Intervenção

Intervenção do Deputado<br />Moção de Censura ao Governo apresentada

Senhor Presidente Senhor Primeiro Ministro e senhores membros do Governo Senhoras e senhores Deputados Num curto espaço de tempo, e nas vésperas da apresentação e votação do Orçamento do Estado, a Assembleia da República é de novo convidada a censurar o Governo do PS e do Sr. Eng. Guterres. Como se poderia dizer, recorrendo a uma expressão popular, esta é matéria em que o PCP se sente como peixe na água. Porque desde a apresentação do programa de Governo o PCP se tem apresentado, coerentemente, como um partido de oposição, de oposição de esquerda, à política do Governo do PS, sem nunca nos demitirmos, como partido responsável, da apresentação de propostas alternativas. E esta coerência é fácil de manter por uma razão fundamental: porque a nossa oposição, as nossas críticas e censuras ao Governo, se dirigem ao fio condutor da sua política global e não a aspectos particulares dessa política ou às pessoas que por ela conjunturalmente dão a cara. Diversamente de outros partidos políticos representados neste Parlamento, as razões da crítica e da censura ao Governo por parte do PCP sustentam-se e assentam nas orientações políticas, económicas e sociais de natureza essencialmente neoliberal quando globalmente consideradas, e não apenas em medidas pontuais e avulsas. Por isso que para o PCP, face ao Governo e às suas políticas, a norma seja a da crítica e da censura e os momentos de convergência sejam a excepção. Exactamente porque as medidas políticas do Governo de natureza progressista, com recorte de esquerda, são apenas a excepção que confirma a regra de uma política essencialmente de direita. E assim sendo, são muitas as razões que nos assistem para censurar o Governo. Hoje como ontem, censuramos o Governo porque ao longo destes dez meses que medeiam desde a sua tomada de posse se mostrou sempre mais preocupado com a sua preservação no poder e com a criação de muitos e muitos "jobs for the boys and girls", do que com as razões dos portugueses e com a definição de um projecto claro e sustentado para o desenvolvimento económico e social do País. Tal como, de forma inequívoca, criticamos o Governo pela sua postura de passiva aceitação de políticas e orientações da União Europeia que penalizam claramente o nosso País, e de que é exemplo recente e actual a penalização que as instituições comunitárias pretendem impor aos produtores de leite nacionais, manifestando uma inaceitável política de obstaculização ao aumento da produtividade neste sector da actividade económica portuguesa. Mais amplamente, condenamos, sem subterfúgios, a postura do Governo na União Europeia, que condena, a prazo, a viabilidade da agricultura, da pecuária, das pescas e de importantes sectores da indústria portuguesa e que, simultaneamente, alinha e dá força ao desenvolvimento de um projecto federalista europeu, limitador e eliminador de qualquer soberania nacional. Assim como censuramos o Governo do PS por prosseguir uma política fundamentalista de privatização de empresas e serviços públicos. Alienando importantes instrumentos de defesa dos interesses do povo português nas esferas económica e social. Subordinando serviços que sempre deveriam ter a natureza de públicos à lógica do lucro. Eliminando milhares de postos de trabalho e lesando direitos dos trabalhadores e dos consumidores. Enriquecendo ilicitamente grupos económicos à custa do património público e entregando ao capital estrangeiro a propriedade e a orientação estratégica de sectores fulcrais para a economia portuguesa. Como de forma paradigmática o atestam a entrega do sector da energético não eléctrico à ENI e o desenvolvimento do processo de privatização da EDP, da Portugal Telecom ou da CIMPOR. Responsabilizamos o Governo por não ter uma política económica consistente com os interesses da economia portuguesa, do que vem resultando a desaceleração do crescimento económico, a persistência de uma estrutura produtiva frágil e uma grave aumento dos défices externos e a perda de quotas de mercado da produção nacional, no mercado externo como no interno. Em particular, criticamos o Governo pela falência da sua política agrícola, bem espelhada na situação das quotas leiteiras em resultado da inépcia negocial do Governo no âmbito da Agenda 2000, na visível e rotunda falha da política de prevenção de incêndios florestais e nas ameaças que hoje pesam sobre os apoios às raças autóctones. Acusamos o Governo pelo aumento dos graus de insegurança e de intranquilidade das populações, resultado directo da inépcia da sua política de segurança. Diversamente do que os partidos de direita pretendem, a resolução dos problemas de insegurança não passa por medidas de endurecimento irracional de penas. Passa, isso sim, por uma política de policiamento de proximidade, pela libertação dos agentes de segurança de tarefas meramente burocráticas e pela adopção de medidas de motivação dos agentes policiais incluindo, necessariamente, o reconhecimento dos seus direitos sócio-profissionais. Tudo coisas que o Governo prometeu e que continua a não cumprir. Criticamos vivamente o Governo por uma política de Saúde crescentemente subordinada aos grandes interesses económicos do sector, pela ausência de medidas de reorganização, modernização e humanização do Serviço Nacional de Saúde, pela capitulação do Governo em matéria da política do medicamento, quer no que respeita aos genéricos quer no que concerne à comparticipação dos novos medicamentos. Assim como condenamos o Governo pela abertura encapotada à privatização do SNS que está em curso, a pretexto da recuperação de listas de espera em violação da lei aqui aprovada como no âmbito de modelos de gestão dos serviços públicos de saúde. E igualmente pela política educativa, com o sub-financiamento a todos os níveis do sistema, com milhares de professores que percorrem o país à procura de um qualquer horário que os livre do desemprego, ou com o cada vez maior afastamento do princípio da gratuitidade da educação, mesmo na escolaridade obrigatória. Acusamos o Governo pela ausência de uma política de igualdade entre mulheres e homens em todas as esferas da sociedade e de combate às discriminações sexistas a que as mulheres continuam sujeitas no mundo do trabalho e na sociedade em geral. E, fundamentalmente, condenamos o Governo pela ausência de uma política assumida de combate eficaz à inaceitável precarização, insegurança e perda de direitos que hoje se abate sobre o mundo do trabalho e, com especial brutalidade, sobre os trabalhadores mais jovens. E condenamo-lo, ainda, pela sua política de rendimentos, conduzida sempre contra os trabalhadores, ora através da fraude da subestimação das taxas de inflação previstas, ora pretextando as dificuldades económicas do País. Mas sempre visando o favorecimento dos lucros e dos grandes interesses económicos. Senhor Presidente Senhores Deputados São pois múltiplas e fundamentadas as razões que justificam a permanente censura do PCP às políticas governamentais, ao Governo do PS. E não nos deixamos iludir pelas promessas implícitas no "novo ciclo político" anunciado pelo Primeiro-Ministro, nem nos deixamos levar por remodelações que visam mudar algumas caras para que as políticas se mantenham inalteradas. Preocupa-nos mais, mas muito mais, a desestabilização que a política do Governo provoca nas condições de vida e nos orçamentos dos trabalhadores e das famílias portuguesas, do que a estabilidade governativa que aflige o senhor Primeiro-Ministro. Sobre isso que ninguém tenha dúvidas, e o Governo certamente as não terá. Mas a votação de uma moção de censura não pode nem deve sustentar-se, exclusivamente, nas razões de crítica e de condenação da acção governativa. Essa votação exige, igualmente, a consideração de outros factores. Desde logo, o da oportunidade. O PSD entendeu ser este o momento oportuno. O PCP não comunga da mesma ideia. Por um lado, porque dois meses passaram desde a moção do PP, porque outro lado e basicamente por nas vésperas da votação do Orçamento do Estado, momento esse que será, de facto, o momento da verdade do posicionamento dos partidos políticos face às políticas globais do Governo do PS. Mas também as motivações da moção de censura têm de ser pesadas na decisão sobre o voto. É público que o PSD fez depender a apresentação ou não apresentação da moção de censura de três exigências dirigidas ao Primeiro-Ministro. Duas delas foram por este satisfeitas, com a atrapalhada remodelação a que procedeu na passada semana, sem que nada de essencial mude em matéria de orientações da política do Governo, o que, aliás, também não era nem é algo que pareça preocupar o PSD. Resta pois, como razão de fundo para a apresentação desta moção de censura, a terceira exigência, aquela que está espalhada em grandes "outdors" de cor negra por todo o País, a exigência de um referendo sobre a descriminalização do consumo de drogas. E aí, é total a nossa oposição à posição do PSD. Em terceiro lugar, é evidente que a convergência na crítica e no diagnóstico nem sempre corresponde a uma convergência na prescrição da solução. Também aí são profundas e conhecidas as nossas divergências com o PSD. Enquanto o PSD quer mais do mesmo, para o PCP a solução dos problemas reside numa profunda mudança de política, na substituição de uma política de direita por uma política de esquerda, de progresso e de justiça sociais. Por isso, a nossa posição de voto em relação a esta moção de censura será a abstenção. E ficamos a aguardar o Orçamento do Estado para 2001!

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