Intervenção de João Amaral na Assembleia de República

Conceito estratégico da NATO

O Governo vem aqui, hoje, explicar as posições que, alegadamente, assumiu, em nome de Portugal, durante a Cimeira de Washington, sobre o novo Conceito Estratégico da NATO. Mas o Governo está aqui, não por querer vir à Assembleia da República, não por isso ser do seu empenhamento e vontade, mas, pura e simplesmente, por ter sido obrigado a comparecer, face ao escândalo que estava a gerar a falta de informação e prestação de contas sobre a matéria em que mantinha o País e face à iniciativa do PCP de exigir este debate em que estamos e que deixou o Governo sem fuga nem alternativa.

Quem fugiu foi o Sr. Primeiro-Ministro e era ele que devia dar-nos explicações aqui, era a ele que tinha de pedir-se esclarecimentos.

Foi ele quem esteve em Washington e aí aprovou os documentos resultantes da Cimeira. Foi ele que representou o Governo junto do Sr. Clinton e dos restantes responsáveis da NATO. Mas não é ele que vem aqui, como Chefe do Governo, explicar o que só o Chefe do Governo pode fazer em nome de todo o Governo.

Se esta Assembleia fosse uma «câmara de eco» ou se os Srs. Deputados, em vez de terem olhos, ouvidos e bocas, fossem solícitas câmaras de televisão, então, o Sr. Primeiro-Ministro não faltaria, porque para a propaganda como para os solilóquios sem réplica, o Sr. Primeiro-Ministro está sempre pronto.
Mas VV. Ex.ªs vêem, ouvem e falam. Por isso, o Sr. Primeiro-Ministro não desce do alto «patamar» do Sr. Clinton para este prosaico «patamar» que é a Assembleia da República, onde estamos.
Ou talvez o Sr. Primeiro-Ministro saiba que este debate trará, forçosamente, para cima da mesa várias questões incómodas: a questão da guerra contra a Jugoslávia; o facto de esta guerra, pondo em execução o novo Conceito Estratégico da NATO, mesmo antes da sua discussão em Washington, ter servido de forma de pressão para essa aprovação; a questão da legitimidade da NATO; a questão de desconformidade do novo conceito com a lei internacional e com a Constituição Portuguesa; os efeitos negativos deste novo conceito sobre Portugal e a sua esfera própria de interesses; e a menorização da Europa, reduzida ao servilismo face à superpotência única.

Mas sejam quais forem as suas razões, sejam elas mais ou menos confessáveis ou não, nenhuma justifica que o Primeiro-Ministro falte à chamada e não venha, ele próprio, a este debate parlamentar.

O Sr. Primeiro-Ministro, faltando, ou mostra que não compreende o alcance político e jurídico dos documentos que subscreve em Washington, ou mostra que lhe falta coragem para enfrentar as questões que aqui, forçosamente, lhe vão ser postas, designadamente pelo PCP.

Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O novo Conceito Estratégico da NATO não nasceu do nada. Ele vem a ser preparado há longo tempo. Desde logo, na opção inicial tomada após a autoliquidação do Pacto de Varsóvia e a destruição da União Soviética. Nesse momento chave da História, a opção que, logicamente, seria de esperar seria a do caminho da dissolução da NATO.

Esta, como aliança militar, tinha a sua autojustificação política na existência do Pacto de Varsóvia e na confrontação global Leste-Oeste. Desaparecida a outra parte, a NATO perdia essa autojustificação em benefício dos sistemas de segurança, particularmente em benefício da Organização de Segurança e Cooperação da Europa (OSCE), que entretanto se formou, e a favor da ONU.

É preciso acentuar mais uma vez que a NATO é uma aliança político-militar, que reúne Estados e as suas Forças Armadas para se organizarem para combater inimigos. Ao contrário, num sistema de segurança e cooperação, a filosofia é a junção, no mesmo fórum político, de todos os que partilham determinada região, mesmo que com interesses contraditórios, para estabelecer regras de cooperação, medidas de confiança, troca de informação estratégica, acordos de equilíbrio militar e de transparência e tudo o mais que possa contribuir para prevenir, impedir e controlar qualquer conflito.

Um sistema de segurança e cooperação, sem que isso seja o seu objectivo principal, pode reunir ou ter forças militares preparadas para missões determinadas, sempre debaixo da autoridade do Conselho de Segurança, nos termos da Carta das Nações Unidas. Mas nem esse é o seu objectivo principal nem essas forças definem inimigos, são forças para a prevenção e manutenção da paz.

A aprovação da Carta de Paris e da OSCE apontavam esse caminho e se ele tivesse sido percorrido, teríamos já hoje, certamente, um novo clima de segurança na Europa, não assente na desconfiança e no poder militar, mas, pelo contrário, assente no controlo do armamento, na confiança e na cooperação.

Mas não foi esse o caminho que interessou à superpotência única, os Estados Unidos, nem aos mais poderosos países europeus. À esperança dos povos de se construir a paz, as lideranças desses países opuseram a política dos interesses, garantidos pelo domínio político-militar. Contra a vontade da paz e cooperação, a NATO recebeu um novo impulso, proeurou novas justificações, manteve a mesma doutrina de emprego da força nuclear com a admissão do seu emprego por iniciativa própria, reorganizou o aparelho militar privilegiando não as clássicas unidades territoriais vocacionadas para a defesa mas forças integradas, multinacionais abrangendo os vários ramos vocacionados para o ataque, e possuindo rápida mobilidade e flexibilidade que permita a sua deslocação e emprego no exterior; reorganizou paralelamente o sistema de comandos, mas de qualquer forma mantendo sempre os Estados Unidos o seu domínio completo; desenvolveu uma política de absorção e controlo de outros Estados, através de mecanismos vários, desde o Conselho de Cooperação do Atlântico Norte, passando pela parceria para a paz, até ao Conselho de Parceria Euro-Atlântico, criado em Sintra há dois anos.
Srs. Deputados, este Conselho abrange 44 dos 54 países que vão desde Vancouver a Vladivostok. De fora ficam: a Jugoslávia, a Irlanda, a Bósnia, a Croácia e depois alguns mini-países como a Santa-Sé. Este Conselho cobre assim o território da OSCE, Organização de Segurança e Cooperação Europeia, minando o seu papel e actividade. Simultaneamente, a NATO alarga-se, de jure, com a adesão agora ocorrida da Polónia, Hungria e República Checa, apesar dos protestos da Rússia que vê nessa aproximação da NATO às suas fronteiras novos factores de insegurança.

Estes anos, que se esperava que permitissem maior segurança e cooperação foram, afinal, anos que serviram para reforçar a capacidade agressiva da NATO e o comando superior americano que, embora concedendo a existência de uma identidade europeia de segurança e defesa, não abdica de nenhuma das suas prerrogativas essenciais.

Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados, a aprovação do novo Conceito Estratégico da NATO remata este processo da pior maneira possível. Os chefes de Estado e de Governo que se reuniram em Washington, em 23 e 24 de Abril, aprovaram um documento que naquilo que é essencial representa um brutal retrocesso no Direito Internacional.
É a substituição dos princípios do respeito da soberania e do recurso à força, limitado nos termos da Carta das

Nações Unidas, pela arrogante afirmação do poder imperial dos Estados Unidos e da NATO, fundada no juízo em causa própria e na auto-atribuição de um poder de intervenção militar à margem e contra as Nações Unidas.
A NATO assume-se como organização com vertente ofensiva, abandonando de vez o que durante anos proclamou e como ponto chave da sua propaganda, isto é, abandonou formalmente a auto proclamada natureza defensiva. Só o Sr. Dr. José Manuel Fernandes é que não deu por isso e continua a pensar que a NATO é uma organização exclusivamente defensiva. Bem haja!

A NATO alargou a sua área de actuação, abandonando a circunscrição ao território definido no artigo 85.º do Tratado constitutivo e alargando-a a toda a zona dos interesses políticos que prossegue. O adversário deixa de estar a Leste e passa a estar onde houver quem se oponha aos interesses próprios da NATO.

Finalmente, a NATO viola a obrigatoriedade de mandato do Conselho de Segurança da ONU para a realização de operações de guerra, arrogando-se o direito de as decidir e executar à margem da ONU e, simultaneamente, a NATO reafirma as opções que já vinha executando, quanto à reorganização e redireccionamento no sentido ofensivo do seu aparelho militar e na manutenção da vertente nuclear e da doutrina do primeiro emprego.

Certamente bastará esta descrição para compreender porque se tem de chamar de chocante e brutal a regressão no Direito Internacional que este novo conceito representa. Onde está o respeito pelo princípio da igualdade soberana dos Estados? Ou pelo princípio da regulação dos diferendos por meios pacíficos? Ou pelo princípio da proibição da ameaça de recurso à força?

O que mais choca a consciência jurídica e de progresso é a arrogância com que a NATO, armada em dona do mundo, viola um património de Direito Internacional que foi construído sobre tanta dor e tanta morte, um património que recebeu um enorme impulso qualitativo com a derrota da barbárie nazi, um património com um valor ético superior que o império Estados Unidos/NATO quer rasgar despudoradamente.

Este novo conceito tem também a característica de já estar em execução quando foi aprovado. É esse, aliás, um dos significados da guerra na Jugoslávia, que serviu, além de tudo o mais, para matar no ovo qualquer pretensão de questionar o novo conceito. Quando foi submetida à aprovação como doutrina, já o novo conceito era a doutrina que enformava a mais espectacular e brutal operação que a NATO executou ao longo dos seus 50 anos de vida.

Quando se fizer a história do desastre humanitário e civilizacional que é esta guerra, quando se conhecerem os meandros das decisões tomadas, os historiadores vão defrontar-se com sinais indesmentíveis de que a guerra foi declarada não por causa dos kosovares, mas por causa dos interesses da NATO.

Basta analisar a história das negociações de Rambouillet e Paris. A parte jugoslava aceitou e reconheceu ao Kosovo um estatuto com uma altíssima autonomia que abrangia uma Constituição própria, com parlamento, poder executivo e poder judicial próprios. A componente civil do acordo foi aceite pela Jugoslávia, a parte militar é que não foi. Essa parte incluía a presença das forças da NATO no território. Conhece-se agora, depois de ter sido escondido durante muito tempo, o texto integral dessa parte militar dos acordos, incluindo o seu anexo B e este anexo, sobre o estatuto da força, estabelecia ou pretendia estabelecer o direito das forças da NATO de circularem livremente e com prioridade por toda a Jugoslávia, aquartelarem em qualquer ponto do território, controlarem o espaço rádio-eléctrico e o espaço aéreo e marítimo, modificarem as infra-estruturas de comunicações em qualquer ponto do território jugoslavo, etc., etc., etc.

A guerra é assim declarada quando a Jugoslávia tinha aceite e estavam no Kosovo mais de 1000 observadores, quando a Jugoslávia já tinha aceite uma autonomia para o Kosovo que era uma espécie de «independência» dentro da fronteira. Só não aceitou o que nenhum país do mundo pode aceitar e que era um completo abuso e uma total desproporção de facilidades, que a NATO exigia, e que na prática se traduziam na ocupação e controlo militar de toda a Jugoslávia pela NATO.

O resultado desta guerra está à vista. Se a situação humanitária dos kosovares era grave, havendo, nessa altura, no início da guerra, calcula-se que 60 000 refugiados, hoje ela é muitíssimo mais grave. E como explica a NATO as suas relações com o UÇK, o grupo financiado pelo dinheiro da droga e apoiado pelo Hamas e outros grupos fundamentalistas islâmicos? O despudor e a vergonha desta operação foi até ao ponto de terem lançado a operação aérea contando com o UÇK no terreno, porque o UÇK estava no terreno instalado no Kosovo, com pelo menos 10 pontos ocupados, incluindo alguns, a norte de Pristina. Ao UÇK parece que cabia o trabalho em terra, isto é, a NATO sabia e queria, desde o começo, que no terreno se desenvolvesse uma batalha entre o exército jugoslavo e o UÇK, batalha que nas contas da NATO, com os bombardeamento aéreos, o UÇK ganharia.
A batalha, ao que parece, correu ao contrário. Mas a NATO continua a guerra, sem saída militar, mas satisfeita, claro, com o novo conceito aprovado e um campo de batalha para destruições selectivas, experimentação de novas armas e renovação dos stocks de guerra tal como as indústrias militares precisam.

O despudor é tal que só três semanas após o início da guerra decidiram fazer um embargo que deveriam ter accionado na ONU antes de qualquer operação militar.
O bombardeamento da Embaixada da China prova o nível provocatório e arrogante a que a NATO chegou e a única explicação dada publicamente foi a de um mapa

desactualizado. A CIA tinha um mapa desactualizado!... Eu confio na CIA... Esta é uma explicação absolutamente ridícula, pois o nível de informação que os Estados Unidos têm é absolutamente incompatível com essa explicação. Onde é a Embaixada da China em Belgrado qualquer um dos Srs. Deputados pode sabê-lo pelo recurso directo à Internet.

A NATO continua a justificar a guerra e o cortejo de bárbaras mortes e destruições, descritas com a consigna chocante e desumana de «efeitos colaterais», com Milosevic e as perseguições étnicas. O croata Tudjman também fez perseguições étnicas contra sérvios e muçulmanos, só na Kraina foram mais de 200 000, no entanto, nunca foi bombardeado. O que distingue as situações? E que Tudjman é alinhado com a NATO, enquanto Milosevic, pelos vistos, é desalinhado.

O novo conceito da NATO não é aprovado por razões estritamente de domínio militar. Ele existe para ser um instrumento para as concepções e políticas de domínio económico e financeiro e como garantia do processo de globalização no modelo definido pelo neoliberalismo como o desejam, antes de ninguém, os Estados Unidos.

Num processo como este, os recalcitrantes têm de ser metidos na ordem. Se não alinharem a bem têm de alinhar à bastonada, se não chegarem as várias «cenouras» que lhe vão sendo oferecidas, então, há sempre o cacete NATO para lhes tentar fazer dobrar o joelho.

Sr. Presidente, Srs. Deputados, o novo Conceito Estratégico da NATO contém objectivos e conceitos incompatíveis com normas de direito internacional e de pactos internacionais e com normas internas de natureza constitucional. Por isso, para além da critica que lhe fazemos, a realidade é que o novo Conceito Estratégico da Aliança Atlântica não pode vincular legalmente Portugal.

Para poder vincular legalmente Portugal não só teria de ser alterado o próprio Tratado constitutivo da NATO, e até a Carta das Nações Unidas, como teria ainda de ser feita uma radical alteração ao artigo 7.º da Constituição da República.

De facto a Constituição, neste artigo 7.º, impõe ao País reger-se nas relações internacionais pelos princípios do respeito da soberania, independência e igualdade dos Estados, da não ingerência nos assuntos internos nos Estados e da solução pacífica dos conflitos.

Estes princípios não são preferíveis nem excepcionáveis. Aliás, como todos os Srs. Deputados sabem, na revisão constitucional foi bastante discutida a inscrição de um direito de ingerência que não teve acolhimento e se o tivesse violaria a Carta das Nações Unidas, mas dirão, entretanto, que o artigo 275.º, n.º 5, prevê que as Forças Armadas possam participar em missões humanitárias, só que essas missões têm de se conformar não só ao artigo 7.º da Constituição como também às regras do Direito Internacional, incluindo as regras da Carta das Nações Unidas.

Ora, a Carta não tem duas leituras. Ela considera ilegítimo o uso da força (artigo 2.º) postula o princípio da não ingerência, artigo 2.º, n.º 7, advoga a solução política dos conflitos (artigo 33.º) e só admite a excepção do uso da força nos estritos limites do capítulo VII, com aprovação do Conselho de Segurança, em missões a serem executadas por forças da ONU, decididas depois do fracasso de todas as medidas não militares, e, em qualquer caso, só para repor a paz entre Estados e o Direito Internacional. Quanto a organizações regionais com feição militar, a Carta admite-as, mas desde que aceitem e se compatibilizem com o estatuto da Carta.
Srs. Deputados, isto é: enquanto a Constituição da República Portuguesa está, efectivamente, de acordo com a Carta das Nações Unidas, o novo Conceito Estratégico da NATO viola-a. Mas não só: viola também o próprio Tratado de Washington de 1949, o acto fundador da Aliança Atlântica e que nos seus artigos 5.º e 6.º circunscreve o seu objecto no campo da acção militar à defesa dos seus membros contra ataques externos, e à área assim desenhada nesse artigo 5.º

Por outro lado, no artigo 7.º o Tratado afirma a prevalência da Carta das Nações Unidas, incluindo a responsabilidade primordial do Conselho de Segurança, responsabilidade que, como se viu, o novo conceito admite derrogar por decisão unilateral da NATO.

Ainda no plano da legalidade, o novo conceito da NATO viola também a Acta Final de Helsínquia e a Carta de Paris, documentos que dão fundamento à OSCE.
Além da ONU a principal vítima deste novo conceito, no plano das organizações internacionais, é inquestionavelmente a Organização de Segurança e Cooperação Europeia.

Sr. Presidente, Srs. Deputados, um dos pontos que os defensores deste novo Conceito Estratégico da NATO assinalam chamando-lhe positivo é a referência à identidade europeia de defesa e segurança, o proclamado pilar europeu da NATO. Esta referência não é nova. Os partidários da NATO mostram-se muito satisfeitos por os Estados Unidos autorizarem a Europa a existir militarmente, mas sabe-se o que isso significa no plano prático, serão sempre os Estados Unidos que deterão os comandos supremos sentados na sua esmagadora superioridade militar, qualitativa e quantitativa.
Com a guerra à Jugoslávia, a superioridade americana foi esmagadora. No campo diplomático praticamente são sempre americanos a liderar as operações diplomáticas e delegações de organizações internacionais, tal como no

campo militar onde desde os comandos e porta-vozes até ao sistema de satélites e à aviação operacional é tudo americano. A Europa, muitos o disseram, soçobrou nas decisões e na execução desta guerra. Apareceu por isso publicamente a ideia do exército europeu.
O PCP não construiu as suas opiniões sobre esta matéria nos últimos dias. Temos posições claras e cito o programa do PCP, aprovado em Dezembro de 1996, que sobre a NATO, diz o seguinte: «Portugal, nas suas relações com a NATO, deve pautar-se pelo objectivo do desmantelamento total das alianças político-militares e, neste sentido, deve defender a desactivação da estrutura militar da NATO, da qual se deve progressivamente desvincular. Portugal está vitalmente interessado no processo de desarmamento e no reforço dos mecanismos internacionais de segurança colectiva».

Se a NATO, na década que passou em vez de ter seguido o caminho de recuperar e refundar a NATO dando-lhe uma vertente ofensiva, tivesse apostado fortemente na cooperação, no desarmamento controlado, no estabelecimento de medidas de confiança incluindo com a Rússia e a Ucrânia, e principalmente na dinamização e reforço da Organização de Segurança e Cooperação Europeia, esta era uma aposta essencial de todo o processo de construção da segurança na Europa, se isso tivesse sucedido, hoje, a situação da segurança na Europa seria substancialmente diferente. Claro que isso implicaria que, ao contrário do que fez, por exemplo, a Alemanha, não se tivesse alimentado o espírito de confronto dentro da ex-Jugoslávia, como fez a Alemanha, em 1992, quando reconheceu unilateralmente a Croácia e a Eslovénia abrindo caminho para os desastres que depois ocorreram e implicaria, também, que .em vez do cerco à Rússia, de que o melhor exemplo é o alargamento da NATO, bem como a guerra levada à área da religião ortodoxa e etnia eslava, se estabelecessem regras de cooperação e confiança sem a má-fé que hoje pauta as relações da NATO com a Rússia.

A defesa da criação de um exército europeu não é uma inflexão das linhas políticas do novo Conceito Estratégico dá NATO, significa acrescentar instrumentos de guerra aos instrumentos de guerra que já existem; significa juntar guerra à guerra, além de significar um enormíssimo passo qualitativo no sentido da construção da Europa federal. O exército europeu não é a afirmação de um espaço europeu de cooperação e segurança e não é a afirmação do respeito da identidade própria e soberana das nações europeias e da sua liberdade e independência.
Não se trata de questionar as necessidades de cooperação da União Europeia na frente externa, mas onde a União Europeia se reforça nesse âmbito é, por exemplo, em algumas posições que tomou face ao problema de Timor e que certamente contribuíram para a evolução do problema, não é seguramente com uma vertente militar agressiva que a União Europeia contribui para a paz e a segurança.

Nem é esta a posição que decorre da Constituição da República Portuguesa e vou ler um documento subversivo que diz o seguinte: «Portugal rege-se nas relações internacionais pelos princípios da independência nacional, de respeito pelos Direitos do Homem, dos direitos dos povos, da igualdade entre os Estados, da solução pacífica dos conflitos internacionais, da não ingerência nos assuntos internos dos outros Estados e da cooperação com todos os outros povos para a emancipação e o progresso da Humanidade. Portugal preconiza a abolição do imperialismo, do colonialismo e de quaisquer outras formas de agressão, domínio e exploração nas relações entre os povos, bem como o desarmamento geral, simultâneo e controlado, a dissolução dos blocos político-militares e o estabelecimento de um sistema de segurança colectiva, com vista à criação de uma ordem internacional capaz de assegurar a paz e a justiça nas relações entre os homens».

Este documento, naturalmente, para muitos Srs. Deputados e, seguramente, para o Sr. Ministro da Defesa é um documento subversivo, é o texto integral do artigo 7.º da Constituição da República.
A acrescentar veja-se ainda outro documento, outro número da Constituição da República, a condição básica para Portugal declarar a guerra, tal como está no artigo 135.º, é e compete ao Presidente da República fazê-lo, isto é, declarar a guerra em caso de agressão efectiva.
Estas normas constitucionais vão ao encontro da resposta para os problemas de segurança neste limiar do século XXI.

Cooperação contra a agressão; segurança contra a força militar; diplomacia contra o conflito; confiança contra a má-fé e o golpismo; paz contra a guerra.
Contra este novo Conceito Estratégico da NATO afirmamos os valores universais da paz e da cooperação e termino, por isso, retomando uma posição do PCP, e fazendo com ela um apelo: Condenando a guerra contra a Jugoslávia e exigindo a paragem imediata dos bombardeamentos, daqui apelamos ao Sr. Presidente da República para que use os meios ao seu alcance no sentido do regresso imediato a Portugal dos militares e aviões portugueses que participam na guerra!

Assim, Portugal ficaria, certamente, nas melhores condições para dar um contributo qualificado e inestimável para a paz, no papel activo de mediador numa mediação que os interesses de Portugal e a Europa exigem e tornam urgente.

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