Intervenção

Intervenção do Deputado<br />Interpela??o ao Governo sobre pol?tica geral

Senhor Presidente, Senhores Deputados, Senhores Membros do Governo, Há hoje as mais justas razões para o generalizado descontentamento da população em relação à política de saúde. Os portugueses, especialmente os que menos recursos têm, vêm cada vez mais dificultada a concretização do seu direito à saúde.Mas a verdade é que os problemas existentes têm causas bem concretas.Se existem listas de espera para cirurgias é porque o governo continua a manter uma baixa produtividade em muitos blocos operatórios de unidades hospitalares e porque se desvirtuaram os princípios da lei aprovada na Assembleia da República. Os resultados do programa acesso são um fracasso. Nem sequer podemos saber com rigor o que aconteceu verdadeiramente na actividade dos hospitais porque o governo (pasme-se) não sabe qual foi a produtividade destas unidades no ano passado. Nem sequer podemos saber se houve ou não nalgumas instituições transferência da actividade normal programada para a extraordinária que é paga à peça e de forma acrescida o que a acontecer evidentemente não constitui qualquer recuperação de listas de espera. De resto se dúvidas houvesse sobre o fracasso do governo em matéria de listas de espera para cirurgias o comportamento da Ministra da Saúde seria suficiente para o confirmar. Os episódios sucessivos com as informações contraditórias dadas à Comissão de Saúde são disso prova cabal, para além de constituírem um inaceitável desrespeito pela Assembleia da República.Se existe descontrole orçamental é porque o governo permite que uma cada vez maior fatia do orçamento da saúde seja entregue de mão beijada aos poderosos interesses económicos dos sectores dos medicamentos, dos convencionados e das seguradoras. E enquanto isso surgem já notícias de que o governo estará a cortar nos orçamentos dos hospitais criando insuportáveis constrangimentos ao seu funcionamento enquanto os lucros privados engordam.Se tantas unidades de saúde atravessam enormes carências de pessoal tal deve-se à política suicida em matéria de recursos humanos que o governo tem praticado. E isso quer em relação à formação de profissionais quer à política de congelamento das vagas dos quadros das instituições públicas de saúde designadamente para auxiliares e administrativos.Se continua a haver desperdício e incompetência na gestão das unidades públicas de saúde é porque o que vale mais na nomeação das direcções não é a competência mas o cartão partidário; é porque o relacionamento com as unidades de saúde não é o da contratualização de objectivos mas o do funcionamento sem perspectiva, sem programação e sem responsabilização pelos resultados.Se se acentua a centralização das decisões no Serviço Nacional de Saúde em vez de se privilegiar a gestão descentralizada com uma crescente participação das populações é porque isso é um instrumento privilegiado de uma gestão economicista, cuja prioridade não está centrada nos utentes.Neste debate é preciso que fique bem claro que, sendo óbvia a responsabilidade dos responsáveis do Ministério da Saúde pela política que praticam, essa responsabilidade tem de ser atribuída por inteiro igualmente ao Primeiro Ministro e ao governo do PS. O problema não se centra na titular da pasta mas numa política que acentua a privatização do SNS e prepara o terreno para o acentuar da linha liberalizadora.É aliás curiosa a situação que hoje vivemos. Subitamente todos estão a favor do SNS, desde o PSD ao governo. O PSD, aproveitando o óbvio descrédito da Ministra centrou nela a sua ofensiva. A Sra. Ministra responde que o PSD não tem política para o sector. Mas olhe que tem Sra. Ministra; tem e é má. O PSD defende obviamente uma maior privatização do sector. E só não fala mais abertamente nisso porque por um lado corre o risco dessa frontalidade ser impopular entre os profissionais e a população, e porque por outro lado teria depois dificuldades em se distanciar de algumas medidas deste governo.Porque afinal com o que é que o PSD discorda?Com a gestão privada de unidades públicas?Com a entrega de uma maior fatia da prestação de cuidados de saúde aos privados, reduzindo o Estado a mero financiador?Com a gestão centralizada que sempre foi uma característica da sua própria governação?Provavelmente está de acordo com tudo isto e aí reside a sua dificuldade. Não se coíbe no entanto de tentar reverter para si as consequências de uma política de direita com que no fundamental se identifica.Sr. Presidente Srs. DeputadosParticularmente espantosa é a entrevista de hoje da Sra. Ministra da Saúde. Diz a Sra. Ministra que "é uma vergonha o que se passa na saúde". Apetece perguntar de quem é a responsabilidade desta vergonha. A Sra. Ministra descobriu entretanto inúmeros problemas e constrangimentos, de resto na sua maioria já abundantemente denunciados pelo PCP, sacudindo as responsabilidades em todas as direcções.A Sra. Ministra afirma até: "Percebo que a desorganização, a má gestão, a inércia, o deixa andar, o ninguém assumir as responsabilidades desmotive as pessoas...". Talvez o melhor seja então o governo começar por assumir as suas responsabilidades na situação da saúde, que tutela desde 1995.Descobriu por exemplo que "estão a ser comprados serviços aos privados que os hospitais públicos podem fazer. Pois é. Mas a verdade é que já a Carta de Equipamentos da Saúde, afirmava que em 1996 os serviços públicos compraram ao sector convencionado 1,6 milhões de ecografias, 3 milhões de radiografias e 170 mil TAC's. E afirmava também que se os equipamentos instalados nos serviços públicos funcionassem 8 meses a 10 horas diárias poderiam produzir um acréscimo de 2 milhões de ecografias, 1,2 milhões de radiografias e 166 mil TAC's. Não se vislumbra entretanto nenhum esforço do governo para aumentar a produtividade dos hospitais. E no que diz respeito à recuperação das listas de espera o governo optou desde o início pela atribuição de parte delas a entidades privadas sem que se verificasse estar esgotada a capacidade dos hospitais públicos.Refere-se ainda a Sra. Ministra por diversa vezes ao PCP, normalmente de forma pouco própria. Diz que o PCP anda há ano e meio a promover uma guerrilha contra si. Engana-se. O PCP anda desde sempre a opor-se a uma política de saúde com que não concorda.Diz que o PCP anda a gritar sobre o défice e simultaneamente os seus sindicatos fazem demasiadas exigências. Alguém devia explicar à Sra. Ministra que os Sindicatos são estruturas independentes e representativas dos profissionais que congregam e que este tipo de discurso faz lembrar alguns discursos cavaquistas de má memória.Diz a Sra. Ministra que o PCP está nalgumas medidas em sintonia consigo. Não temos nenhum tabu em estar de acordo com medidas que defendam o Serviço Nacional de Saúde, independentemente da sua origem. O curioso é que, dito isto, a Sra. Ministra se esqueceu de enumerar as tais medidas, certamente por dificuldades de memória.Diz ainda que o PCP tem um pavor de coisas que não vai fazer. Não Sra. Ministra; o que temos é pavor das coisas que já fez e não devia ter feito e das que devia ter feito e não fez. Por um lado mantém a desastrosa política de recursos humanos, de promiscuidade e de enfeudamento aos interesses privados. Por outro aposta na manutenção da gestão privada do Hospital Amadora Sintra, e no seu alargamento a outras unidades, designadamente à nova unidade de Sintra; aprovou já em Conselho de Ministros um diploma que divide o Instituto da Gestão Informática e Financeira em dois institutos com possibilidade de terem gestão privada e esvazia o papel das agências de contratualização; aceitou a substituição de medicamentos já existentes por outros similares e só aparentemente novos com o consequente aumento de preços e despesas com a comparticipação; mantém à distância a generalização da prescrição pelo princípio activo, compromisso dos programas do XIII e XIV governo. E podíamos continuar na enumeração.Por acção e omissão a política deste governo abre caminho a uma cada vez maior privatização da saúde.Diz também que para o PCP a reforma do SNS são três diplomas legislativos e que os queremos para fazer proliferar conselhos de administração. O que fazemos é assinalar que estas parcas medidas foram engavetadas.É aliás um paradoxo que continua por resolver e que tantas dores de cabeça tem dado à equipa do Ministério da Saúde. Que é o de saber como se compatibilizam em governos do mesmo partido e com o mesmo primeiro ministro medidas como a implantação dos Sistemas Locais de Saúde com a prática centralizadora de a titular da pasta analisar e corrigir pessoalmente os orçamentos dos hospitais e elaborar ela própria (com os resultados que se conhecem) os quadros de informação a entregar à Comissão de Saúde. Seria aliás interessante que o governo e o primeiro ministro pudessem informar-nos do que é feito das tais medidas.Medidas que embora não traduzindo a inversão da política privatizadora e neo-liberal do PSD avaliámos positivamente, não sem que afirmássemos, como aliás continuamos a fazer, que o governo continuou como continua a ceder aos grandes interesses que disputam e absorvem o grosso dos recursos públicos disponibilizados para o sector. Que o Governo claudica perante as multinacionais dos medicamentos e dos equipamentos, a área das convenções, e os grandes grupos económicos empenhados na privatização da saúde. Que o governo em vez de privilegiar os interesses dos utentes tem deixado alastrar a promiscuidade entre o sector público e o privado que mina o Serviço Nacional de Saúde.Ao contrário de outros, dizemos hoje o que sempre dissemos. Na mesma entrevista a Sra. Ministra utiliza um estilo inaceitável ao proferir insinuações que não fundamenta e que pretendem envolver alguns não nomeados militantes do PCP. É uma conduta inaceitável que repudiamos veementemente exigindo a sua imediata clarificação.Sr. Presidente Srs. DeputadosNuma coisa a Sra. Ministra tem razão: o PCP tem ideias bem definidas para a saúde. E sabe que os problemas que existem não são inevitáveis. E tem soluções para eles.Por isso exigimos a rápida recuperação das listas de espera para cirurgias e também para consultas de especialidade, de acordo com os princípios da lei, isto é, aproveitando e aumentando a capacidade de resposta das unidades públicas.Por isso apresentaremos propostas sobre a gestão pública dos serviços de saúde em que as direcções das unidades de saúde sejam escolhidas por concurso e em que se dê prioridade à articulação entre os vários serviços e à participação das populações e dos profissionais na gestão, acabando-se com obstáculos burocráticos a uma gestão mais eficaz.Por isso defendemos o aumento das vagas no ensino superior na formação de profissionais de saúde, e em simultâneo o fim do congelamento das vagas nos lugares de quadro das instituições.Por isso defendemos a prescrição pelo princípio activo e a dispensa gratuita nas consultas externas e em determinados casos nas urgências dos medicamentos que sejam menos onerosos para o Estado se comprados directamente e disponibilizados aos utentes nestas condições do que suportando as comparticipações do circuito comercial.Por isso exigimos uma política que ponha fim à promiscuidade entre a prestação pública e a privada e que afronte os interesses económicos que parasitam o SNS e que levam uma larga fatia do seu orçamento.Assim e só assim se defenderá o Serviço Nacional de Saúde e o direito à saúde dos portugueses.

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