Intervenção

Intervenção da Deputada<br />Trabalho nocturno

Senhor Presidente Senhores Deputados:Está já adquirida, a necessidade de legislar sobre a duração do tempo de trabalho, nomeadamente no que concerne aos trabalhadores que prestam trabalho nocturno e aos que prestam o seu trabalho em regime de turnos.Com efeito, a legislação que temos nascida da introdução de novos conceitos que submetem o homem aos instrumentos de trabalho, retomando velhas ideias da desumanização do trabalho- o que acontece, por exemplo, com a noção de adaptabilidade dos horários de trabalho- a legislação, dizíamos, é pouco menos do que confusa, e é restritiva de direitos que os trabalhadores conquistaram há muito tempo.É o que acontece, por exemplo, com a noção introduzida pela lei 73/98 sobre trabalho nocturno, que ao exigir que tal trabalho, para assim ser classificado inclua a prestação de actividade entre as 0 e as 5 horas, veio tornar possível a manipulação da organização de horários, por forma a que, mesmo prestando-se trabalho em período nocturno, no tempo para além daqueles limites, pudessem ser retirados direitos a trabalhadores nocturnos.É a própria Comissão Europeia que, ao fazer a análise da aplicação da Directiva a classificou de confusa, qualificação que também usou para as legislações dos Estados membros que fizeram a sua transposição.O quadro legal que existe não toma em devida conta alguns princípios fundamentais de defesa da saúde e da segurança dos trabalhadores.Por isso se vem processando o uso e abuso do trabalho nocturno, do trabalho por turnos com um 3º ou mesmo 4º turno, sem que tal seja verdadeiramente necessário, e apenas como uma forma de rentabilização dos equipamentos, sem que a saúde dos trabalhadores mereça a devida atenção.A própria regulamentação referida no artigo 9º da Lei 73/98, para determinação das condições e garantias dos trabalhadores que prestam trabalho nocturno para minimizar os riscos de segurança e de saúde dos mesmos, não foi publicada, não tendo também sido publicada a portaria determinando as actividades que implicam para os trabalhadores nocturnos riscos especiais ou uma tensão física ou mental significativa. E já lá vão 3 anos!Assim, o PCP entende que deve ser aprovada legislação que tome em devida conta os efeitos nocivos do trabalho nocturno para a saúde dos trabalhadores, nomeadamente dos que trabalham em regime de turnos.Sabe-se, na verdade, que o trabalho diurno é o trabalho adequado ao ser humano. E que o trabalho nocturno, de uma maneira geral, é causa de graves danos.O relógio biológico do ser humano torna penoso o trabalho no tempo destinado ao repouso- a noite.As investigações científicas indicam:· que o trabalho nocturno, porque o organismo funciona em estado de desactivação, exige um esforço suplementar na prestação de qualquer actividade. · que o sono em estado de reactivação diurna é um sono mais curto( cerca de 2 ou 3 horas a menos do que o sono de noite) e de uma qualidade menos boa. · Que o trabalho nocturno provoca perturbações de sono, vigílias frequentes.· Perturbações neuro-psíquicas, irritabilidade agressividade, esgotamentos, astenia, tendências depressivas, perturbações sexuais, consumo excessivo de substâncias psicotrópicas; · Perturbações digestivas: gastrites, úlceras, perturbações no aparelho digestivo graças à dessincronização dos ritmos de secreção dos sucos digestivos e à má qualidade dietética das refeições;· Morbilidade e mortalidade mais elevadas: uma esperança de vida inferior à dos outros trabalhadores, envelhecimento precoceÉ evidente que uns trabalhadores suportam melhor o trabalho nocturno do que outros.Investigações já avançadas no estrangeiro dizem-nos mesmo que é possível determinar individualmente o grau de adaptação ao trabalho nocturno. Uma coisa parece, no entanto, certa: depois da idade dos 45 anos nenhum trabalhador deveria fazer o turno da noite.Mas o trabalho nocturno traz, obviamente, outras consequências de ordem familiar e social.Porque o repouso se faz em família a horas diferentes, as refeições tomam-se a horas diferentes, o convívio com o círculo de amigos torna-se impossível.Por outro lado, o trabalhador nocturno está praticamente impossibilitado de frequentar cursos de formação que se realizam durante o dia, e está mais sujeito a sofrer acidentes de trabalho sobretudo no período entre a 1 h e as 4 ou 5 horas que é, segundo as investigações, um período de especial sonolência.Acresce que dados divulgados de investigações recentes, revelam, ou pelo menos indiciam, relativamente às mulheres que trabalham de noite, que são especialmente vulneráveis ao cancro da mama. Com efeito, um estudo feito na Dinamarca junto de 7000 mulheres, e publicitado pela Associação de luta contra o cancro e pelos Sindicatos revela:· Que o risco de desenvolver um cancro no seio é cerca de 50% mais elevado nas mulheres com idades compreendidas entre os 30 e os 54 anos tendo trabalhado de noite pelo menos metade do ano, do que nas mulheres da mesma idade trabalhando durante o dia · Nas mulheres tendo trabalhado de noite durante 6 anos, o risco sobe para 70%E isto, conforme revela o estudo pela insuficiência de produção de uma hormona pela retina dos olhos que é insuficiente - a produção da hormona - numa pessoa que, regularmente, fica acordada de noite numa luz artificial.Ainda relativamente às mulheres, estudos realizados em Montréal, nomeadamente pela investigadora Marie Dumont directora do laboratório de Cronobiologia de um Hospital daquela cidade, revelam, relativamente ao trabalho nocturno das mulheres:· Que estas acumulam uma fadiga superior aos homens, até porque o dia, para elas é também preenchido com trabalho · Que o desenvolvimento do feto se atrasa, fazendo acrescer os riscos de partos prematurosUm estudo significativo feito no Japão indica· Que as trabalhadoras de noite revelam uma incidência mais elevada, do que as trabalhadoras, diurnas, de problemas do aparelho genital, ciclos menstruais irregulares e particularmente dolorosos e um número maior de abortos. Também um estudo feito em Montréal em 1997 junto das enfermeiras trabalhando de noite, revelou que 53% sofriam de perturbações nos ciclos menstruais, enquanto que na população em geral a proporção é apenas de 20%.Tais investigações científicas vêm dar razão aos que verberaram e verberam a directiva da União Europeia, e a Convenção da OIT, que, em nome, segundo afirmam da igualdade, impuseram o levantamento da proibição do trabalho nocturno das mulheres na indústria.O PCP, recorde-se, votou contra o levantamento da proibição. E as investigações cientificas vieram redobrar a razão que nos assistia.Porque não se pode tratar de uma forma igual, situações desiguais.Assim, o levantamento da proibição fez-se em nome da rentabilização dos instrumentos de trabalho, e não em nome da igualdade.Porque o caminho da igualdade aponta para que se vão reduzindo as situações em que os homens têm de prestar o trabalho nocturno. Entendemos que a lei, necessária, que pode sair deste Projecto de lei, deve partir da afirmação de excepcionalidade do trabalho nocturno.E não nos parece que tal excepcionalidade esteja devidamente afirmada no projecto de Lei.O conceito de necessidade do trabalho nocturno pode aplicar-se também aos casos em que se pretende tão só rentabilizar os instrumentos de trabalho.E nesta área entendemos que o princípio deve ser o de estabelecer o princípio da proibição dos turnos no período nocturno que piores consequências tem para o ser humano. Proibição que talvez possa ser derrogada apenas em sede de contratação colectiva.O conceito de trabalho nocturno deve ser clarificado, entendendo nós que é inadmissível que só possa ser considerado trabalho nocturno quando haja obrigatoriamente trabalho das 0h às 5 horas. Tal restrição torna possível que se iniciem e terminem turnos por forma a não implicarem trabalho durante todo aquele período, apesar de se verificarem consequências na saúde do trabalhador.Assim, pensamos que o artigo 29º do Decreto-lei 409/71 deve ser alterado.Relativamente ao horário de trabalho dos trabalhadores nocturnos deve estabelecer-se que relativamente aos mesmos não deve ser praticada a adaptabilidade dos horários de trabalho. A média deve ser apenas semanal para as actividades que não envolvam especial penosidade.Correlacionada com a questão do trabalho nocturno, está, como é óbvio, a questão do trabalho por turnos.Na organização destes horários, para a qual devem levar-se em conta as considerações que de uma maneira geral fizemos para o trabalho de noite, importará fixar algumas regras como· impedir abusos no recurso ao sistema de turnos 3x 8; · Estabelecer mesmo para este sistema a redução semanal do horário de trabalho · Evitar tanto quanto possível amputações, para a equipa da manhã. do fim da noite Nos casos de dias de descanso rotativos · estabelecer periodicidade no gozo dos mesmos ao sábado e domingo · Estabelecer ciclos curtos para a equipa nocturna, pois tais ciclos impedem a variação nociva dos ritmos circadianos · E mais um intervalo de descanso, além do já consagrado, para os trabalhadores nocturnos, no período de especial sonolência, da 1 h E, é claro, estabelecer em lei geral o mínimo de subsídio de turnoE, é claro, o reconhecimento do direito a uma antecipação da idade de reforma.Uma atenção especial deve ser dada às normas que garantam a saúde e a segurança dos trabalhadores.Por forma a determinarem-se os exames necessários, cuja periodicidade entendemos dever ser mais frequente do que a proposta. A lei francesa recentemente aprovada estabelece uma periodicidade de 6 meses.E., pelo que atrás dissemos, para além das regras especiais que protegem os menores e a maternidade, impõem-se exames e garantias especiais para as mulheres, nomeadamente através de exames em que se faça o rastreio do cancro da mama.Senhor Presidente Senhores Deputados:O projecto de Lei que constitui uma base que aceitamos para a discussão na especialidade, correspondendo nalgumas das suas disposições às reivindicações apresentadas pela CGTP, parece-nos ser, por vezes, demasiadamente regulamentador, e talvez impossível de aplicação em empresas que não têm a envergadura, por exemplo, da EDP, em cujo ACTV encontramos algumas das soluções que estão no projecto.Discordamos, por outro lado, da Comissão Paritária que vem proposta para a organização de horários e de escalas de turnos.Esta proposta faz tábua rasa das organizações de trabalhadores, das comissões de trabalhadores, das Comissões Sindicais e Intersindicais, dos representantes eleitos pelos trabalhadores para a área de Saúde, Higiene e Segurança no Trabalho. Dela discordamos vivamente. Até porque paridade entre patrões e trabalhadores não existe.Mas esta, como outras questões, a que não podemos referir-nos nesta intervenção, podem ser dirimidas em sede de especialidade.E nessa sede, estamos prontos para apresentar propostas.

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