesmo na área da esquerda. Por isso vou procurar abordar no pouco tempo que tenho muito sinteticamente, embora sem perder o rigor técnico, três questões que me parecem importantes e que são: 1) A necessidade de definir uma estratégia prévia para orientar o investimento; 2) O que devemos priorizar a nível de investimentos; 3) Qual o papel que deve ter o investimento estrangeiro? E isto sem a intenção de apresentar verdades absolutas, mas com o objectivo de contribuir para uma reflexão e debate colectivo que me parece extremamente necessário e urgente.

Uma política de investimentos não pode ser nem é apenas o somatório de investimentos por mais meritórios que eles sejam Uma politica de investimentos consistente pressupõe a definição previa de uma estratégia clara que oriente a escolha dos investimentos a realizar. E isto porque há que definir prioridades, seleccionar investimentos que devem ser realizados e investimentos que não devem ser realizados em cada momento, pois os recursos de um país, como os de qualquer família, não são ilimitados. No caso português esta necessidade é ainda maior pois a riqueza anualmente criada por habitante, medida em PIB per capita, é cerca de 69% da média da U.E. É certo que se fossem corrigidas as graves desigualdades que existem Portugal - as maiores em toda a União Europeia - isso permitiria disponibilizar mais recursos para investir, mas mesmo assim a necessidade de uma estratégia continuava a ser necessária.

Vou analisar muito brevemente dois sectores importantes e diferentes- o sector de saúde e o sector de transportes - em que, a nosso ver, a inexistência de estratégias de investimento adequadas às necessidades de desenvolvimento do País, que orientem os investimentos realizados, tem e está a determinar distorções e elevados custos para o País e para as populações. É uma forma também de mostrar, de uma forma mais clara, a necessidade de definir previamente uma estratégia para qualquer politica de investimentos e que a recusa em fazê-lo só poderá determinar elevados custos.

 

SECTOR DA SAÚDE. Para mostrar rapidamente a necessidade de definir uma estratégia para o sector, coloquemos a seguinte questão:: Deve-se priorizar a promoção da saúde, materializada essencialmente em centros de saúde, ou a medicina curativa, materializada em hospitais?. A primeira opção assenta no principio de que é mais correcto e mais barato promover a saúde evitando assim a doença, enquanto que a segunda considera que o mais importante é ter hospitais para curar a doença subvalorizando, na prática, a promoção da saúde. Em Portugal, os governos PS e PDSD/CDS têm escolhido sempre a segunda opção - curar a doença - desprezando e subvalorizando a promoção da saúde Alguns dados que provam isso. O SNS tem cerca de 25.000 médios, 18.000 estão nos Hospitais e apenas 7.000 nos centros de saúde. Em relação aos enfermeiros a situação é ainda pior: 80% estão nos Hospitais. Relativamente à repartição do orçamento da saúde, basta dizer que, em 2006, cerca de 53,4% dos custos totais (ARS+Hospitais) cabiam aos hospitais (SPA+EPE).

Eu não estou a defender que não se construam hospitais e só se façam centros de saúde. O que estou a dizer é que é necessário definir uma estratégia clara e depois decidir em função dessa estratégia previamente debatida e aceite. Se a opção for a promoção da saúde então haverá que afectar mais meios humanos, financeiros e humanos a ela, o que determina que a construção de novos hospitais tenha de ser profundamente estudada, porque os meios não são ilimitados, e os que existem não podem nem devem ser utilizados de uma forma pouca eficiente. Nesta matéria como em muitas outras não se pode ter apenas uma visão concelhia, sob pena de se gerar grandes ineficiências. Ela terá de ser regional e mesmo nacional. O subestimar a definição prévia de uma estratégia clara, a ausência de debate sobre a estratégia mais adequada poderá levar a que se alimentem ilusões ou que se considere como única e prioritária algo que deva ser equiparado a outras coisas, e que se consiga mobilizar a população para a construção de um novo hospital a nível de concelho , mas já não se consiga mobilizar a população, porque não se considera muito importante, para a construção e melhoramento dos centros de saúde, que não são apenas as instalações, indispensáveis à promoção da saúde.

 

Outro exemplo: O SECTOR DE TRANSPORTES. Nós temos em Portugal um sistema de transportes profundamente distorcido. Tem-se investido fundamentalmente no transporte rodoviário. Depois das Estradas de Portugal serem transformadas numa SA os órgãos de informação anunciaram que iam ser dadas concessões a privados para a construção de mais 1.000 Km de auto-estradas. Construíram centenas de Km de auto-estradas e destruíram-se simultaneamente centenas de Km de ferrovia.

Entre o transporte rodoviário e o ferroviário/fluvial, os governos do PS e do PSD/CDS optaram pelo transporte rodoviário que é um transporte mais caro, poluente e gerador de forte dependência energética. Assim, Portugal, que não tem petróleo, está desarmado face à energia cara, e ao barril de petróleo a 100 dólares.

E dentro do transporte rodoviário de pessoas, os governos do PS e da direita optaram pelo transporte individual. Na região de Lisboa, com mais de um milhão de habitantes, existem apenas 40Kms de linha de Metro, ou seja, menos do que num bairro de Paris. Como consequência o transporte individual, muito mais caro, poluente e gerador de baixa produtividade disparou. E porque razão isso sucedeu? A meu ver porque não existia nem existe uma estratégia clara e consistente, adequada as necessidades de desenvolvimento do País, a nível dos sistema de transportes. A EP-EPE continua a ter um orçamento que é o dobro do orçamento da REFER. E mesmo dentro do desprezado sector ferroviário, o governo do PS optou pela alta velocidade em claro prejuízo da modernização e expansão da rede ferroviária convencional, fundamental para o desenvolvimento do País.

E os exemplos podiam-se multiplicar: Entre a construção de 10 estádios de futebol e hospitais ou centros de saúde, os governos Guterres/Barroso optaram pelos estádios de futebol, cuja maioria está hoje subaproveitada, mas que estão a estrangular financeiramente muitas autarquias que têm de suportar os seus custos de manutenção.

Há uma verdade que não podemos ter ilusões ou criar falsas expectativas: quando se investe numa coisa não se poderá, na maioria das situações reais, investir simultaneamente em muitas outras; porque os recursos são escassos. Só quando não se compara despesas de investimento com meios financeiros disponíveis é que se poderá pensar ou ter a ilusão de que tudo é possível de se fazer e ainda por cima simultaneamente. E isto é valido tanto a nível de uma família , como de uma câmara como do País. É certo que se pode recorrer a empréstimos e mesmo ao défice, mas mesmos estes instrumentos têm limites, e não podem ser utilizados de uma forma indiscriminada e sem uma prévia avaliação dos custos - benefícios sob a pena de se hipotecar não só o presente mas também o futuro. A falta de um debate nacional profundo sobre estas questões tem facilitado, por um lado, que opções de investimento erradas do governo não tenham uma oposição popular nem depois de serem realizadas não se peçam responsabilidades e, por outro lado, a elaboração de listas de investimento sem que esteja subjacente qualquer estratégia orientadora desses investimentos..

Se passarmos de sectores para o País a distorção no investimento realizado ainda se torna mais clara pois é maior. E isto porque o investimento nacional tem sido dominado fundamentalmente pela especulação, pela politica do betão e pelos interesses dos grandes grupos económicos, em prejuízo dos interesses de desenvolvimento do País. Assim, se consideramos o período 1995-2002, constatamos que 51,4% de todo o investimento realizado foi na «Construção»; apenas 23,4% realizou-se em «Equipamentos» e somente 1% na «Agricultura e Pescas». Mesmo depois de iniciada a crise em 2003, esta relação profundamente distorcida não se modificou muito. Nos 4 anos decorridos (2003-2006), 48,9% do investimento continuou a ser na «Construção»; 26,8% em «Equipamentos» e somente 1% na «Agricultura e Pescas».

Para que se possa ficar com uma ideia mais clara da distorção que se verifica a nível de investimentos em Portugal determinada por um apolítica dominada pela especulação e pelos interesses dos grandes grupos económicos interessa referir o seguinte: em Portugal tem-se investido na habitação, quando medido em percentagem do PIB, três vezes mais do que em média nos outros países da União Europeia. E as consequências estão à vista: temos um parque de mais 400.000 habitações que não estão a ser utilizadas, conjuntamente com uma parque habitacional em grande parte degradado. Teria sido muito mais útil e mais barato para o País recuperar as casas degradadas que construir habitação nova que, em grande número, não está ocupada, porque a maioria da população que necessita não a pode pagar aos preços especulativos que são vendidas.

Em Portugal, a nível do investimento verifica-se uma situação dupla e grave: por um lado, o investimento realizado, nomeadamente quando o medimos em euros por habitante, é muito baixo; e, por outro lado, é um investimento de má qualidade em termos de eficiência económica e social.

Esta profunda distorção - investimento insuficiente e de má qualidade - tem afectado negativamente o crescimento económico e o desenvolvimento e contribuído para a grave crise que o País está mergulhado há vários anos, e que está a condicionar quer a recuperação económica quer o futuro do país.

Face a esta realidade torna-se evidente que é urgente romper com a politica de investimentos que tem sido seguida, que tem sido dominada pela especulação e pelos interesses dos grandes grupos económicos.

E isto porque, para além de se estar a verificar uma quebra muito acentuada no investimento em Portugal, estamos confrontados com decisões deste governo a nível de investimentos que irão condicionar não só o nosso presente, mas também profundamente o nosso futuro. Estou a pensar não só nos investimentos faraónicos da OTA e TGV mas também no que está a suceder a nível das Estradas de Portugal, recentemente transformada em SA, cujo objectivo final é entregá-la a grupos económicos privados, obrigando os portugueses a pagar para além dos inúmeros impostos associados à posse e utilização de veículos - ISP, IA, Imposto de Circulação - e das portagens que já se pagam, muitas outras nas novas auto-estradas, túneis e pontes que se venham a construir. Estou igualmente a pensar nas inúmeras Parcerias Público e Privadas que este governo pretende fazer com grandes grupos económicos privados na área da saúde (Hospitais PPP), e na área dos transportes que vão hipotecar o País durante muitos anos no futuro e que, de acordo com dados constantes do Relatório do Orçamento do Estado para 2008, representam um encargo futuro de mais 15.974,3 milhões de euros só até 2023.

E para romper com a politica de investimentos que tem sido seguida, é necessário definir previamente uma estratégia e essa estratégia orientadora do investimento deverá assentar, a meu ver, em considerar como prioridade a indústria. A indústria deverá ser o motor do crescimento económico e do desenvolvimento sustentado. Em 2006, 76% do valor das exportações foram de bens tendo como origem fundamentalmente a industria, e apenas 24% referiam-se a serviços. No mesmo ano, 86% do valor das nossas importações eram bens e apenas 14% diziam respeito a serviços. E a tarefa não será fácil. Até porque o nosso País tem sofrido uma profunda desindustrialização devido às politicas seguidas pelos governos do PS e do PSD/CDS. No período 1980-85, a industria contribuía com 28% do VAB, ou seja da riqueza nacional e ocupava 29% do emprego, enquanto em 2006 já contribuía apenas com 15,7%, ou seja, o correspondente a 59% do valor do período 19890-85, e tinha 18,7% do emprego..

Se analisarmos a evolução da estrutura das exportações portuguesas concluímos que existem potencialidades elevadas que, convenientemente aproveitadas, poderão transformar a industria no motor da recuperação económica e aumentar a capacidade do País para enfrentar com êxito os desafios da globalização capitalista com que nos confrontamos no momento actual. Entre 1995 e 2006, a preços constantes de 2000, as exportações totais portuguesas cresceram 98,3%, sendo a de bens 91,3%, portanto pouco abaixo. E no período compreendido entre 1990/94 e 2000/04, a exportação dos produtos de «alta e média alta intensidade tecnológica» aumentaram de 20,6% para 42% das exportações portuguesas de manufacturas, enquanto o peso dos de «média baixa e baixa intensidade tecnológica» diminuiu de 73% para 58%.

E embora no período 2000-04 os «têxteis, vestuário, couro e calçado» representem 23,4% das exportações portuguesas (em 1990/94 representavam 39,2%) os «equipamentos de rádio, TV e comunicações» já representam 6,1%; as «máquinas e aparelhos eléctricos» 5,7%; «os veículos a motor» 15%; «os produtos químicos e farmacêuticos» 6,3%; e «as outras máquinas e equipamentos» 5,8%. Só estes quatro conjuntos de «produtos de alta e média alta intensidade tecnológica» correspondem a 38,3% das exportações de produtos manufacturados.

O problema que se coloca neste campo, é que uma parte importante destas produções são controladas por empresas estrangeiras. E contrariamente ao que afirmam o governo e os seus defensores, que vêm no capital estrangeiro a salvação para os problemas de crescimento económico nacional, este não tem apenas vantagens. Tem também fortes desvantagens. Os defensores do capital estrangeiro apontam como vantagens nomeadamente a contribuição para o PIB e exportações e a criação de emprego. Embora nestes campos possam ser apontados alguns benefícios, é importante não esquecer que associado ao capital estrangeiro está também o controlo de uma parte importante da economia e das exportações portuguesas, e até a nível regional e concelhio, por centros de decisão localizados no estrangeiro, com a consequente sujeição do governo português aos interesses do capital estrangeiro, assim como deslocalizações e desemprego, recessão económica e social a nível regional que sucede quando grandes multinacionais decidem abandonar o País e a região, transferência de uma parte crescente da riqueza criada no País para o estrangeiro (até Setembro de 2007, tinham sido transferidos para o estrangeiro 17.000 milhões de euros de rendimento, que correspondia a 11% do PIB do ano).

É necessário uma nova politica de investimentos assente numa estratégia, ou em estratégias, adequadas às necessidades de desenvolvimento do País, quer a nível nacional, regional e concelhio, o que pressupõe, a nosso ver, um profundo, alargado e fundamentado debate colectivo, até para que em todas as áreas - nacional, regional e concelhio - os investimentos realizados sejam os mais adequados, e os meios disponíveis sejam utilizados da forma mais eficiente.