Intervenção de

Interven??o dadeputada Lu?sa Mesquita<br />Protec??o ?s mulheres v?timas de viol?ncia

Senhor Presidente,Senhoras e Senhores Deputados:O debate que hoje nos ocupa, a prop?sito de um projecto de lei do Partido Ecologista "Os Verdes" e de um projecto de resolu??o do CDS-PP, n?o pode correr o risco, na nossa opini?o, de particularizar a discuss?o relativamente a algumas formas de viol?ncia sobre a mulher, geralmente as mais vis?veis, ignorando outras, t?o ou mais graves e que um Estado de direito democr?tico n?o pode ignorar, quer pelo sil?ncio, quer pela passividade.Bem sabemos que os n?meros e as estat?sticas s?o pobres; perdendo em subjectividade e causas o que ganham em objectividade muitas vezes gritante.Mas, mesmo reconhecendo essas limita??es, ? importante ouvir o peso de alguns n?meros, quando chegam at? n?s depois de tantos tratados, confer?ncias, resolu??es, directivas comunit?rias, planos de ac??o, cimeiras governamentais, etc., etc..Hoje, era de todas as tecnologias, "As injusti?as multiplicam-se, as desigualdades agravam-se, a ignor?ncia cresce, a mis?ria alastra. (...) Algu?m n?o anda a cumprir o seu dever. N?o andam a cumpri-lo os governos, porque n?o sabem, porque n?o podem, ou porque n?o querem. Ou porque n?o lho permitem aqueles que efectivamente governam o mundo, as empresas multinacionais e pluricontinentais cujo poder, absolutamente n?o democr?tico, reduziu a quase nada o que ainda restava de ideal da democracia."Afirmou-o Saramago perante a Academia Real Sueca e os n?meros est?o a? para o reafirmar.As mulheres constituem cerca de 60% da popula??o rural pobre do mundo, que ultrapassa mil milh?es de pessoas e esta percentagem continua a aumentar.Dos 905 milh?es de analfabetos que se registavam em 1990, 587 milh?es (65%) eram mulheres.As mulheres representam actualmente 40% dos adultos infectados com o HIV.Todos os anos, pelo menos meio milh?o de mulheres morrem por complica??es provocadas pela gravidez e mais de 100 mil abortos praticados sem condi??es de seguran?a.Nos Estados Unidos da Am?rica, em cada 18 minutos, uma mulher ? agredida; por ano s?o agredidas entre 3 a 4 milh?es de mulheres.Os sal?rios das mulheres s?o 30 a 40% inferiores aos que os homens auferem por um trabalho semelhante.Em Portugal, confirma-se a regra. N?o h? uma ?nica excep??o. S? que a realidade n?o ? med?vel. N?o se conhecem os verdadeiros n?meros. Mas v?-se todos os dias. Ouve-se permanentemente.Estas s?o tamb?m formas de viol?ncia, de n?o desenvolvimento, de explora??o de uma sociedade cada vez mais injusta, menos solid?ria, onde os ricos s?o cada vez mais ricos e os pobres s?o cada vez mais pobres.E ? neste quadro social que se devem julgar as diferentes formas de viola??o dos direitos humanos.E ? neste contexto que se deve avaliar e tomar medidas, protegendo a mulher da viol?ncia f?sica, psicol?gica e sexual que ocorre na fam?lia, na sociedade e tamb?m aquela que ? perpetuada e ou tolerada pelo Estado.E n?o s? entender a viol?ncia contra as mulheres como resultante de padr?es culturais que perpetuam de gera??o em gera??o o ainda reduzido estatuto que lhes ? atribu?do na fam?lia, no local de trabalho, na comunidade e na sociedade.Senhor Presidente,Senhoras e Senhores Deputados:As pr?ticas violentas resultam sempre em elevados custos sociais, quer a curto, quer a m?dio prazos.Por isso, a constru??o de uma sociedade mais justa e simultaneamente a concretiza??o de medidas de preven??o e de protec??o s?o o ?nico percurso capaz de dissuadir as motiva??es de viol?ncia.No entanto, neste quarto de s?culo de regime democr?tico, apesar de uma razo?vel listagem de instrumentos legislativos, que levados ? pr?tica, regulamentados e melhorados sempre que necess?rio teriam dificultado a perman?ncia da viol?ncia contra as mulheres, tamb?m muito tem sido feito ou tem ficado por fazer no sentido exactamente inverso.Quando os poderes institu?dos silenciam ou ignoram as mais diversificadas formas de viol?ncia, abrem as portas ? sua exist?ncia, motivando a exerc?-la todos os que da sociedade t?m uma ?nica leitura - a explora??o do ser humano, particularmente, quando ele ? mais fraco.E mais grave que o alheamento do Estado ? o facto deste se outorgar o direito de o fazer tamb?m.Quando n?o se regulamentam leis durante quase dez anos como a Lei n? 61 de 1991, que garante protec??o adequada ?s mulheres v?timas de viol?ncia, nos casos em que a motiva??o do crime resulte de atitude discriminat?ria, estando, nomeadamente, abrangidos os casos de ofensas corporais.Quando n?o se cumprem as leis de protec??o da maternidade, ignorando o seu valor social eminente, quer no sector p?blico, quer no sector privado.Quando se permite que a mulher trabalhadora gr?vida possa ser despedida ou possa ser sujeita a situa??es de trabalho que ponham em causa a sua sa?de ou a do nascituro.Quando o Governo entende, ao arrepio da lei, que uma gravidez de risco, quando n?o sujeita a internamento, ? uma doen?a e as faltas dever-se-?o justificar com atestado m?dico.Quando o Governo se prepara para apresentar e defender uma proposta de lei que pretende consagrar, como leg?timo, o que j? acontece sem legitimidade, em alguns locais de trabalho; por exemplo, as grandes superf?cies, onde o trabalho predominantemente feminino se imp?e a tempo parcial, sem direitos, nem garantias, onde o subs?dio de refei??o se paga ou n?o e o trabalho suplementar ? exigido mas n?o remunerado.Senhor Presidente,Senhoras e Senhores Deputados:Quando o Governo discrimina, liberaliza, desregulamenta, flexibiliza, atinge todos os trabalhadores, todas as trabalhadoras, mas, particularmente, as mulheres e os jovens.Numa publica??o da Comiss?o para a Igualdade e para os Direitos das Mulheres, sobre Ass?dio Sexual no Local de Trabalho, afirma-se: "Nos contratos a prazo a situa??o da trabalhadora ? muito vulner?vel, pois ? relativamente f?cil ? entidade patronal ou ao superior hier?rquico apressar a extin??o do contrato ou n?o o renovar. Esta situa??o ?, noutros casos, particularmente delicada."E estas atitudes t?m nome - viol?ncia.Viol?ncia que se repercute na vida familiar.A fal?ncia de projectos de vida facilita e pode determinar a viol?ncia familiar.Da? que n?o possamos deixar de tratar a realidade exactamente na mesma medida em que n?o devemos ignorar a totalidade das causas.Noutros pa?ses, medidas t?m sido tomadas para enfrentar estas situa??es, minimizando as consequ?ncias tr?gicas que se abatem sobre a mulher e os filhos, quando existem, mas as causas t?m permanecido. De tal modo que na vizinha Espanha, em 1984, abriu-se a primeira casa de abrigo para mulheres v?timas de agress?es conjugais, casa que se encheu no pr?prio dia em que se abriram as portas. Mas, hoje, em Espanha, existem mais de 100 institui??es deste tipo e s?o insuficientes.Outros pa?ses, que h? mais de 20 anos, tomaram medidas de preven??o e protec??o das mulheres v?timas de viol?ncia, como em Inglaterra, Holanda, Alemanha ou Fran?a, continuam a debater-se com insufici?ncia de meios perante o aumento permanente das vitimas.Em Portugal, quer junto da Comiss?o para a Igualdade e para os Direitos das Mulheres, quer junto da Associa??o Portuguesa de Apoio ? V?tima contam-se em milhares as mulheres que ocorrem a pedir ajuda, apesar do secretismo que, normalmente, envolve a viol?ncia sobre as mulheres.Num estudo de 1997, realizado pela Universidade Nova de Lisboa afirma-se que a viol?ncia conjugal atravessa todas as classes sociais, embora assuma configura??es diferentes consoante o estatuto da fam?lia, mas est? sempre ligada ao desrespeito do outro, enquanto indiv?duo, dotado de raz?o e vontade e sujeito de direitos.O Servi?o de Informa??o e consulta Jur?dica da CIDM afirma que as v?timas narram situa??es grav?ssimas de maus tratos f?sicos e n?o-f?sicos.Dos insultos ?s humilha??es, da expuls?o de casa ? proibi??o de sair, das agress?es durante a gravidez ao impedimento de recurso ao m?dico, tudo ? poss?vel, mas n?o vis?vel porque o medo do agressor, a falta de informa??o, a falta de meios, a vergonha, a aus?ncia de confian?a nas institui??es impedem as queixas.Em 1997, o Parlamento Europeu prop?s aos Estados Membros que considerassem 1999 o ano da toler?ncia zero da viol?ncia contra as mulheres.Mas as declara??es de boa vontade s?o migalhas, quando a interven??o n?o acontece, quando as medidas de protec??o social e jur?dica n?o surgem e n?o se articulam com medidas de preven??o.A exiguidade de respostas institucionais demostram claramente como ? imposs?vel abordar a viol?ncia exclusivamente no contexto familiar sem o alargar ? sociedade e ao Governo, repartindo quotas de responsabilidade.Porque as leis est?o a?! S? ? preciso cumpri-las!A Lei n? 61/91, que resultou de um projecto de lei do PCP apresentado em 1989, prop?e um conjunto diversificado de medidas capazes de proporcionar informa??o e preven??o que, postas em pr?tica, reduziriam, certamente, as condutas violentas contra as mulheres.Mas a regulamenta??o continua adiada.J? se afirmou, publicamente, que a lei ? para "deixar cair".Provavelmente, o Governo prefere uma listagem de inten??es, intitulada Plano para a Igualdade.Senhor Presidente,Senhoras e Senhores Deputados,Por tudo isto, estamos dispon?veis para, em sede pr?pria, continuar esta discuss?o e contribuir para uma an?lise mais aprofundada dos textos hoje apresentados.Porque ? cada vez mais urgente:

  • adoptar medidas na ?rea da educa??o para modificar modelos sociais e culturais e eliminar pap?is estereotipados;
  • investir na forma??o de pessoal judicial, jur?dico e de sa?de para o atendimento destas situa??es;
  • melhorar o acesso ao sistema judicial;
  • informar as v?timas dos seus direitos;
  • refor?ar os mecanismos institucionais para permitir denunciar em seguran?a e confidencialidade, sem receio de repres?lias;
  • estabelecer san??es a fim de punir e reparar danos, garantir indemniza??es e tratamentos quando necess?rios;
  • criar centros de acolhimento e servi?os de apoio acess?veis;
  • apoiar as ONG que existem nesta ?rea de interven??o;
  • fazer funcionar o Servi?o Nacional de Sa?de a n?vel dos
    • centros de sa?de prim?rios
    • centros de planeamento familiar
    • servi?os de sa?de materno-infantil
    • servi?os de sa?de na escola

E porque ? cada vez mais urgente, ? indispens?vel prever a exist?ncia de verbas no Or?amento de Estado.Ou ent?o esta sociedade continuar? a ser para muitos e tamb?m para a mulher, como diz Teresa Beleza, "...um reduto de ilegalidade ? semelhan?a de outras: planta??es de escravos; penitenci?rias; prisioneiros de guerra...".

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