Intervenção

Intervenção do Deputado<br />Debate sobre o Estado da Na?

Senhor Presidente Senhores Deputados Senhor Primeiro-Ministro Neste fim do primeiro semestre o "Estado da Nação" não é já o das paixões altissonantes quer em relação ao ensino, quer em relação à saúde, nem o da incontinência discursiva sobre a modernização do país, a Internet, ou a "nova economia", mas o da dura realidade da velha economia, com as suas debilidades estruturais e a sua crescente dependência e subordinação ao estrangeiro, o do abrandamento económico, dos défices externos, do endividamento dos cidadãos e do país e o da contínua concentração da riqueza. Enquanto a envolvente externa foi favorável, enquanto o leilão das empresas públicas e a especulação bolsista foi soprando o bom vento, enquanto as benesses e os dinheiros públicos foram engrossando os grandes grupos económicos, foi-se vivendo em maré de rosas, não faltando os jobs para os boys, nem o laxismo nos gastos. Mas agora quando o vento já não sopra de feição e quando as pratas para leilão já estão a chegar ao fim vê-se que o montante das facturas por pagar é astronómico, ameaçando estoirar com o festim. Onde está agora o discurso da "nova economia", das "novas tecnologias", da "cultura da responsabilidade", do "governar com consciência social", num País que após o drama de Entre-os-Rios, acordou para o atraso das suas estruturas, para as assimetrias regionais, para a cultura do "tapa buracos", do remedeio e de tantas obras de fachada. Num país que, de um dia para o outro lhe foi dito que a despesa tinha de ser travada a quatro rodas, que vinha aí a austeridade, não pela arreata do FMI, mas pela "mão de veludo" do «pacto de estabilidade» e dos constrangimentos de Maastricht cozinhados e aceites pelo PSD e pelo PS. E em vez da célebre Teresa Ter-Minasean, do FMI, dos tempos de Cavaco ouvimos agora a voz de um Comissário Europeu, Pedro Solbes, dando sentenças como se estivesse em sua casa, sobre a economia portuguesa e sobre a excelência das medidas de contenção. Ao velho estilo, procura-se fazer crer que o aperto do cinto é para todos os portugueses. Não é para todos. É sim, sempre para os mesmos, para os trabalhadores da Função Pública e por arrastamento para os outros assalariados, para os reformados e de forma indirecta para os pequenos e médios empresários. Para os grandes senhores do dinheiro e para os grandes senhores do capital financeiro o aperto passa ao lado.As cinquenta medidas agora aprovadas bem como o Orçamento rectificativo são a confissão clara do fracasso de uma política que liquidou oportunidades e meios consideráveis.Quando estava na oposição o Eng. Guterres costumava perguntar ao PSD para onde estavam a ir os dois milhões de contos que o país recebia diariamente dos fundos estruturais. Hoje pode fazer a mesma pergunta a si próprio e dar a resposta óbvia que um milhão por dia vai para os lucros da banca que foi a "pornográfica" média declarada ao fisco no ano transacto e que o restante vai para pagar as compras ao exterior, ao séquito do Governo e à sua clientela e também para algumas obras públicas... Senhor Presidente Senhores Deputados Senhor Primeiro-Ministro Temos das mais altas taxas de lucro do capital financeiro e dos mais baixos salários e pensões e reformas de todos os países da União Europeia. Apesar disso quer-se criar o clima psicológico para que os trabalhadores paguem a factura dos desmandos governamentais. Na verdade assistimos de há um tempo a esta parte a uma das mais violentas campanhas de propaganda contra os salários. De forma pensada, articulada e faseada, numa sucessão de notícias, artigos, declarações, de representantes dos grandes interesses, entendidos como "salva Pátrias" e de ex-governantes mal sucedidos quando tiveram responsabilidades na área das finanças e da economia e hoje denominados de "sábios", o Governo encontra a velha mezinha de facturar aos trabalhadores, e em particular aos trabalhadores da Administração Pública, as dificuldades resultantes da sua política económica. Rasgando compromissos estabelecidos no célebre Acordo de 1996 com a Frente Comum dos Sindicatos da Administração Pública (na altura agitado como grande bandeira da capacidade de diálogo e negociação), o Governo vem agora tentar impor de forma draconiana a restrição de direitos e dos salários. As medidas que propõe nesta área consubstanciam uma autêntica declaração de guerra aos trabalhadores colocando mesmo uma nova e ameaçadora questão: e que é o da própria liberdade de negociação e de contratação colectiva. Estamos em Portugal Senhor Primeiro-Ministro, estamos num País de baixos salários, num quadro de grande precariedade, numa situação em que se anunciam mais despedimentos colectivos e encerramento de empresas, vivendo os dramas da sinistralidade do trabalho que durante os seus mandatos já atingiu mais de um milhão de trabalhadores a receberem pensões miseráveis. Assistimos anteontem, aqui, à "sensibilidade social" do seu Grupo Parlamentar quando votou contra o Projecto-lei do PCP que visava tão só a reposição de alguma justiça através da revalorização das pensões e aumento das remissões por acidente de trabalho e doenças profissionais, quando o ramo dos acidentes de trabalho aumentou no último ano 32,5%. E tudo quando o Governo, como disse o deputado Jorge Coelho, trava um braço de ferro com os grandes grupos económicos... Ao contrário, a sensibilidade do Governo indicia a sua predisposição para alterar gravosamente duas leis estruturantes do direito do trabalho - a lei da contratação colectiva e a lei dos despedimentos - que ficaram congeladas perante a derrota do Pacote Laboral por força da luta dos trabalhadores. O Governo continua surdo e mudo face ao protesto, às reivindicações e à luta daqueles milhares de trabalhadores que por todo o país se manifestaram no passado dia 7 de Junho, mudo e quedo perante o descontentamento e a luta dos reformados e de diversos sectores e camadas sociais. Ouvi-los-á mais cedo que tarde! Porque do que estamos aqui a tratar é de aspirações concretas, direitos concretos que colocam como incontornável a necessidade que os trabalhadores sentem de lutar por uma vida melhor, por mais justiça social, por uma mais justa distribuição do rendimento Nacional. A situação a que se chegou deve-se no fundamental a orientações da política económica que nas questões mais decisivas são idênticas às que foram prosseguidas pelos anteriores governos do PSD - nomeadamente, no que respeita ao processo de privatizações, à subalternização e enfraquecimento de importantes sectores produtivos, às benesses dadas aos grandes grupos económicos, à estratégia de sustentar a "competitividade" das empresas numa prática inaceitável de trabalho precário e baixos salários, à delapidação de recursos com a criação de institutos e mais institutos, dos jobs for de boys. À perda de milhões pelo erário público em várias negociatas, como as da Siderurgia Nacional, ou as da Partest em que o Governo do Partido socialista, de acordo com a auditoria do Tribunal de Contas "entregou" 50 milhões de contos a grupos privados na Lisnave, na EDP, na Seguradora Trabalho, no Hospital da Cruz Vermelha, na Soporcel.... Numa semana anunciou-se propagandisticamente projectos megalómanos, apesar das dificuldades já serem conhecidas. Na semana seguinte toca-se o sino a rebate e apresenta-se nesta Assembleia um Orçamento rectificativo, seis meses após o início da execução orçamental e cinquenta medidas de cega contenção de despesa. Perante esta situação mais necessário se torna rever os projectos anunciados e dar eficácia económica e social a outros grandes empreendimentos em curso. O que se passa por exemplo, com o projecto de Alqueva deve ser motivo para a maior das preocupações. Projecto essencial como componente de uma estratégia global de desenvolvimento do Alentejo, a sete meses do início do seu enchimento (a cumprirem-se os novos prazos oficiais) tudo ou quase tudo está por definir. Planos de Ordenamento; reorganização fundiária; definição dos novos sistemas culturais; revisão dos constrangimentos da PAC; sistema de rega e preço da água; formação dos agricultores; organização do escoamento das produções; apropriação das mais valias. Está tudo na estaca zero ou pouco mais. O PCP assumiu as suas responsabilidades desencadeando um debate público envolvendo técnicos, agricultores, autarquias e populações e apresentando uma solução legislativa para a questão central, a questão da terra. Uma parte do Governo, a que se exprime pela voz trauliteira e insultuosa do Ministro da Agricultura, respondeu da pior maneira possível contra, aliás, o consenso e apoio generalizado ao reconhecimento da importância dos problemas que o PCP tem vindo a suscitar. A atitude do Governo é também aqui claramente irresponsável e incompetente perante um investimento que envolve mais de 350 milhões de contos de dinheiros públicos e que corre o risco de não atingir os objectivos para que está a ser construída por exclusiva responsabilidade do PS. Mas não é só na área da macroeconomia e dos investimentos que se exprime o fracasso da política do Governo. A saúde é justamente considerada como uma das áreas mais críticas da governação do Partido Socialista. Mas as razões que nos levam a fazer este diagnóstico nada têm que ver com a barragem cerrada, feita pelos defensores do neoliberalismo contra o Serviço Nacional de Saúde. Há razões para que a população se queixe das dificuldades no acesso a importantes cuidados de saúde, como acontece com muitas cirurgias, consultas de especialidade ou simplesmente a ter médico de família. Não é penalizando os trabalhadores que se melhora o funcionamento dos serviços de saúde. O que é preciso é desenvolver um plano urgente para a formação de recursos humanos, exigido por unanimidade em resolução da Assembleia da República e que o Governo se comprometeu em Abril a apresentar até ao final do primeiro semestre. Se o Governo quer de facto melhorar o funcionamento das unidades de saúde então acabe com o regime de nomeação das suas direcções, tantas vezes orientada por critérios partidários ou outros. E passe a escolhe-las por concurso baseado na competência e na capacidade dos profissionais. Se o Governo que de facto racionalizar a despesa na saúde, então que aproveite a capacidade instalada dos serviços públicos, comprando menos ao sector privado. Que tome as medidas da política de medicamento necessárias à redução dos custos para o Estado e para a população porque os genéricos não são tudo, embora sejam uma importante medida sobretudo se tiverem força e coragem para vencer a resistência à sua prescrição. Cumpra por exemplo, o que incluiu no próprio Programa do Governo: aplicação de um formulário nacional do medicamento que permita em todo o Serviço Nacional de Saúde, a prescrição pelo princípio activo. Ou passe a dispensar gratuitamente, pelo menos nas consultas dos hospitais, os medicamentos que assim custem menos ao Estado do que através da comparticipação nas farmácias privadas, com a óbvia poupança também para a população. Bem sabemos que são medidas que atingem interesses mas que beneficiam e muito a população portuguesa. Uma outra área, a da educação, fundamental para o nosso desenvolvimento, sofre agora no sector decisivo do ensino superior público um corte de 11 milhões de contos, o que só por si é revelador da prioridade que lhe é atribuída. E isto depois da contestação que a política do Governo tem tido por parte dos professores, pais e alunos. Na verdade, nesta sessão legislativa, o Ministério da Educação e o PS ficaram completamente isolados da comunidade educativa, na defesa de uma revisão curricular que não foi discutida com ninguém, que aprofunda os caminhos da elitização e da desresponsabilização do Estado e que o próprio Governo reconhece não ter condições materiais e humanas para ser aplicada. É necessário a suspensão da revisão curricular e a abertura de uma processo exigente de discussão com professores, pais e alunos. Uma outra reivindicação e fonte de mal estar dos estudantes prende-se com a aplicação efectiva da educação sexual nas escolas. A esperança criada com a aprovação da nova lei em 1999 começa a desvanecer-se. Não se vislumbram no terreno acções concretas. O nosso País está a perder um tempo precioso no combate à gravidez indesejada e adolescente e à propagação de doenças sexualmente transmissíveis, nomeadamente da Sida. Por proposta do PCP aprovou-se um diploma que prevê uma protecção especial para os pais adolescentes, combatendo o abandono escolar. Esperamos que este seja levado à prática e que não estejamos perante mais um «faz de conta» legislativo. Não nos podemos esquecer que Portugal ocupa um tristíssimo segundo lugar europeu em matéria de mães adolescentes. Mas a frustração e o mal estar com a política que vem sendo seguida atinge hoje as mais diversas camadas e grupos sociais e áreas socioprofissionais. É notório por exemplo, o sentimento de profundo mal estar existente nas forças de segurança, a par das grandes dificuldades do governo para corporizar uma necessária, verdadeira e sustentada política de segurança interna, nomeadamente na vertente da segurança das populações. Não é compreensível, nem justificável para os cidadãos e para o País e representa um escândalo nacional que nas forças de segurança que gastam dos contribuintes 225 milhões de contos e que contam nas suas fileiras com cerca de 50 mil agentes, somente 45% estejam afectados à patrulha e a funções ligadas à segurança dos cidadãos. Também assume particular gravidade a posição pública do Ministério da Administração Interna, quanto à arquitectura das Forças de Segurança, ao defender que a GNR se mantenha sob o rígido e desadequado estatuto militar, incompatível com as suas responsabilidades e atribuições na segurança pública das populações e dos cidadãos. Na mesma lógica se insere a restrição de direitos fundamentais dos profissionais das forças de segurança com o desenvolvimento de uma linha repressiva que tem expressão na GNR, com a instauração inaceitável e ilegítima de processos disciplinares a dirigentes associativos e a continuada recusa em dar satisfação às legítimas reivindicações dos agentes, com destaque para o associativismo socioprofissional para a GNR e de liberdade sindical para a PSP. O Primeiro-Ministro e o Ministro da Administração Interna não podem lavar as mãos como Pilatos desta situação, passando para os comandos a responsabilidade. Estes têm que se conformar com o regime democrático e a Constituição da República. E se não se conformam devem ser prontamente demitidos. Da mesma maneira o PS e PSD não podem continuar com o jogo do empurra e fechar os olhos ao protesto dos milhares de polícias que anteontem se manifestaram pelas ruas de Lisboa e às portas deste Parlamento. Também a situação existente mas Forças Armadas se caracteriza, como temos vindo a alertar por um grande descontentamento resultante da acumulação de expectativas e problemas não resolvidos, acompanhados da degradação de diversos factores ligados com a situação social dos militares de que são exemplo, a forma como foi revisto o seu Estatuto e a desvalorização funcional que consagrou; o bloqueamento das carreiras; o não cumprimento de direitos consagrados para os militares em regime de contrato; a manutenção e insistência em opções no plano externo contrárias aos interesses e prioridades nacionais. É necessário que o Ministro da Defesa com as suas declarações não desprestigie as Forças Armadas e é necessário dar resposta a estas questões e designadamente ao problema dos direitos dos militares consagrando um moderno e efectivo regime de direitos, nomeadamente quanto ao associativismo socioprofissional. E não deixa de ser curioso também que o mesmo Partido que demagogicamente fala nos mais carenciados e que apela ao derrube do Governo, seja o mesmo que já combinou com o PS a lei de Programação Militar para Setembro, lei que não consagra nos seus aspectos fundamentais a aquisição de meios prioritários para as F.A's, e que amarrará Portugal para décadas aos vultuosos encargos e opções que agora foram tomados... Senhor Presidente Senhores Deputados Senhor Primeiro-Ministro Do que o País precisa não é de orçamentos rectificativos, nem do corte abrupto e cego de despesas em que mais de 50% incide sobre áreas sociais, para cumprir as imposições dos critérios monetaristas de Maastricht e do Pacto de Estabilidade, nem de remodelações ministeriais, no «faz de conta» de que é preciso mudar de caras para que tudo fique na mesma. Nem a questão está em o Primeiro-Ministro dar a cara em vez se de esconder atrás de tal ou tal ministro. E também não está nas declarações eventualmente para satisfazer camaradas de que irá "às fuças" à direita. A questão central está no conteúdo concreto da política. Do que o País precisa é de outra política que tenha a coragem de fazer a ruptura com a política de direita, de um governo que tenha a coragem de enfrentar os grandes interesses e que não se constipe mal aqueles comecem a espirrar. Reafirmamos e relembramos que o PS teve todas as oportunidades eleitorais e políticas para a realização de uma política de esquerda, mas tem-nas desbaratado com a sua deliberada opção pela realização, nos aspectos mais determinantes, de uma política similar e, nalguns casos agravada, à dos governos do PSD. E é necessário sublinhar e relembrar que foi a política do Governo do PS, designadamente através do saque das privatizações, que fortaleceu consideravelmente o poder do grande capital e acentuou factores de subordinação do poder político ao poder económico. Pela nossa parte prosseguiremos com a nossa firme atitude de oposição de esquerda ao Governo do PS, dando combate às suas opções de direita e prosseguiremos ao mesmo tempo com uma atitude responsável e construtiva com as nossas próprias propostas e pelo apoio a propostas alheias para alcançar medidas, decisões e linhas de orientação positivas ainda que pontuais e parcelares e a batermo-nos, e com renovado vigor, pela intensificação da luta social, pela resposta eficaz a sentidas reivindicações e aspirações dos trabalhadores e da população, por uma vasta agregação do descontentamento popular e forte mobilização dos cidadãos em torno da exigência de uma política de esquerda para melhorar o estado da Nação. Disse.

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