Intervenção

Intervenção do Deputado<br />Política de imigração

Senhor Presidente, Senhores Deputados,Na passada semana fomos surpreendidos por uma intervenção proferida no decurso de uma reunião com parlamentares do PS, na qual o Comissário Europeu para a Justiça e Assuntos Internos, Dr. António Vitorino, criticou aquilo que designou por certas posições de esquerda, defensoras de uma política de imigração de “portas escancaradas”.Há que dizer antes de mais que não sabemos exactamente a que esquerda se refere o Comissário António Vitorino. De esquerda somos nós e defendemos uma política de imigração que, sendo mais justa, humana e razoável que as políticas de “imigração zero” ou “quase zero” que têm sido postas em prática pela generalidade dos Estados da União Europeia, é uma política responsável que não pode ser seriamente caracterizada como de “portas escancaradas”.Trata-se afinal de um velho truque: caricaturar as posições alheias para as criticar facilmente, não em função do que realmente são mas da caricatura que delas se apresenta.Não é portanto daí que vem a surpresa. A surpresa vem da contradição entre o que agora afirma o Comissário Vitorino e o que escreveu ainda há bem pouco tempo, já na qualidade de Comissário Europeu responsável pelo a Justiça e pelos Assuntos Internos.Na verdade, no II Volume dos Cadernos Sociedade e Trabalho, editado em 2002 pelo Ministério da Segurança Social e do Trabalho, com o título “Imigração e Mercado de Trabalho”, o Comissário António Vitorino assina um texto significativamente intitulado “Imigração para o Trabalho”, onde expõe as linhas gerais da Comunicação da Comissão Europeia em matéria de política de imigração, de Novembro de 2000, e da Proposta de Directiva de Julho de 2001 sobre a admissão de imigrantes para trabalho.Nesse texto, o Comissário Vitorino alerta para a mudança do discurso político europeu perante o fenómeno migratório, assente, entre outros aspectos, na “noção de que as políticas e legislações repressivas simplesmente não funcionavam e que por conseguinte era melhor aceitar a realidade, que tão gritantemente desmentia a retórica da imigração zero”, e expõe as linhas gerais da comunicação da Comissão que, nas suas palavras, “junta a sua voz àquelas que desde o final dos anos noventa vêem a situação mudar e vêem a necessidade de uma nova política”.O que pretende a Comissão com essa nova política? A citação do texto do Comissário a esse respeito é um tanto longa, mas merece a pena:Escreveu António Vitorino que “o que se pretende é:- Reconhecer que as chamadas políticas de imigração zero falharam e que somos, quer gostemos ou não, quer queiramos ou não, sociedades de imigração; - reconhecer que a imigração pode contribuir de forma útil para colmatar lacunas que se fazem sentir – por vezes com grande acuidade – nos mercados de trabalho; - baseando-nos na constatação, feita por estudiosos, de que a imigração não conduz, nem a um aumento do desemprego, nem a uma diminuição da qualidade do emprego e que contribui para o crescimento económico; - mais vale ordenar o fenómeno de forma a que contribua para o bem estar de todos do que ignorá-lo através de atitudes de avestruz”.Estas palavras sim, são a nosso ver, acertadas e contrariam as políticas de “avestruz” e de “imigração zero” que têm vindo a ser postas em prática pela maioria dos Estados da União Europeia e que caracterizam perfeitamente as orientações do actual Governo Português.O que verdadeiramente nos inquieta não são as declarações mais ou menos infelizes do Comissário Vitorino, mas as políticas que estão a conduzir ao aumento da imigração ilegal, com todo o cortejo de dramas humanos e de problemas sociais que daí decorrem.Não conhecemos ainda o texto definitivo do Decreto-Lei sobre Imigração que o Governo terá aprovado em Conselho de Ministros e que poderá ser publicado em breve. Mas, a avaliar pelo texto que nos foi apresentado aquando do debate da respectiva Autorização Legislativa e por intervenções que temos ouvido a alguns responsáveis governamentais, é com muito inquietação que encaramos a realidade presente e futura da imigração ilegal em Portugal.Senhor Presidente, Senhores Deputados,O que constitui um problema para Portugal não é ter imigrantes. A imigração contribui para o progresso e para o desenvolvimento do nosso país. Trata-se de uma população laboriosa que procura entre nós condições de sobrevivência que nos seus países lhe é negada, que ajuda a resolver reais problemas de falta de mão-de-obra em diversos sectores da nossa economia, e que é vítima, tantas vezes, da chantagem e da extorsão das redes de imigração ilegal que, essas sim, devem ser firme e intransigentemente combatidas. O problema não é haver muitos imigrantes. O problema é haver muitos imigrantes em situação ilegal e não haver uma real política de integração social destes cidadãos e das suas famílias. O problema é que os Governos se têm recusado a encarar a realidade incontornável da imigração e as suas causas objectivas e têm insistido em falsas soluções cujo fracasso nem é sequer ocultado pela adopção regular de algumas válvulas de escape.Desde que no início dos anos noventa começaram a ser postas em prática políticas de portas fechadas, o aumento constante do número de imigrantes em situação ilegal tornou-se um real problema político, económico e social. De tal modo que não houve Governo que não se tenha sentido obrigado a adoptar medidas destinadas a suavizar essa dura realidade. Em 1993 um Governo PSD lançou um processo de regularização extraordinária. Em 1996 um Governo PS lançou outro processo de regularização extraordinária. Em 2000, outro Governo PS criou uma nova categoria de imigrantes com direitos reduzidos, através das chamadas “autorizações de permanência”. Em 2003, outro Governo PSD propõe-se acabar com as autorizações de permanência, só que em vez de apontar para soluções destinadas a garantir a autorização de residência e a inserção social dos imigrantes autorizados a permanecer entre nós, prefere reconduzi-los à ilegalidade e ameaçar com inconcebíveis expulsões em massa.O regresso a uma política pura e dura de portas fechadas e a continuação de uma prática administrativa e policial de entrave deliberado à resolução de problemas de legalização dos imigrantes terá como consequência óbvia a breve prazo o aumento do número de estrangeiros indocumentados, a viver tantas vezes em condições infra-humanas, sem direitos enquanto cidadãos ou trabalhadores, e inteiramente à mercê da falta de escrúpulos de quem pretende beneficiar com essa fragilidade.A política do actual Governo acaba com as autorizações de permanência sem alternativas de legalização, recusa na prática o direito ao reagrupamento familiar, que utiliza a legislação de trabalho de estrangeiros para fins discriminatórios e de controlo policial, utiliza o SEF, a braços com dramáticos problemas de meios, não para resolver problemas aos utentes, mas para os manter sob controlo policial, criando entraves quase insuperáveis à sua legalização e à renovação dos seus documentos e causando sofrimentos injustificados a qualquer estrangeiro que precise de tratar de um qualquer assunto relacionado com a sua situação em Portugal.A política de imigração deste Governo não é justa nem razoável, e terá como consequência óbvia o aumento da imigração ilegal, com todo o cortejo de desumanidades e de distorções no mercado de trabalho que isso implica.As políticas de “imigração zero” não eliminam nem reduzem os fluxos migratórios. Mas aumentam a imigração ilegal e é esse o grande problema com que estamos e estaremos confrontados e que exige uma resposta responsável e realista.Exige uma resposta responsável. Nós não defendemos a falta de controlo de fronteiras nem a emissão indiscriminada de vistos de trabalho, embora consideremos demasiado restritiva a legislação existente. Mas exige uma resposta realista, de apoio à legalização e de promoção dos direitos humanos dos imigrantes.Só uma política razoável de legalização dos imigrantes que vivem e trabalham honestamente em Portugal poderá combater com eficácia o flagelo social da imigração ilegal e os interesses sórdidos que se alimentam à sua custa. Tudo indica que o actual Governo não vai por aí e prefere insistir numa lei de imigração que não vai resolver um único problema e cuja alteração se revelará, a breve prazo, indispensável.Pela nossa parte, a confirmar-se o conteúdo do decreto-lei que tem sido publicitado, suscitaremos a sua apreciação parlamentar e não desistiremos de apresentar propostas para uma lei de imigração mais justa e humana.

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