Intervenção

Intervenção da Deputada<br />Sistema de reparação aos trabalhadores

Senhor Presidente Senhores DeputadosA União dos Sindicatos de Lisboa e a CGTP, divulgaram recentemente os números brutais de um escândalo social que a tantos outros se junta: os montantes das dívidas das entidades patronais, aos trabalhadores. Só no Distrito de Lisboa.A iniciativa tem o mérito de concretizar aquilo que todos sabem: há em Portugal muito trabalho que é prestado gratuitamente.Há em Portugal muitas famílias a viver muito mal, à míngua do dinheiro que lhes é devido pelo trabalho prestado na construção de riqueza dos outros.Porque os salários em atraso continuam.Porque se aperfeiçoaram as formas de apropriação das mais valias dos trabalhadores, mais valias que em certos casos representam 100% das horas prestadas pelo trabalhador.Porque, impunemente, encerraram empresas para abrir noutro local, por vezes com o mesmo equipamento mas com outro nome.Porque houve fusão de empresas, divisão de empresas e agrupamentos complementares de empresas, tudo feito nas formas mais sofisticadas para não pagar aos trabalhadores a retribuição do seu trabalho.Para que estes fiquem, por vezes, à porta da empresa encerrada, com o horizonte cerrado.A situação que se vive é dramática.E o futuro demonstrará, se é que o presente também já o não demonstra, que não são as formas selvagens de exploração, entre as quais se encontra o não pagamento intencional, doloso, aos trabalhadores, que captam investimento produtivo.Captam o capital que esbulha, que usurpa a vida e a felicidade dos trabalhadores e das suas famílias.Para quem os braços na linha de montagem são menos do que as alavancas das máquinas. Porque a estas não se lhes pode negar o alimento.Se é certo que empresas há que encerram por reais dificuldades na competição desleal que é regra no mundo governado pelas regras de um dito neoliberalismo, outras há que aprenderam a manusear bem as regras de um direito comercial construído para bem poder servir os seus interesses.Perante isto, é necessário que o Direito do Trabalho, pelo menos, seja construído para que aos trabalhadores seja feita justiça.Mas retomemos os números. Apenas alguns. E apenas do Distrito de Lisboa. Porque a imensidão fria dos algarismos não permite a citação na íntegra.No Distrito de Lisboa, num total de 112 empresas pertencentes a 13 sectores de actividade, o total de dívidas aos trabalhadores , no ano passado, era de vinte e dois milhões noventa e cinco mil e trezentos e nove contos.Relativamente ao ano anterior as dívidas aumentaram 2 milhões de contos! Tendo o número de empresas envolvidas aumentado, de um ano para o outro, em 37!Há processos muito antigos envolvendo algumas destas empresas Em 100 empresas, 3 têm processos que ainda remontam à década de 70; 12 processos remontam à década de 80;42 processos iniciaram-se num período compreendido entre 1990 e 1995.Na sua maioria os processos estão na fase de decisão há mais de 5 anos.Falando em empresas concretas:Novobra no concelho de Alenquer já encerrada, com dívidas aos trabalhadores desde 1988.Enobra no concelho da Amadora, já encerrada, com dívidas a 300 trabalhadores desde 1979, no montante de 200 mil contos.Valura no concelho de Vila Franca de Xira, com dívidas aos trabalhadores desde 1989 no montante de 50 mil contos.Salles Caldeira no concelho de Sintra, com dívidas a 114 trabalhadores desde 1981, no montante de 102 mil contos.Auto Portuguesa do sector da metalurgia, já encerrada, com processo em Tribunal desde 1978, e devendo a 22 trabalhadores 2.450 contos.Empresa Sousa Braga, também do sector da Metalurgia, com processo em Tribunal desde 1980, devendo aos trabalhadores- 13-mais de 3 mil contos.Mas se fossemos para outros distritos como Porto, Aveiro, Setúbal, encontraríamos muitos trabalhadores em situação idêntica à que se vive no Distrito de Lisboa.É o que se passa, por exemplo, com os trabalhadores da Mundet, empresa já encerrada há longos anos, com processo de falência no Tribunal do Seixal desde 1988. Com a falência decretada há muito. Inclusivamente com o património já liquidado. Mas sem que aos trabalhadores tenha sido entregue sequer 1 tostão dos créditos que reclamaram.Preocupante é que se assista, de novo a um surto de novos encerramentos e falências de empresas, que avolumam os montantes da dívida aos trabalhadores, e o número de trabalhadores envolvidos em processos de Falência.É de referir o caso da Lanalgo em Lisboa, que com o encerramento deixou sem posto de trabalho 109 trabalhadores a quem deve um total de 350 mil contos.E o caso da Kallen, empresa do concelho de Alenquer, do sector têxtil que, com o encerramento deixou no desemprego 124 trabalhadores a quem deve cerca de 300 mil contos.Não queremos que estes trabalhadores tenham o calvário dos trabalhadores a que se juntam. E queremos pôr fim ao calvário dos últimos.É da mais elementar justiça proporcionar a quem não tem outra solução senão o recurso aos Tribunais, garantir-lhes um efectivo acesso ao Direito, aos Tribunais. À Justiça.Porque é uma gritante injustiça não reparar os danos causados pela morosidade da Justiça. É uma gritante injustiça não tomar medidas que garantam o funcionamento célere dos tribunais, nomeadamente em processos que pela sua própria natureza são urgentes.E são urgentes porque na grande maioria dos casos trata-se de trabalhadores, que apesar do seu saber de experiência feito, encontram trabalho com muita dificuldade. São considerados velhos para trabalhar e novos para ser reformados. São trabalhadores que, esgotados os subsídios de desemprego, nada mais têm senão a espera dramática pelo pagamento dos seus créditos. Da remuneração do seu trabalho. É desta situação que nasce o projecto de lei do PCP que intervêm a juzante da vida de uma relação laboral.O projecto de Lei incide em duas áreas:Reformula o sistema de privilégios creditórios dos créditos dos trabalhadores constante da lei dos Salários em atraso e do Código Civil;Introduz mecanismos no processo especial de falência que garantam recebimento mais célere dos créditos dos trabalhadores.Relativamente ao 1º ponto, a experiência veio demonstrando ser muito insuficiente o que se encontra legislado. E isso já o antevíamos quando apresentámos o nosso Projecto de Lei que veio a dar origem à lei dos Salários em atraso. É que, nas nossas propostas, os privilégios creditórios constantes do diploma abrangiam todos os créditos dos trabalhadores e não apenas os que radicavam no atraso no pagamento de salários.Relativamente ao sistema criado por aquela lei, os trabalhadores defrontaram-se com uma primeira corrente jurisprudencial que não aplicava o regime de privilégios creditórios. ao crédito relativo à indemnização, embora decorrente da rescisão do contrato por motivo de atraso no pagamento pontual da retribuição.Tal injustiça acabou por ser ultrapassada jurisprudencialmente. Mas com o sistema que propomos no presente projecto de lei, e que consiste no alargamento do regime constante da Lei 17/86 a todos os créditos dos trabalhadores, aquela dúvida nunca mais se colocará.De facto, segundo propomos, todos os créditos dos trabalhadores, portanto, também os créditos dos trabalhadores das empresas sem salários em atraso, também os créditos, por exemplo, por trabalho suplementar de todas as empresas com ou sem salários em atraso, passam a gozar de privilégio mobiliário e imobiliário gerais.Fica assim revogado o sistema de privilégios creditórios constante do Código Civil que apenas estabelece para os trabalhadores privilégios creditórios mobiliários e apenas relativamente aos créditos vencidos nos últimos 6 meses.Mas os trabalhadores também se defrontam com outro problema: e que é o de serem graduados muitas vezes depois de outros credores privilegiados, como o Instituto de Emprego e Formação profissional, dada a previsão da Lei 17/86 e um Acórdão do Supremo tribunal de Justiça de 1996. Que considerou que os créditos não podem considerar-se constituídos na altura em que é declarada a Falência. Mas no momento em que os subsídios são concedidos por aquele Instituto. A isso damos resposta no Projecto de Lei.Aliás, queremos salientar que muitos arrastamentos de processos se devem ao facto de um Instituto Público como o Instituto de Emprego e Formação profissional, e também por vezes, entidades como a Caixa Geral de Depósitos, tutelada pelo Estado, recorrerem para verem os seus créditos graduados antes dos créditos dos trabalhadores.Esta última entidade, por exemplo, contribuiu para o arrastamento do processo que decretou a Falência da Fábrica de Loiça de Sacavém recorrendo de um despacho do Juiz que graduou à frente dos seus créditos os créditos dos trabalhadores.Adiando assim o recebimento por 537 trabalhadores de créditos no montante de 1 milhão e quinhentos mil contos. Este processo já faz 7 anos!E o Instituto Público atrás referido, recorreu também até ao Supremo Tribunal de Justiça, de um despacho de um Juiz da Nazaré pretendendo ver os seus créditos graduados antes dos créditos dos trabalhadores. Não o conseguiu. Mas conseguiu, num acórdão uniformizador da Jurisprudência do STJ, publicado em 5 de Janeiro deste ano no Diário da República, que o tribunal decidisse a seu favor contra uma corrente jurisprudencial que vinha decidindo que para efeitos da aplicação do artigo 152º do Código dos Processos Especiais de recuperação de empresa e de falência ( passagem de certos créditos privilegiados a comuns -o que beneficia os trabalhadores) que não se possa considerar para o futuro como pertencendo ao Estado, o Instituto de Emprego e Formação Profissional. Aí está mais uma alteração a introduzir no Código em sede de especialidade.E entramos agora o 2º ponto versado no nosso projecto de Lei.A responsabilidade pelo arrastamento dos processos - e são longuíssimos anos de arrastamento - deve-se em grande parte, à entidade que deve dotar os Tribunais com os meios técnicos e humanos necessários para que a Justiça seja feita em prazo razoável. O acesso a uma justiça é um direito fundamental. Consagrado na nossa Constituição e na Convenção Europeia dos Direitos do Homem.Se assim é, e se é tão evidente que não há qualquer razoabilidade na forma como a Justiça é concedida nos processos de Falência, deverá ser o Ministério da Justiça a suportar a demora dos processos de Falência.Para tal, o Projecto de Lei introduz no processo de Falência mecanismos que tronem possível aos trabalhadores, requerer ao Gabinete de Gestão patrimonial do Ministério da Justiça o adainatamento dos seus créditos. E isto poderá ser requerido pelos trabalhadores 3 meses após a publicação da declaração de Falência no Diário da República.Porque se 3 meses é o prazo que ultrapassado pelas partes em processo cível, é julgado como desleixo determinando como sanção o envio á conta e o pagamento de custas, então, a mesma óptica deve aqui ser aplicada. Três meses deve ser o prazo para accionar os mecanismos que levem á reparação pela morosidade processual.Para tal institui o projecto de lei o mecanismo dos mapas de rateio provisórios a elaborar findo que seja o prazo da reclamação de créditos a rever no despacho de saneamento do processo, na sentença de graduação ou verificação de créditos.Com base nesses mapas adiantará o Instituto de Gestão patrimonial do Ministério da Justiça, créditos aos trabalhadores. Com um limite máximo- o equivalente a 6 meses de retribuição mensal do trabalhador que não pode exceder o triplo da remuneração mínima mensal mais elevada, garantida por lei O Ministério da Justiça fica subrogado nos créditos adiantados.O Ministério da Justiça tem na sua mão a forma de evitar estes adiantamentos. É pôr fim ao arrastamento de processos, nomeadamente aos processos de falência.Parece-nos evidente não haver qualquer sobreposição legal relativamente ao regime do Fundo de Garantia Salarial.Em primeiro lugar porque o Fundo de garantia salarial apenas assegura créditos vencidos nos 6 meses anteriores à data da propositura da acção ou do requerimento de conciliação.Depois porque o Fundo de Garantia Salarial apenas se aplica ás acções a instaurar depois da entrada em vigor da regulamentação da lei, e não se aplica ás acções pendentes.Ainda em 3º lugar porque o Fundo apenas paga o equivalente a 4 meses de retribuição. Em 4º Lugar porque, para o Futuro, o Fundo fica subrogado nas quantias que paga, e os trabalhadores podem reclamar no processo de Falência aquilo que ainda não receberam. Beneficiando quanto a esses créditos dos mecanismos propostos pelo PCP. Enfim, Senhor Presidente e Senhores Deputados, não há nenhuma razão para que o projecto de lei não seja aprovado na generalidade. Para ser melhorado na especialidade. Com uma única finalidade: Fazer justiça aos trabalhadores.

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