Intervenção

Intervenção do Deputado<br />Acesso aos medicamentos contraceptivos de emergência

Sr. Presidente, Srs. Deputados A discussão que fazemos hoje tem um contexto. É um contexto de discriminação das mulheres, em especial das jovens mulheres e das adolescentes. E é uma realidade que não pode ser ignorada. No nosso país, e segundo um inquérito realizado em 1997 aos jovens portugueses, da responsabilidade da Secretaria de Estado da Juventude, mais de metade dos jovens inicia a sua vida sexual antes dos 20 anos e um quarto antes dos 17 anos. Estes jovens continuam a ser vítimas, apesar disto, de uma política conservadora que lhes nega, até agora, a educação sexual e lhes limita o acesso aos meios contraceptivos. É por isso que continuamos a ter uma das mais altas taxas de gravidezes indesejadas e de gravidezes na adolescência da União Europeia e da Europa. O mesmo inquérito revela-nos que 40% das jovens entre os 15 e os 17 anos, que já iniciaram a sua vida sexual, admitem recorrer ao aborto, e que esta probabilidade se distribui de acordo com as desigualdades sociais existentes. Uma jovem de classe social baixa tem quatro vezes mais probabilidades de ter de recorrer ao aborto do que uma jovem de classe social alta; assim como uma jovem com a escolaridade básica tem sete vezes mais probabilidades do que uma jovem que termine o ensino secundário. Simultaneamente, o uso de métodos contraceptivos, especialmente orais, é sempre mais reduzido entre as jovens de classes sociais mais desfavorecidas. Quer isto dizer que no direito à saúde sexual e reprodutiva a falta de uma política nacional de generalização da educação sexual e do planeamento familiar contribui também para aumentar a discriminação entre os mais ricos e os mais pobres. Por isso é justo e necessário propor um acesso mais fácil à contracepção de emergência, condição essencial para que ela seja uma alternativa eficaz. Ora, é evidente que para isso é preciso remover obstáculos. É por isso que o PCP apresenta este projecto de lei. Um projecto que visa garantir que o Serviço Nacional de Saúde assegure gratuitamente nas suas unidades o acesso aos métodos contraceptivos de emergência. O PCP propõe assim que tais métodos (que não é só a pílula do dia seguinte mas também, por exemplo, a colocação do DIU até cinco dias depois da relação sexual desprotegida) sejam motivo de atendimento imediato quer nos centros de saúde, no âmbito da medicina geral e familiar e das consultas de planeamento familiar, quer nos próprios hospitais nos serviços de ginecologia e obstetrícia e ainda nos serviços de saúde dos estabelecimentos de ensino superior. Em todos estes locais, qualquer mulher que solicite que lhe seja fornecido um método contraceptivo de emergência deve ser imediatamente atendida. Esta é a proposta do PCP. Com estas propostas fica garantido que os serviços públicos de saúde têm a responsabilidade de garantir o acesso a métodos contraceptivos de emergência. E isto é decisivo para que no maior número de situações possível o recurso a estes métodos se faça com enquadramento de um técnico de saúde e sobretudo para que se estabeleça uma ligação com o centro de saúde ou o hospital que garanta, se a mulher assim o desejar, o acesso a um planeamento familiar continuado. O que não é admissível é que hoje haja ainda sub-regiões de saúde que não dispõem de pílulas do dia seguinte em nenhum dos seus serviços ou que em muitas unidades o acesso a elas dependa de um processo burocrático de autorização impraticável e insuficiente. Mas é evidente que a melhoria do acesso aos contraceptivos de emergência não pode ficar-se apenas pela sua disponibilização nas unidades públicas de saúde. É fundamental que a contracepção de emergência esteja disponível de forma imediata e directa nas farmácias. E isso só se faz, obviamente, se este medicamento não necessitar de receita médica para ser adquirido. Essa é, de facto, uma medida fundamental para que este importante instrumento no combate às gravidezes indesejadas seja eficaz. E aos que invocam os efeitos secundários deste medicamento e a segurança da sua utilização para exigirem a receita médica, é preciso lembrar as consequências e os riscos de uma gravidez na adolescência, em termos físicos e psicológicos, quer para a adolescente quer para a criança que eventualmente venha a nascer. O facto de não consagrarmos nenhuma disposição do nosso projecto à dispensa de receita médica para venda em farmácia não significa, obviamente, que não estejamos de acordo com esta medida. Simplesmente, parece-nos ser pouco acertado a Assembleia da República abordar em decisão do foro legislativo uma questão que cabe provavelmente ao poder executivo e que deve ser dirimida nos organismos técnicos competentes, designadamente o Infarmed. De resto, este organismo já concluiu nesse sentido, pelo que algumas propostas concretas, designadamente nos projectos do Bloco de Esquerda e ao que parece também do Partido Socialista, que hoje aqui discutimos, estão felizmente já consagradas. Uma referência também ao projecto do PSD. Trata-se de um projecto que não se compagina exactamente no mesmo âmbito que os restantes e que introduz algumas propostas que não podemos aceitar. Como o facto de se remeter a questão da contracepção de emergência para a elaboração de um relatório com a audição de um conjunto de entidades, onde está um pouco mal disfarçada uma inegável relutância do PSD em que o acesso a esta contracepção se faça da forma mais simples possível. De resto, a recente decisão do Infarmed de dispensar a receita médica para a pílula do dia seguinte torna ainda mais desajustada esta proposta. Também não faz obviamente sentido que esta questão seja exclusivamente abordada do ponto de vista das adolescentes. O que é curioso também é que o PSD enumera uma série de medidas em relação ao apoio às adolescentes em diversas áreas mas sem referir directamente a implantação da educação sexual nas escolas, o que significa que mantém a oposição que sempre deu a esta matéria. É, portanto, a altura de darmos mais um passo fundamental na consagração de direitos sexuais e reprodutivos e de consagrarmos mais este instrumento que, não sendo o único, é de grande importância para o combate às gravidezes indesejadas e, por essa via, inevitavelmente, para o combate ao aborto clandestino. O direito à contracepção e ao planeamento familiar passa também pela contracepção de emergência, pelo seu acesso facilitado e, se possível, no âmbito de uma unidade de saúde. Não reconhecer esta realidade é continuar a, hipocritamente, negar uma realidade dolorosa que atinge as mulheres e especialmente as adolescentes e as jovens deste país. Do PCP podem esperar a continuação da luta por uma sexualidade responsável e feliz e pela consagração dos direitos sexuais e reprodutivos. (...) Sr. Presidente, o Sr. Deputado Nuno de Freitas começou a sua intervenção sugestiva, digamos assim, dizendo que o projecto de lei do PSD não era só sobre a pílula do dia seguinte, era um projecto de lei muito mais abrangente. Bom, mas não foi o PCP, o Bloco de Esquerda ou qualquer outro partido que propôs o agendamento deste projecto de lei para este dia, num dia em que se iam discutir projectos de lei sobre a contracepção de emergência. Essa responsabilidade é do PSD; logo, essa discrepância também é vossa. Na minha intervenção, a propósito do diploma, eu disse - e repito, agora, em relação à intervenção do Sr. Deputado Nuno Freitas - que uma das coisas que traduz de facto a posição do PSD em relação a esta matéria é a ausência de qualquer referência à educação sexual, seja em que termos for, o que denuncia que os senhores mantêm a posição que tomaram aquando da votação, nesta Casa, da lei que reforça as garantias do direito à saúde reprodutiva e que, para o PSD, esta não é uma questão importante. Sr. Deputado Nuno Freitas, há aqui uma questão, que foi, de resto, abordada na última intervenção, que é a seguinte: ninguém lhe pede, Sr. Deputado, que altere ou se subordine a princípios éticos diferentes dos que tem. Ninguém pede isso ao Sr. Deputado Nuno Freitas! Ao contrário, o Sr. Deputado Nuno Freitas e o PSD é que exigem que as outras pessoas se submetam aos princípios éticos que pretendem ser os ideais e os mais adequados. Aqui é que está o fundamental da questão. Quando a contracepção de emergência estiver mais generalizada, ninguém será obrigado a recorrer a esse método! Ninguém será obrigado a recorrer a esse método! Porém, cada um poderá recorrer a ele, se assim o entender, de acordo com os seus princípios, de acordo com os seus fundamentos, e esta é a verdadeira liberdade! Uma última questão tem a ver com as evidências científicas. O Sr. Deputado, pelos vistos, não aceita as deliberações e as opiniões, nem da Organização Mundial de Saúde, nem da Food and Drug Administration, nem sequer do INFARMED. Para si, isto não são evidências científicas. Mas, talvez outras evidências, chame-lhes científicas ou não, o possam sensibilizar mais, como a que referiu, aliás, na sua intervenção, e que tanto se indignou ao fazê-lo: os milhares de jovens adolescentes que, neste País, enfrentam a situação de uma gravidez indesejada e que, depois, têm de recorrer ao aborto clandestino, porque muitas delas não têm as crianças. O peso que é, o trauma que é, o risco que é uma gravidez na adolescência, uma gravidez indesejada na adolescência! Esta é uma verdadeira evidência! E contra esta evidência o PSD responde com o obscurantismo de que nos acusa, porque…(...)...Estava eu a dizer que contra esta evidência o PSD responde-nos com o obscurantismo de que nos acusa, porque educação sexual, não quer, despenalização da IVG, não quer, contracepção da emergência, não quer! Então, o que quer?

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