Intervenção

Intervenção do Deputado<br />Sess?o Solene Comemorativa do 27? anivers?rio do 25 de

Senhor Presidente da República, Senhor Presidente da Assembleia da República, Senhor Primeiro Ministro e senhores membros do Governo, Senhores Presidentes do Supremo Tribunal de Justiça e do Tribunal Constitucional, Senhores Deputados, Senhores convidados,Assinala esta sessão solene a dupla comemoração do 27º aniversário da Revolução dos cravos e do 25º aniversário da entrada em vigor da Constituição da República Portuguesa aprovada em 1976. Convergem assim, nesta histórica data de 25 de Abril, o acto fundador da nossa democracia e o momento em que os valores democráticos que o nortearam, adquiriram a força de lei constitucional.São por isso devidas neste momento, três primeiras palavras de apreço e de gratidão.A primeira, ainda e sempre, para os militares de Abril, os que, como proclama o belíssimo preâmbulo da nossa Constituição, "coroando a longa resistência do povo português e interpretando os seus sentimentos profundos", derrubaram o regime fascista, restituindo aos portugueses os direitos e liberdades fundamentais.Militares de Abril que, apesar de tudo o que a democracia lhes deve, tardaram em obter em democracia o reconhecimento que lhes é devido, e pelo contrário, viram-se preteridos e prejudicados nas suas carreiras por injustiças que, só agora, tantos anos passados, começam tardiamente e de forma estranhamente lenta, a ser reparadas.A segunda palavra, para os homens e mulheres que durante tantos anos pagaram com a liberdade, com o sofrimento, ou mesmo com a vida, a coragem de lutar contra a ditadura, e que, com o seu exemplo, abriram os caminhos que tornaram possível a Revolução de Abril.Pertenço a uma geração para quem a vida em ditadura se resume a uma vaga recordação de infância e que teve a felicidade de já crescer em liberdade e democracia. Depois de nós vieram novas gerações, para quem o exercício das liberdades parece decorrer da ordem natural e imutável das coisas. A democracia tem este efeito quase paradoxal de se integrar de tal modo no dia a dia dos cidadãos que se banaliza aos olhos dos que a exercem. É por isso que é tão importante lembrar que o fascismo existiu em Portugal até Abril de 1974, e que a democracia, conquistada pela luta heróica do nosso povo, é um bem precioso, que importa aprofundar, e defender, de tudo e de todos os que contribuem para a sua degradação e aviltamento. A terceira palavra para os deputados constituintes, que, como legítimos representantes do povo, se reuniram - como afirma o preâmbulo da Constituição - para afirmar a decisão do povo português de defender a independência nacional, de garantir os direitos fundamentais dos cidadãos, de estabelecer os princípios basilares da democracia, de assegurar o primado do Estado de Direito Democrático e de abrir caminho para uma sociedade socialista, no respeito da vontade do povo português, tendo em vista a construção de um país mais livre, mais justo e mais fraterno.Na Constituição de 1976, souberam os constituintes edificar os alicerces jurídicos da revolução democrática. Não sei se haverá algum texto constitucional, em qualquer momento histórico e em qualquer parte do mundo, que como a nossa Constituição de 1976, tenha conseguido elevar ao nível de uma Lei Fundamental, e com uma qualidade técnica a todos os títulos notável, um conjunto tão amplo e significativo de direitos, liberdades, garantias e aspirações de progresso económico e social do povo em cuja representação foi elaborado.Neste 25 anos de vigência, muitas das características originais da Constituição de 1976 foram abandonadas ou alteradas em sucessivos processos de revisão, com resultados que traduzem uma evolução que consideramos globalmente negativa e que se tem traduzido em sucessivos empobrecimentos da democracia nos planos político, económico, social e cultural.Neste preciso momento, está aberto o sexto processo de revisão constitucional, se contarmos com o processo de revisão fracassado, ensaiado em 1994. Às revisões ordinárias profundas, de 1982, de 1989 e de 1997, e à revisão extraordinária de 1992, segue-se um novo processo extraordinário de revisão, destinado, mais uma vez, a dar cobertura a compromissos que foram internacionalmente assumidos apesar de contrariarem disposições constitucionais. Com a agravante desta vez, de a aceitação, que é proposta, ainda que indirectamente, da pena de prisão perpétua na ordem jurídica portuguesa, representar um grave retrocesso civilizacional, num país em que a extinção dessa sanção penal remonta ao século XIX. O valor da estabilidade da Constituição como referência matricial do regime democrático, que os constituintes pretenderam salvaguardar com a consagração de limites formais, circunstanciais e materiais de revisão constitucional, tem vindo a ser completamente sacrificado por acordos de conveniência entre os dois maiores partidos, que, com cinco processos de revisão constitucional abertos no espaço de doze anos, nos colocaram num estado de transição e de instabilidade constitucional permanente, que nada contribui para a saúde da democracia.Com as sucessivas revisões constitucionais, foi aberta a porta ao domínio do poder económico sobre todas as esferas da sociedade, foram enfraquecidos os direitos dos trabalhadores, foi reduzido o alcance de direitos sociais fundamentais, foram alienados poderes soberanos do Estado português, foram criadas possibilidades reais de graves entorses à democraticidade das eleições.A evolução constitucional dos últimos anos não tem contribuído para aperfeiçoar o sistema político, nem para reforçar os valores da liberdade, da democracia, da justiça social, da submissão do poder económico ao poder político, ou da paz e da amizade entre os povos, mas pelo contrário, tem dado corpo a propósitos de liquidação de profundas transformações económicas, sociais e culturais resultantes da revolução de Abril, e de obtenção de uma posição hegemónica dos dois maiores partidos na vida política nacional.Para muitos portugueses, o momento que vivemos é de desencanto, de decepção, e de descrença. Desencanto com o incumprimento de promessas feitas e com o defraudar de expectativas criadas. Decepção com uma acção governativa que gravita a anos luz das promessas de diálogo e que se processa longe dos cidadãos e insensível às suas reais preocupações. Descrença, em relação a uma prática política marcada pelo clientelismo, que em nada contribui para a resolução dos problemas do povo e do país e que, desfocada por generalizações abusivas destinadas a ilibar os seus reais responsáveis, semeia sentimentos de indiferença ou de repúdio perante a actividade política, que em nada beneficiam a democracia.27 anos passados sobre a revolução democrática e um quarto de século decorrido sobre a Constituição que a institucionalizou, muitas foram as expectativas que não se concretizaram e muitas foram as esperanças que ficaram pelo caminho. Não se imaginaria, há 25 anos atrás, que o início do século XXI, em Portugal, fosse marcado por tão acentuadas desigualdades sociais, por um poder tão desmesurado e arrogante do poder económico, por retrocessos nos direitos dos trabalhadores, pela exploração desumana do trabalho dos imigrantes, pela desumanização da vida nas grandes cidades a braços com flagelos sociais sem precedentes, pela desertificação acelerada do interior do país, pelas dificuldades dos jovens no acesso ao ensino e ao mercado de trabalho, pelas dificuldades no acesso dos cidadãos de menores recursos a cuidados de saúde ou à realização da Justiça, pela manutenção de restrições injustificadas ao exercício de direitos cívicos e associativos por parte dos militares e dos profissionais das forças de segurança. Os portugueses esperavam certamente que Portugal fosse melhor neste início do século XXI.Mas são precisamente os portugueses que não se conformam com este estado de coisas que continuam a afirmar convictamente, não apenas que Abril valeu a pena, mas acima de tudo, que continua a valer a pena lutar pelos valores e pelos ideais que fizeram o 25 de Abril, que marcaram indelevelmente o texto constitucional e que continuam a ser bandeiras de luta do povo português por mais democracia e mais progresso social.É por isso que, apesar de tudo, Abril está vivo. Está vivo, na luta dos trabalhadores que não se conformam com os baixos salários, com a precariedade dos vínculos laborais e com a violação dos seus direitos individuais e colectivos. Está vivo, no descontentamento dos jovens estudantes que reivindicam um ensino gratuito e de qualidade. Está vivo, na acção dos homens e das mulheres que, como nós, continuam a acreditar que é possível construir uma sociedade mais justa e solidária.Viva o 25 de Abril.Viva Portugal.

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