Intervenção

Intervenção da Deputada<br />Acumula??o de pens?es

Senhor Presidente, Senhores Deputados:Em 1998 o Senhor Provedor de Justiça recomendou ao Governo a alteração da legislação, neste caso o Decreto-Lei 329/93, sobre a acumulação de pensões de invalidez da segurança social, com rendimentos do trabalho.Na base de tal recomendação esteve um caso concreto, um caso meramente exemplificativo da injustiça do regime legal que se abate particularmente, de uma maneira perversa, sobre deficientes de fracos rendimentos de trabalho.Pessoas que por não terem tido acesso, por razões económicas, à qualificação profissional, têm a sua carreira contributiva da segurança social, baseada em baixos rendimentos.No caso concreto submetido ao Senhor Provedor de Justiça, um trabalhador reclamava porque, estando afectado de incapacidade por invalidez, que lhe dera o direito a uma pensão calculada com base numa remuneração de referência de 4.190$00, perderia essa pensão caso encontrasse algum trabalho, a que, como é óbvio tinha de recorrer para sobreviver.Na verdade, estabelecendo o diploma de 1993 que o montante da pensão de invalidez e o montante dos rendimentos do trabalho, não podem ultrapassar 100% da remuneração de referência, ou seja, no caso concreto, 4.190$00 por mês, fácil é de concluir que este trabalhador perderia o direito à pensão se encontrasse qualquer trabalho por mais modesto que fosse. Esta situação é manifestamente injusta.E afecta muitos pensionistas.Já em 1999, um jornal diário revelava o caso de outro trabalhador a quem tinha sido reconhecida a invalidez resultante de acidente de viação aos 21 anos.E que em 1998 recebia cerca de 31 contos de pensão.Com mulher e 2 filhas, uma das quais estudante universitária, em 1991 começa a exercer outra actividade aproveitando a sua capacidade noutra profissão :Nessa nova profissão aufere 108 contos por mês a aprtir de 1997, o que ajuda a colmatar a penúria em que vivia uma família, na qual, a mãe, ainda para mais, estava com salários em atraso.Entretanto, em 1999 o carteiro bateu à porta, com uma notificação da segurança social. Que lhe fazia saber após ter recebido durante cerca de 8 anos os descontos da nova actividade do trabalhador, que teria de repor a quantia de 2.200 contos, relativa a pensões por invalidez ( nos termos da lei indevidamente recebidas, uma vez que, com sacrifício da sua saúde, e compelido por uma vida difícil, arranjara uma nova profissão).Neste caso, estava em vigor a legislação de 1989, que só tornava possível a acumulação da pensão deste trabalhador com rendimentos do trabalho até um certo montante, que em 1998 era de cerca de 39.000$00 por mês- duas vezes o valor da remuneração de referência!E isto, convenhamos, é uma injustiça!Foi em 1994 que se iniciou a sucessão de diplomas sobre acumulação de pensões com rendimentos do trabalho. Os diplomas de 1974 estabeleceram como limite à acumulação de pensões o ordenado de ministro.Mas se aí era claro que o que se pretendia era limitar o fosso entre os beneficiários com pensões elevadas, e os beneficiários mais carenciados com pensões de reduzido montante, já os diplomas posteriores, incluindo o último, o de 1993 agravam as desigualdades.Porque, se é certo que os beneficiários que durante a sua carreira contributiva auferiram folgados rendimentos do trabalho, vêem diminuída a possibilidade de acumulação, com os limites calculados em função da remuneração de referência, verdade é também, que sendo esta, no seu caso, muito maior do que a dos beneficiários de baixos rendimentos do trabalho, têm aqueles um limite bastante superior ao destes, saindo de tal facto, largamente beneficiados.Assim, fácil é de concluir que o regime vigente não corrige desigualdades, e não cumpre o princípio da reabilitação dos deficientes, constante da Constituição da República, que preside à lei sobre acumulação de pensões de invalidez com rendimentos do trabalho.Dir-se-á que o regime sobre a limitação da acumulação não impede que se trabalhe, porque o que impede apenas é que se ultrapassem determinados montantes com a acumulação, e que bem podiam os trabalhadores acima referidos exercer o seu direito fundamental ao trabalho. O que aconteceria a um, e a quem estivesse em situação idêntica, era não receber nada, da sua pensão; e ao outro, e quem estivesse em situação similar, era o não recebimento da quase totalidade da pensão. Mas a verdade é que aquela resposta linear não dá solução à correcção das desigualdades atrás referidas entre os beneficiários de pensões elevadas, e uma grande maioria de beneficiários deficientes, com baixas pensões.E não leva em conta a situação muito especial das pessoas portadoras de deficiência, cuja pensão é totalmente absorvida, e não chega para dar resposta às situações especiais de carência destes cidadãos. Com efeito, a grande maioria dos cidadãos deficientes situa-se em famílias de baixos rendimentos, com baixas qualificações, que os situam em profissões em que se correm especiais riscos.Quando conseguem encontrar uma nova actividade profissional, que muitos exercem com esforço, por terem de sobreviver, e para não terem de viver à míngua com as escanzeladas pensões da segurança social, têm normalmente uma remuneração mais baixa do que os outros trabalhadores.Necessitam de fazer despesas suplementares com a sua saúde, com o ambiente em que vivem. Muitas vezes têm de providenciar por meios de locomoção próprios. Têm de providenciar por próteses, canadianas, cadeiras de rodas, cujo pagamento têm de adiantar na data da sua aquisição.A pensão por invalidez é, para a grande maioria de cidadãos deficientes, uma prancha de salvamento, que, acumulada com rendimentos do trabalho, contribui para a socialização destes cidadãos que se sentem extraordinariamente diminuídos por não poderem acompanhar um nível mediano, que, aliás, em Portugal, é muito baixo.E a pensão da segurança social assenta num direito próprio, porque resulta da carreira contributiva do trabalhador.Daquilo com que, através do seu trabalho, contribuiu para a segurança social.Assim, entendemos que as injustiças decorrentes da lei, devem ser imediatamente corrigidas.E por isso propomos:· A impossibilidade de acumular as pensões de invalidez para toda ou qualquer profissão ou actividade com rendimentos do trabalho. O que é lógico. · A possibilidade de acumular as pensões de invalidez para o exercício da profissão, com os rendimentos do trabalho em profissão para a qual o trabalhador não tenha sido considerado incapaz. Na verdade, a solução, actual,que permite trabalhar na mesma profissão com a capacidade remanescente,propicia abusos e fraudes.Propomos, como limites da acumulação:· O equivalente a duas vezes o valor do salário mínimo nacional, ou, se tal for mais favorável, o valor da remuneração de referência tomada em consideração no cálculo da pensão, actualizada pela aplicação do coeficiente estabelecido na Portaria anual.Salvaguardamos os direitos adquiridos.Com a nossa proposta mantemos inalterado o regime aplicável aos beneficiários com melhores pensões, mas corrigimos as desigualdades que se vêm abatendo sobre os beneficiários de pensões mais baixas.O regime proposto contribui para a socialização das pessoas afectadas de deficiência, que não terão de recorrer ao trabalho irregular, ao trabalho clandestino.Porque é essa situação para a qual o regime vigente atira os trabalhadores pensionistas.Trabalho sem descontos, trabalho com remunerações ocultas.E a irreguaridade, a clandestinidade do trabalho, para além de privar de receitas a segurança social, não contribui para a socialização.Porque torna o cidadão deficiente num joguete de quem utiliza a sua força de trabalho. Porque o priva de direitos, e logo à partida de um direito fundamental: o acesso ao direito e à justiça.Ameaçado de ter de repor verbas avultadas para a sua capacidade económica, ele, o cidadão inválido, fica privado da cidadania, presa fácil de gente sem escrúpulos.Porque, esta é, ao fim e ao cabo, uma questão de cidadania.

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