Intervenção

Intervenção de Bernardino Soares

 

Elimina os mecanismos de aumento do horário de trabalho

Sr. Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados:

No fundo, a questão que está presente neste debate (projecto de lei nº 8/XI) é a de saber onde é que cada força política traça a linha de defesa dos direitos dos trabalhadores e como é que se posiciona perante a dicotomia entre o trabalho e o capital, entre o empregador e o empregado.

Perante esta contradição de interesses que se verifica, em que as partes, ao contrário do que muitos discursos aqui querem fazer crer, não têm as mesmas armas, não são iguais perante a realidade, a lei tem de proteger a parte que é mais fraca e não tratar as partes de forma equiparada. Foi isso que a Constituição de 1976 impôs à legislação do trabalho e é isso mesmo que está a ser violado nestas leis laborais, designadamente pelo Partido Socialista, que esteve do lado dos direitos dos trabalhadores na Constituição de 1976.

Aliás, quem ouvisse, sem olhar para as bancadas, os discursos que aqui foram feitos pelo PS, pelo PSD e pelo CDS, provavelmente, teria dificuldade em dizer qual dos Deputados era do PS, do PSD ou do CDS, tal foi a identificação dos discursos e o carácter retrógrado das afirmações.

Poderíamos falar aqui de muitos mais exemplos que têm chegado ao nosso conhecimento, como o da Citroën, em Mangualde, que aplicou um banco de horas antes mesmo de ele existir na lei e que obriga os trabalhadores que gozam licença de maternidade e de paternidade ou que pedem dispensa para assistência à família a compensar obrigatoriamente esses dias ao fim-de-semana, porque é esse o interesse da empresa. É esta a conciliação do Partido Socialista! É esta a conciliação dos partidos da direita!

Falou-se aqui muito de competitividade, mas nós já sabemos o que é que isso quer dizer: é sempre a aumentar a exploração à custa de quem trabalha. Nunca é, por exemplo, a atacar os privilégios da EDP, para diminuir os custos de produção, é sempre a diminuir os direitos dos trabalhadores!

Agora, já ouvimos o patronato, com a arma da caducidade das contratações colectivas que o PS lhe deu, a dizer, como dizia um dia destes o Vice-Presidente da Toyota, que a alternativa que é dada às empresas com este contrato colectivo é a de pagar o trabalho suplementar ao fim-de-semana ou perder uma encomenda por não a conseguirem fazer dentro do prazo.

Se há trabalho extraordinário, é preciso pagá-lo, e é preciso pagá-lo condignamente. Essa não é a alternativa que os patrões querem; o que eles querem é trabalho extraordinário com horários alargados, mas sem pagamento, de borla, à custa do esforço dos trabalhadores, não recompensado.

E quem aqui tanto falou de competitividade sabe bem que o que está em causa é isto.

O Partido Socialista disse aqui, pela voz de um dos seus Deputados, que estava preocupado com as horas extraordinárias não pagas. Mas qual é a solução do PS para isto? É simples: elas deixam de ser extraordinárias, logo deixarão de ser pagas e já não há qualquer problema. Fica contente o patrão e fica prejudicado o trabalhador.

Há quem diga também que há uma contradição entre o combate ao desemprego e este projecto de lei que aqui apresentamos. Nada de mais falso! O que acontece é que muitos grupos económicos que utilizam estes mecanismos de flexibilidade do horário de trabalho estão, com isso, a evitar contratar mais pessoas para postos de trabalho que realmente existem, mas que eles não querem criar, porque, assim, lhes sai mais barato, explorando mais os trabalhadores.

É isso que está em causa.

Não existe qualquer promoção da competitividade em permitir que os grupos da distribuição explorem mais os trabalhadores sem lhes pagarem condignamente. Isso não é a favor da competitividade, é contra a criação de emprego e é a favor do aumento do desemprego.

No fundo, a questão que hoje temos aqui é a de saber, nesta sociedade desenvolvida em que queremos viver, a quem é que deve aproveitar o progresso, se é possível aceitar que, quando o mundo, a tecnologia e a ciência progridem, aqueles que trabalham e criam a riqueza tenham de regredir nos seus direitos. Nós dizemos que não é possível aceitar isso e não aceitaremos que essa realidade se torne verdadeira.

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