Intervenção

Intervenção do Deputado<br />Interpelação do PCP ao Governo

Senhor Presidente, Senhores Deputados, Senhores Membros do Governo: A degradação de serviços públicos essenciais tem ocorrido a par com um nível acelerado de desqualificação e precarização do emprego. Ora, do ponto de vista desta interpelação uma questão central se coloca. É que a degradação das relações laborais em serviços de interesse público é responsável pela desmotivação e desmobilização dos próprios trabalhadores e, portanto, pela própria qualidade com que esses serviços são prestados. E como seria possível que assim não fosse se os principais intervenientes no processo - os trabalhadores - não têm segurança nem estabilidade no emprego? Como é possível servir melhor as populações, com os trabalhadores em regime de precaridade, sem direitos, e sem políticas de formação, qualificação e valorização profissional? Como reagiria o Senhor Ministro da Reforma do Estado e da Administração Pública, se fosse trabalhador da Administração Pública com uma determinada experiência, carreira e salário, se, de repente, visse a sua área transformada em Instituto, e aparecesse sentado na secretária do lado um outro contratado (porventura quadro do PS), ao abrigo de um contrato individual de trabalho, com menor experiência e qualificação, a ganhar 15 ou 20% mais? Ou se olhasse para os membros do Conselho de Administração de tal instituto e visse como eles se auto-aumentam em percentagens elevadíssimas e aprovam altas mordomias, como se passa, por exemplo, no INAC? Pois é isso que acontece hoje, em muitas e muitas situações concretas! O desenvolvimento de regimes laborais privados no espaço público, visando acantonar o regime geral da função pública a uma posição residual é, pois, uma questão inaceitável para os trabalhadores com consequências para o funcionamento dos próprios serviços.Senhor Presidente, Senhores Deputados, Senhores Membros do Governo: Neste quadro os exemplos podem multiplicar-se. A dificuldade está na escolha. Veja-se a EDP. Enquanto sobem os lucros, diminuem os trabalhadores, pressionam-se acordos de rescisão para, depois, os contratar com trabalhadores independentes, através de sub-empreiteiros, em condições ultra-precários. Tal processo traduziu-se, em relação aos trabalhadores, na redução do emprego, passando de 22 mil para cerca de 14 mil, no agravamento das condições de trabalho e no ataque a direitos e, em relação aos consumidores, na degradação acentuada da prestação do respectivo serviço público, designadamente com o encerramento de cerca de 150 locais de atendimento, que afectaram mais de 800 mil consumidores. Foram extintas oficinas, reduzidos armazéns, reduzidos piquetes de avarias. Em suma, os trabalhadores passaram a ter uma vida e um futuro sombrio e o País está a dar um salto para a escuridão dos "apagões". Nos transportes ferroviários, passados alguns anos desde o começo do desmembramento da CP, o balanço que se pode fazer é que há menos postos de trabalhos, menos direitos dos trabalhadores, uma grande desorganização no sistema, com condições objectivas para uma eventual redução da segurança. Em 1996, a empresa tinha 13.600 trabalhadores actualmente esta reduzida a metade - 6.600 trabalhadores. Nos transportes rodoviários, as avarias nos autocarros de passageiros multiplicam-se não só pelo facto dos carros serem antigos, mas também pelo facto de continuamente se ter vindo a reduzir o quadro de pessoal dos serviços de manutenção. A redução também do pessoal motorista, impõe uma carga de trabalho acrescida. Os motoristas chegam, de facto, a fazer 12, 14 e 16 horas diárias, com a consequente falta de descanso e desrespeitando as mais elementares regras de segurança. A antiga Rodoviária Nacional que empregava 15 mil trabalhadores, hoje dividida em 14 empresas, quase todas nas mãos do grupo Barraqueiro, tem actualmente apenas 6700 trabalhadores. Com a agravante de estar a decorrer um novo plano de reestruturação que consiste em fundir 3 empresas, com nova redução de postos de trabalho. Outro exemplo: nos três institutos que nasceram da extinção da Junta Autónomas das Estradas, em Junho de 1999, a precarização do vínculo laboral trouxe, entretanto, um problema, até agora não resolvido e que é da maior importância- o da definição dos instrumentos de regulamentação das relações de trabalho, para os trabalhadores submetidos ao contrato individual de trabalho. Isto está a ser feito, actualmente, de forma unilateral pelos Conselhos de Administração que, sem qualquer negociação prévia, aprovaram os respectivos regulamentos de remunerações e carreiras. Aliás, esta é a prática corrente nos institutos públicos, onde, outra prática sistemática é a de aluguer de mão de obra a outras empresas especializadas no ramo. Em relação à precaridade de emprego na Administração Pública, após o processo de regularização de vínculos precário, que permitiu a integração nos quadros de pessoal de perto de 40 mil trabalhadores, era lógico que se concluísse que semelhante situação não voltaria a registar-se na nossa Administração Pública. Por falta de cumprimento, pelo próprio Governo, das normas legais em vigor, conjugado com uma política de recursos humanos para a Administração Pública, que nada tem a ver com a renovação de efectivos e consubstanciada numa cega decisão de congelamento de vagas, de imediato surgiram novos precários. Por exemplo, o caso O Ministério da Saúde é paradigmático, pelo número de trabalhadores abusivamente contratados a termo certo (cerca de 15 mil). Apesar de reconhecer que estes trabalhadores cumprem funções que correspondem a necessidades permanentes de serviço, a opção tem sido a de prorrogar os contratos de trabalho precário, ao invés de encetar o processo de admissão no quadro.Senhor Presidente, Senhores Deputados: É uma evidência que a degradação do emprego e dos direitos de quem trabalha reflecte-se na própria diminuição da qualidade dos serviços prestados aos cidadãos. Não é possível exigir melhoria dos serviços, mais eficácia e eficiência, sem que tais objectivos incorporem a manutenção e o desenvolvimento de relações laborais estáveis, que incluam uma componente retributiva digna e valorizante, um horizonte profissional adequado, protecção social, saúde e segurança no trabalho, formação e valorização profissional. Em todo o caso, é devido ao esforço e ao sacrifício e ao saber-fazer de milhares de trabalhadores, como os profissionais da saúde ou de educação, por exemplo, que serviços básicos essenciais continuem a funcionar afectando o menos possível os cidadãos. Para eles a nossa solidariedade e o nosso reconhecimento.Em suma, Senhores Deputados, a melhoria da qualidade e eficiência dos serviços públicos é indissociável da salvaguarda dos direitos dos trabalhadores, da sua valorização e da sua dignificação.

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