Intervenção

Intervenção do Deputado<br />Moção de censura ao Governo

Senhor Presidente, Senhor Primeiro-Ministro e senhores membros do Governo Senhoras e senhores Deputados A primeira entidade que é questionada por este debate promovido pelo CDS-PP, é o próprio CDS- PP. De facto, o CDS-PP, que agora achou "engraçado" apresentar uma moção dita de censura ao Governo PS, é o mesmo CDS-PP que, há quatro meses emprestou aqui ao PS o seu voto solidário e solitário para aprovar o Orçamento desse mesmo Governo, assim apoiando explicita e voluntariamente a política do eng. António Guterres e garantindo a sobrevivência do seu Governo. Haverá eventualmente quem diga (ele há gente para tudo) que esta moção é um acto de arrependimento do Deputado Paulo Portas. Não seria a primeira vez, aliás, que o Dr. Paulo Portas dava o dito pelo não dito. Mas, na realidade, os que pretenderem ver nesta recreativa moção um acto de arrependimento, estão completamente enganados. Esta moção está de há muito anunciada. O pré-anúncio foi feito em 10 de Março (cinco dias antes da viabilização do Orçamento do Estado), quando o CDS-PP vivia publica e alegremente em "união de facto" com o Governo, e o seu presidente resolveu dar uma conferência de imprensa para dizer, em estilo inquisitorial e estulto, que a alteração da lei de bases da segurança social só poderia ser feita pelo Governo em acordo com o CDS-PP e ... vá lá, com o PSD. E foi formalmente anunciada no dia 26 de Março (onze dias depois da viabilização do Orçamento do Estado pelo CDS-PP), no Congresso deste partido. Anúncio feito em simultâneo e em íntima ligação com as fortes acusações então feitas ao presidente do PSD de ter "dado cabo da Alternativa Democrática, dando de borla as eleições legislativas e europeias aos socialistas". Esta moção é assim, e antes de tudo, um assunto interno da direita. O CDS-PP não dá descanso ao PSD. Enquanto o líder do PSD andava pelo país em reuniões a preparar a sua intervenção no debate sobre o estado da Nação, o presidente do CDS-PP preparava o seu habitual truque de magia. E, mal o Deputado Durão Barroso falou, o Deputado Paulo Portas rapou da sua moção privada e lançou-a ao vento. Esta moção do CDS-PP, que de censura só tem o nome, é pois e em primeiro lugar, uma arma de arremesso na luta pelas melhores posições no espaço político da direita. Mas ela é, igual e verdadeiramente, uma moção de apoio ao Governo, visando dar-lhe o espaço político e social que lhe está a faltar. Exactamente : uma moção de apoio ao Governo! Uma moção de apoio ao Governo porque, pelo tema escolhido pelo CDS-PP, que é na realidade a defesa dos interesses dos grupos financeiros, designadamente os das seguradoras e dos fundos de pensões que dominam a especulação bolsista, a moção nunca poderia ser votada por qualquer força política que defenda uma política de esquerda, isto é, a moção não faz nem nunca quis fazer o pleno dos votos da oposição, pelo contrário quis assegurar a sua divisão. Uma moção de apoio ao Governo também, porque a moção do dr. Portas encaixa como uma luva na despudorada e enganosa campanha da "viragem à esquerda" com que se procura agora salvar o Governo do PS, precisamente quando, devido à natureza essencialmente neoliberal da política que vem seguindo, a sua base eleitoral situada mais à esquerda se afasta do Governo e vem publicamente engrossar o protesto contra a sua política. E há quem, nesta casa, reivindicando-se da esquerda, se queira voluntariamente deixar levar pela publicidade enganosa da direita mais à direita deste Parlamento. Ou, quiçá, deixar-se levar por "aquela imaterialidade a que o PS nos habituou quando precisa de florear à esquerda", que Fernando Rosas hoje desanca num jornal diário. Mas, para além das questiúnculas entre PSD e CDS-PP, e do apoio implícito que tem para a continuação do Governo e da sua política de direita, a moção do CDS-PP é, ainda, uma moção de apresentação e defesa do caderno reivindicativo dos grupos financeiros e seguradoras, interessados em abocanhar a parte rentável da segurança social. Nessa medida, a moção, mais do que um acto parlamentar, é uma acção explícita de lobby. A lei da segurança social foi discutida e está em votação aqui na Assembleia da República com todos os agentes políticos em plano de igualdade. Não é o Deputado Portas que decreta "quem é quem" neste processo. As soluções da lei são votadas em liberdade por esta Assembleia. As seguradoras não têm cá assento mas, pelos vistos, têm aqui sentados procuradores atentos e obrigados. Assim fica à vista a alegada "paixão" do Deputado Paulo Portas pelos reformados. Que quer uma Segurança Social selectiva: uma, feita com as seguradoras, para os que têm posses; e outra, deficitária, de pensões pequeninas e modestas para a gente pobrezinha e modesta. Que anda de feira em feira a aparentar chorar com os reformados, mas que quer tirar à Segurança Social de que estes dependem as fatias mais apetitosas dos seus rendimentos, para as dar aos grupos financeiros e alimentar a especulação bolsista com os dinheiros que devem garantir as pensões de reforma dos portugueses. Com isso impedindo, de facto, qualquer aumento das actuais pensões - cuja concretização, aliás, não foi consagrada no OE porque o Governo não o quis, o que não impediu a sua viabilização pelo CDS-PP. E, mais do que isso, inviabilizando a própria capacidade de pagamento das actuais baixas pensões de reforma. Com o plafonamento do CDS-PP teríamos, agora sim e a curto prazo, a insolvência da Segurança Social. O CDS-PP e o seu presidente, não são os amigos dos reformados que dizem ser, são apenas e tão só os campeões das Seguradoras e dos Fundos de Pensões privados! Senhor Presidente Senhores Deputados Da parte do PCP, somos claros. Estamos vacinados contra a demagogia sem freio e o populismo indecoroso. E não estamos condicionados na apreciação que fazemos da política do Governo por nenhuma razão, nem por nenhum processo, incluindo por nenhum processo legislativo. Somos oposição de esquerda ao Governo. Criticamos com clareza as políticas de direita do Governo, no que toca à submissão aos interesses dos grandes grupos económicos, de que é exemplo gritante a complacência e a forma comprometida com que o Governo está a pactuar com o grupo Mello no caso Lisnave. Como no que toca à desvalorização dos estatuto dos trabalhadores e da dignidade do trabalho, à desgraçada política de saúde, à profunda penalização a que estão sujeitas as famílias portuguesas. Como, ainda, no que toca à capitulação do Governo na União Europeia perante o crescente "federalismo" dos grandes, à submissão à NATO e à sua política militarista, e em tantos outros sectores e domínios. Aliás, ainda na passada Sexta-feira, no debate sobre o estado da Nação, o Secretário-Geral do PCP aqui reafirmou as profundas críticas e censuras que fazemos ao Governo nas diversas áreas da acção governativa. E não há qualquer razão que justifique a sua repetição agora. Mas, assim como nos opomos à política de direita do Governo, assim como apoiamos as lutas e protestos que crescem no país contra esta política e que tiveram expressão maior nas manifestações de 23 de Março em Lisboa e de 19 de Junho no Porto, assim também desenvolvemos, aqui e em todos os espaços onde isso é possível, a apresentação e defesa de propostas concretas de acordo com a perspectiva que assumimos, como força de esquerda, para a garantia dos interesses do povo e do país. Foi o que fizemos, por exemplo, com a defesa dos cidadãos face aos impactos do aumento dos preços dos combustíveis, com a defesa da baixa das tarifas de electricidade ou com a luta pela reposição das bonificações ao crédito para aquisição de habitação própria. Ou, ainda, com as propostas de aumento do salário mínimo e das pensões de reforma, com o programa de redução dos gastos com medicamentos ou com o reforço das medidas de protecção às mulheres vítimas de violência. É o que fazemos com a Segurança Social. Com a certeza de que as posições que aqui defendemos são as que, no quadro político actual, melhor correspondem aos interesses da grande maioria dos portugueses, são as que defendem os diferentes regimes e prestações a que o sistema público de segurança social está vinculado, são as que garantem os interesses dos actuais reformados e das futuras gerações de reformados e asseguram o aumento sustentado das pensões degradadas. As nossas posições são claras, repito-o, quanto ao Governo, como quanto à Segurança Social e quanto aos partidos da direita. A moção do dr. Paulo Portas dar-lhe-á o enorme gozo de ficar convencido que mais uma vez "entalou" o dr. Durão Barroso. Quanto ao fio condutor da política do Governo, vai continuar o mesmo, à direita como tem sido. Fica até a dúvida se esta moção do CDS-PP - bem como a oposição bravia e máscula que a ela outros querem mostrar, depois de em Novembro terem apresentado uma não menos festiva moção de rejeição do programa do Governo - não serve de cortina de fumo para tentar fazer passar um voto amigo no próximo Orçamento do Estado. É um excelente tema de reflexão para os comentadores políticos ... A moção das seguradoras apresentada pelo CDS-PP já foi. Aliás, o presidente do CDS-PP também já não está nesta, já está a pensar no que engendrará a seguir. Para ele, esta moção é chão que já deu as uvas que ele pretendia que dessem. Porque é uma moção virada para a luta na ocupação do espaço da direita portuguesa, nela não temos que, nem queremos, imiscuir-nos. Porque é uma moção das Seguradoras e contra os reformados, tem o nosso claro voto contra. Porque é uma moção que pretende branquear a política de direita do Governo do PS e reabilitar o Governo do eng. Guterres como um Governo de "viragem à esquerda", nunca poderia ter o nosso voto favorável. Na verdade, esta moção não merece voto nenhum. Também por isso nos abstemos. Pela nossa parte, sabemos e somos sempre capazes de fazer escolhas, de optar sempre por uma posição de esquerda, assumida, coerente e responsável, não folclórica nem resvalando para o oportunismo. Quanto ao eng. Guterres, pode continuar a contar com a oposição firme e combativa do PCP à política neoliberal do seu Governo.

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