Intervenção, Debate: Alternativas à crise na União Europeia, promovido pelo PCP e GUE/NGL

Intervenção de Sérgio Ribeiro, no debate sobre “Alternativas à crise na União Europeia: Direitos, Produção, Solidariedade e Soberania”

A economia concretiza-se em espaços institucionalizados, e estes ajustam-se, integram-se, porque o desenvolvimento das forças produtivas, tal como as necessidades a que esse desenvolvimento dá satisfação (ou deveria dar), o exigem.

Esses arranjos espaciais, essas integrações, podem tomar formas diversas, com origens ou motivações geográficas ou outras, e têm, na actualidade, expressões interessantes por exemplo, na América Latina. Apenas deixo anotadas ALADI, ALBA, ALCA, Mercosul, Sistema Económico Latino-americano (SELA), UNASUR, cada uma com os seus componentes, as suas finalidades e estruturas.

A actual União Europeia não é a única forma de associação de Estados e não foi a primeira, como o nosso eurocentrismo insiste em vê-la, não considerando todas as outras expressões mais que mal amanhadas cópias ou imitações, e não expressões locais de situações concretas num objectivo processo histórico. Nem mesmo o caminho que a integração europeia na Europa seguiu, e que está a seguir (se algum está a seguir…), foi, ou é, único, indiscutível, irreversível.

No entanto, esse caminho percorrido, ainda que ziguezagueante, parece lógico, ou como tal se apresenta insistentemente, e por todos os meios (e muitos são a tal consignados), e assim se facilita a argumentação que o defende. Como único, indiscutível, irreversível.

Essa argumentação, e tudo em que ela se escora, menospreza, quando não pode ignorar ou até negar, que todo e qualquer caminho de integração entre economias, cada uma com o seu próprio caminho histórico, nacional, é de negociação permanente num quadro de relações de forças sociais, mutável a todos os níveis, o que faz com que, na prática, a teoria seja outra.

A primeira escolha (pela classe dominante), foi de união aduaneira (e Política Agrícola Comum-PAC) entre 6 países e assim começou o caminho, este caminho, porque, mesmo então, outros se abriram embora depois fechados.
De 6 Estados-membros a 9, o alargamento veio compensar a incapacidade de aprofundamento, com sistema monetário e moeda única, quando e com quem isso pareceria fácil por num espaço em que a área monetária se aproximaria de óptima. A que se seguiu, de 9 para 10 e para 12, a insinuada e desmentida, ou escamoteada, criação de uma periferia e de “duas velocidades”.

Com 12 países, as emendas ou adaptações ao Tratado de Roma, com i) o Acto Único e a adopção explícita do passo de passagem da união aduaneira ao mercado interno, com as suas 4 liberdades, mas em que uma prevalecia, sobre todas e sobretudo, a da livre circulação de capitais, ii) a assunção de que uma coroa periférica começava a formar-se, com o sul da Itália, a Grécia, Espanha e Portugal, a Irlanda, e iii) também a criação de um segundo objectivo, ou objectivo de segunda, o da coesão económica e social, visando compensar, no sentido do não agravamento insuportável das desigualdades sociais e assimetrias regionais, consequências de uma dinâmica liberalizante sem peias nem correctores.

Essa dinâmica, a transnacionalização do capital financeiro em circulação livre e facilitada, também e muito por condições técnicas, acompanhava uma “divisão comunitária do trabalho”, com profundas transformações nos tecidos produtivos, na prática pervertendo a teoria de comércio internacional baseado em nações, de David Ricardo e as suas clássicas especializações em vantagens comparativas ou comparadas, exemplificada com dois países (Inglaterra e Portugal) e dois produtos (texteis de algodão e vinho do Porto). Perversões de que a mais gritante será a da renúncia de Portugal ao seu mar, seu território submerso, com todos os recursos aproveitáveis, numa extensão que substitui a ideia de ser Portugal um pequeno País da União Europeia pela realidade de ser o maior.

Mas, voltemos ao caminho prosseguido, europeia e ocidentalmente, de integração, caminho que, nos 3 primeiros alargamentos, foi sempre confrontado com a existência de países socialistas no centro e leste europeu, com o seu cam(e)inho próprio, e se vê liberto desse constrangimento.

É o momento Maastrich, e a passagem à União Europeia, com o passo-salto do mercado interno para a União Económica e Monetária e as tentativas de avanço na vertente União Política, enquanto a coroa periférica se fecha em todos os pontos cardeais.

A criação do instrumento moeda única e, sobretudo, da instituição Banco Central Europeu, federal, e apolítica ou ademocrática, é facto fulcral.
A coesão económica e social foi, pura e simplesmente, metida na gaveta ou em “arquivo morto”, e a estabilidade de preços e cambial e a armadura para resistência a choques assimétricos tornam-me mais que prioritários, objectivos obsessivos, com o uso de todo o escasso e pobre instrumental bancário-financeiro das ferramentas e critérios nominativos das taxas de inflação, dos défices orçamentais, da dívida, das taxas de juro.

Esta desenfreada aceleração na via da financeirização, já bem instalada no terreno, procura escorar-se em teorias contemporâneas dos seus começos, no final dos anos 50, como a da zona (ou área) monetária óptima, com a paternidade de Mundell, de 1961, e poder-se-ia, em paupérrimo resumo, pôr assim a questão: o grupo de países que integram a actual União Europeia, ou apenas alguns dos seus ditos Estados-membros, constituía uma zona monetária óptima? Em caso negativo, e negativo era o caso no estádio de então 15 – como menos o teria sido quando eram apenas 6, e então não fora possível –, que se deveria fazer para que as condições teóricas e práticas se verificassem, impondo-a como passo no caminho a concretizar?

Sendo que a teoria das áreas monetárias óptimas identifica um conjunto de critérios que permite antever se um grupo de países reúne condições para formar uma união monetária, pode dizer-se que se escolheu o sentido inverso. Em vez das condições de realização antecederem a realização, realizou-se para que se criassem as condições de realização do já realizado. O que não é originalidade neste caminho…

A “solução” foi a de apenas formarem a UEM os Estados-membros que cumprissem critérios nominativos com indicadores mais que discutíveis, obrigá-los a respeitar pactos de estabilidade, com um acréscimo alcunhado de crescimento (PEC), estendendo essas obrigações a todos os outros membros e candidatos da UE, em calendários variáveis mas rígidos.

Uma construção artificial, imposta por cúpulas supranacionais e pelas forças que as determinam e controlam, enquanto o funcionamento do capitalismo segue o seu curso, na relação de forças sociais a que se faz orelhas moucas e olhos cegos.

Foi em 1998 a criação desses instrumento e instituição, e os primeiros anos foram relativamente calmos, embora com as contradições a fermentar. Em favor da estabilidade de preços e cambial (nunca conseguida), foi-se somando à abandonada coesão económica e social a anemia do crescimento económico e a estagnação e a recessão, e o agravamento das assimetrias. A velha palavra convergência foi riscada do léxico, enquanto ia ganhando foros de pandemia a desemprego, ambas vindas da década de 80.

Quando a acalmia virou tormenta, o objectivo de resistência a choques assimétricos, perante a impossibilidade de cada país da UEM poder dispor da taxa de câmbio e da taxa de juro enquanto mecanismos de ajustamento a choques, revelou-se, contraditoriamente, assimetrizante, ou melhor: agravador da dinâmica se assimetrização, castigando os países que, abandonados pelo abandono da coesão económica e social, estavam, desde 2000, em rota de divergência, tantas vezes denunciada mas sempre desconsiderada.
Assim se chegou a uma situação insustentável, quando se usa e abusa do vocábulo sustentabilidade.

Esta UEM, na sua existência de pouco mais de uma década, com estes tormentosos últimos anos, está condenada. A instabilidade instalou-se no seu seio, a assimetria (no crescimento económico, nos níveis sociais e regionais, na resistência aos choques) cavou-se mais funda.

Quais as alternativas?

Será urgente, num curto prazo que combata o pragmatismo dos adiamentos, i) uma negociação firme ao nível da UEM, sem se excluir a saída negociada de Estados, de forma a permitir a recuperação de instrumentos de soberania económica, monetária e orçamental, no sentido de se reforçar a capacidade de resistência aos choques resultantes do funcionamento da economia financeirizada, e ii) uma cooperação entre os Estados que estão mais vulneráveis, no sentido de uma acção convergente e solidária contra o que se engendra de penalizações para os “não cumpridores” do que lhes foi imposto, e que, estando nos genes do inicial PEC, apenas viria mais cavar as assimetrias, beneficiando os beneficiários do caminho percorrido e agravando as consequências negativas para os que mais foram prejudicados pelo caminho percorrido até hoje e até aqui.
 

  • PCP
  • União Europeia
  • Intervenções
  • Parlamento Europeu