Interven??o do deputado<br />Licenciamento de obras,

Senhor Presidente, Senhores Deputados, O projecto de lei nº 63/VIII, de iniciativa do Grupo Parlamentar do PCP, que vamos apreciar e votar, estabelece o processo de sujeição a confirmação de actos de licenciamento de obras, loteamento e empreendimentos. Esta iniciativa legislativa visa criar um quadro legal, necessário e indispensável para assegurar a aplicação de uma correcta política de ordenamento do território e de salvaguarda dos direitos ambientais, protegidos pela Constituição da República, não permitindo a sua subversão por actos administrativos, ou pela sua omissão que implique deferimentos tácitos, contrários aos princípios legalmente estabelecidos para o uso do solo. A Lei 48/98, que estabelece as bases da política de ordenamento do território e do urbanismo, define os princípios a que obedecem a classificação e a qualificação do solo que determinam o seu uso, bem como o âmbito dos instrumentos de planeamento e gestão territoriais. Por sua vez o decreto-lei 380/99 regulamenta a lei de bases, estabelecendo o regime jurídico dos instrumentos de gestão territorial. Ora, a política de ordenamento do território que visa, entre outros objectivos tão importantes como:

  • reforçar a coesão nacional
  • promover a valorização integrada das diversidades do nosso território
  • assegurar o aproveitamento nacional dos recursos naturais e a preservação do equilíbrio ambiental
  • assegurar a defesa e valorização do património cultural e natural
  • promover a qualidade de vida e assegurar condições favoráveis ao desenvolvimento das actividades económicas, sociais e culturais.

é uma política que se consubstancia na aplicação dos instrumentos de gestão territorial. A importância dos instrumentos de gestão territorial é assim evidente e a sua elaboração é da exclusiva responsabilidade do poder público a quem compete igualmente definir o uso do solo. O senhor Ministro do Ambiente e do Ordenamento do Território, em recente conferência de imprensa a propósito da controversa pretensão para a construção de um empreendimento na aldeia do Meco, afirmava "há uma distinção entre o direito de propriedade e o direito de edificação, pois ter o direito de propriedade não significa, de forma alguma, ter o direito de construir", ou seja, o direito de transformar o uso do solo não é conferido pelo direito de propriedade pois trata-se de uma prerrogativa não alienável do poder público. E esta é, senhor Presidente e senhores Deputados, a questão central do problema. Questão que não contraria, antes implica a necessidade dos instrumentos de planeamento e de gestão do uso do solo serem elaborados de forma participada pelas diferentes entidades e organizações interessadas no processo, incluindo as populações, e serem submetidos, nos termos da lei, a consulta e debate público prévios à sua aprovação. Estabelecidos os instrumentos de gestão territorial, definidas as áreas de intervenção das diferentes entidades, delimitadas as reservas ecológica e agrícola nacionais, considerados os planos sectoriais, definidos os planos especiais para as áreas protegidas, a orla costeira e as lagoas e albufeiras, fica estabelecido um quadro legal cuja aplicação deve prevalecer, na defesa do interesse público, sobre autorizações administrativas de licenciamento que contrariem as normas vinculativas de transformação e uso do solo. Ainda na passada sexta-feira tivemos oportunidade de debater problemas resultantes de alvarás de licença de utilização conferidos administrativamente que contrariam os princípios estabelecidos para a defesa do meio ambiente. O que aconteceu no parque natural Sintra-Cascais, passa-se também na Aldeia do Meco como em muitas outras partes do País, pelo que importa adequar os mecanismos legais que garantam a correcta aplicação dos instrumentos de gestão territorial. O projecto de lei, agora em discussão, preconiza assim que os alvarás e licenças em vigor possam ser sujeitos a confirmação da respectiva compatibilidade com as regras de uso, ocupação e transformação do solo, constantes dos planos regionais de ordenamento do território ou os planos directores municipais, e com as regras legalmente impostas pela Rede Natura 2000, Reserva Ecológica Nacional ou Reserva Agrícola Nacional, sendo a confirmação desta compatibilidade feita naturalmente pela entidade com competência para a gestão do instrumento de gestão territorial que seja considerado como desrespeitado por qualquer parte interessada na licença ou construção em causa. A não confirmação da compatibilidade implica naturalmente a caducidade das respectivas licenças e alvarás, aplicando-se ao processo os termos gerais da legislação do ordenamento do território. Garantir-se-á assim, com a aprovação do projecto de lei 63/VIII, que os princípios estabelecidos pela política de ordenamento do território prevalecerão sempre sobre os actos administrativos que possam violar o que está legitimamente definido, para o uso do solo, pelos poderes públicos através dos instrumentos de gestão territorial em vigor. Sr. Presidente, Srs. Deputados O presente projecto de lei visa exclusivamente a salvaguarda do interesse público, face a possíveis erros administrativos, e tão-só isto! Naturalmente que o seu articulado, em discussão de especialidade, pode ser mais ou menos pormenorizado, mas o que é certo é que esta Câmara aprovou uma Lei de Bases do Ordenamento do Território que estabelece alguns princípios a seguir, entre os quais - e porque isto foi aqui falado - o princípio da perequação, segundo o qual pode haver um instrumento de gestão territorial que anule e que seja diferente dos outros, quanto ao uso do solo. Mas aí é o próprio princípio que tem de estabelecer como é que se faz a divisão e a repartição das diferentes indemnizações e das mais-valias entre os interessados na operação de loteamento. A regulamentação dessa lei estabelece que ela é aplicada através de instrumentos de gestão territorial e também quem tem poderes para os aplicar. Não estamos a falar numa aplicação por autarquias locais, por governos ou por tutelas, quando há dúvidas, elas resolvem-se, naturalmente, nos tribunais, mas é preciso que haja preceitos legais que determinem que este interesse público não pode ser subvertido por uma autorização administrativa ou, até, por um erro administrativo cometido por ignorância ou mesmo por omissão. São estes os objectivos fundamentais. A nosso ver, também não se pode falar de retroactividade, porque os instrumentos de gestão novos podem, naturalmente, alterar o uso do solo, mas na sua alteração estabelecem logo os mecanismos de compensação entre os diferentes proprietários, isto é, entre o anterior e o existente. Relativamente aos antigos, não se pode falar de retroactividade, porque - como muito bem foi dito pelo Sr. Deputado Renato Sampaio - o que pode haver é um acto administrativo que seja nulo por si. Mas tendo em conta que as questões não são julgadas sempre da mesma forma nos tribunais, é necessário, a nosso ver, que fique clarificado na lei qual é o direito que prevalece, se é uma licença administrativa, ainda que errada, se é um indeferimento tácito, ainda que errado, ou se é um instrumento de gestão territorial legitimamente aprovado. Quando o Sr. Deputado Manuel Queiró pergunta se haverá muitos ou poucos casos, direi que haverá meia dúzia de casos espectaculares. Mas, se olharmos para o nosso território, há, naturalmente, muitos e muitos casos em que as próprias entidades de gestão dos instrumentos territoriais - como as entidades gestoras das reservas naturais, das áreas protegidas, etc. -, face a uma licença mal passada, preferem adaptar-se às circunstâncias e destorcer o próprio plano e isso resultou no tipo de crescimento que temos hoje no País. É isso que queremos evitar e queremos também impor rigor nos instrumentos de gestão de ordenamento do território, que, ao fim e ao cabo, consubstanciam qualquer política de ordenamento do território. Não pode haver uma política de ordenamento do território sem instrumentos de gestão adequada; se não houver mecanismos que façam prevalecer esse instrumento de gestão adequada, tudo isto cai pela base e continuaremos sem política de ordenamento do território, que faz muita falta ao nosso país. Para concluir, gostaria de dizer que, naturalmente, há pormenores e que o articulado pode ser melhorado e modificado, mas isso não impede a falta que faz um instrumento como este na ordem jurídica portuguesa e no urbanismo.

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