Intervenção

Intervenção da Deputada<br />Declaração Política sobre a pobreza

Senhor Presidente Senhores Deputados Assinalou-se ontem, através do Dia Internacional da eliminação da Pobreza, a necessidade, urgente para o futuro do ser humano, de dar um combate sem tréguas às causas da exclusão social. Duas grandes iniciativas a nível internacional, evidenciaram os crescentes protestos populares contra a usurpação dos recursos do mundo, contra a globalização capitalista, contra a sacralização do reinado do mercado. E foi nessas duas grandes iniciativas que os pobres, os excluídos, os sem abrigo, foram verdadeiramente protagonistas, pela justeza das suas reivindicações, pela análise certeira das causas de exclusão. No dia 12 de Outubro realizaram-se, em várias localidades, manifestações do "Grito dos excluídos", um movimento social que com outras organizações luta contra a globalização neoliberal, exigindo políticas económicas que realizem direitos humanos fundamentais. Ontem mesmo, a Marcha Mundial das Mulheres contra a pobreza e a violência teve o seu desfecho em Nova York na sede das Nações Unidas. A representante do Secretário Geral da ONU, Louise Frechette, na mensagem que dirigiu às mulheres que, em representação da Marcha, recebeu ontem mesmo na sede da ONU, afirmou: "Os números falam por si: 2,8 biliões de pessoas, ou seja quase metade da população mundial, continuam a viver na miséria, com um rendimento de menos de 2 dólares por dia. Entre eles, 1,2 biliões de pessoas devem sobreviver com menos de 1 dólar por dia, 1 dólar para a alimentação, para o alojamento e para o vestuário". Estes dados citados pela representante da ONU, são os dados estimados. Mas os números reais podem ultrapassá-los dada a dificuldade em construir estatísticas de muitos dos excluídos, os que não aparecem nos painéis dos rendimentos dos agregados familiares porque não têm residência fixa ( a sua casa é quantas vezes a soleira de uma porta disponível), não têm lar, não estão sequer em asilo ou em centros para reformados. Dos dados conhecidos sabe-se que a União Europeia conta com 18 milhões de desempregados estatisticamente recenseados, e com 50 a 70 milhões de pessoas em situação de precaridade. E, segundo dados do próprio Eurostat, cerca de 25 milhões de pessoas vivem em situação de pobreza persistente (A este respeito convirá salientar que Portugal aparece em situação cimeira com a taxa de 12% de pessoas em situação de pobreza crónica). Sabe-se como é com os baixos salários, quantas vezes resultantes da precarização nas suas variadas formas, com a privação de emprego que começa muitas vezes a marcha para a pobreza. Que continua com a consequente impossibilidade de aceder ao bem-estar, aos cuidados de saúde, com a privação de alojamento ou a sobrelotação de alojamentos. E a respeito do nível salarial também as estatísticas do Eurotast nos relegam para a cauda da Europa, relativamente à remuneração do trabalho. Os dados mundialmente conhecidos não deixam margem para dúvidas. O mundo chegou ao fim do século XX, com o triunfo das desigualdades, com uma mole imensa de excluídos, aqueles que, segundo definiu o Conselho da Europa em 1994, se encontram parcial ou totalmente, fora do campo de aplicação efectiva dos direitos do Homem. E, no entanto, o século assistiu a insistentes afirmações da necessidade de efectivar os Direitos do Homem, na sai indivisibilidade. Os Direitos políticos,, económicos, sociais, culturais, ambientais. Como aconteceu na Conferência de Viena de 1993 em que essa indivisibilidade foi proclamada. As conferências do Cairo e de Beijing debateram a pobreza e a necessidade de a erradicar. A Organização Internacional do Trabalho, escutou, comovida, os testemunhos de crianças participantes na Marcha Mundial das Crianças contra o trabalho infantil. O último Relatório do Desenvolvimento Humano do PNUD, intitula-se "Vencer a Pobreza". Tudo parece à primeira vista concertar-se para a eliminação da exclusão social. Para o que não faltam os progressos científicos e tecnológicos. O próprio FMI e o Banco Mundial dizem estar preocupados com a pobreza. E, no entanto, a realidade abate-se sobre nós, quando dos números passamos à visualização da miséria, através, por exemplo, da obra de Sebastião Salgado. Os êxodos. O trabalho humano. A Fome. E o destaque para o sofrimento das crianças, a quem também o século XX deixa a Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança. Bem longe nos encontramos da efectivação dos direitos humanos! E tal não é de facto possível com o neoliberalismo que dá de barato a consagração formal de direitos desde que seja preservado o seu direito fundamental: o direito de não respeitar quaisquer direitos. Esta é a forma de exercício da sua liberdade. Porque para o "neoliberais" as desigualdades sociais são inevitáveis. Elas assentam no que chamam de ordem natural. Porque querem preservar a sua ordem cultural. Quando muito, o capitalismo neoliberal, confrontado com as movimentações dos pobres, admite, por se sentir ameaçado, alguma atenção às políticas sociais que não belisquem o seu poder, a sua riqueza, a sua consideração. E chega-se até ao despudor de responsabilizar os excluídos pela sua própria exclusão. A ideia de que podem superar por eles mesmos a pobreza está bem expresso no uso e abuso, nos textos internacionais da noção de empowerment. Sem se Ter em conta a precaridade intelectual e psicológica das pessoas que vivem na pobreza. Como acentuou o Prémio Nobel de Economia Amartya Sem. Mas não se atiram para o caixote do lixo da história, que é onde irão parar, as políticas que causam a exclusão e que cavam um imenso fosso entre pobres e ricos. A sacralização do mercado. Os programas de ajustamentos estruturais do FMI e também do BM. A dívida sempre crescente dos países mais pobres. Os paraísos fiscais. Os pobres e excluídos que se manifestam contra a pobreza, exigem outras políticas. Que combatam as desigualdades. Porque a pobreza não radica em qualquer ordem natural. Porque não há uma ordem natural. Apenas a marcha dos seres humanos para um outro mundo. Porque um outro mundo é possível.

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