Intervenção de

Interpelação sobre segurança interna - Intervenção de António Filipe

Senhor Presidente,
Senhores Deputados,

Esta Interpelação ao Governo, realizada passados mais de três anos
sobre o início de funções do actual Governo, é mais uma oportunidade
para reflectirmos sobre a real situação de segurança dos cidadãos, de
acordo com os dados conhecidos e perceptíveis, e sobre as medidas
tomadas pelo Governo em matéria de segurança interna.

A verdade é que, feito e refeito o diagnóstico sobre as consequências
negativas da política de segurança interna dos anteriores Governos e
particularmente sobre o falhanço das políticas de concentração de
efectivos policiais - que ficou conhecida como a política das
super-esquadras, chegámos ao último ano da legislatura sem que exista
ainda uma definição clara da política de segurança interna deste
Governo e confrontados com uma situação em matéria de segurança pública
que está muito longe de ser satisfatória.
É certo que a visibilidade mediática da insegurança dos cidadãos não é
hoje tão intensa como foi há 4 ou 5 anos atrás em determinados
períodos, mas a verdade é que não há factos nem estatísticas que
comprovem ou permitam sequer supôr uma realidade substancialmente
diferente.

Pelo contrário: Bastará ouvir as populações, os comerciantes ou os
autarcas das áreas metropolitanas, bastará contactar os responsáveis e
os efectivos das forças de segurança - como ainda ontem tivemos
oportunidade de fazer, visitando o comando da divisão da Amadora da PSP
-, bastará prestar atenção a algumas notícias que, apesar de tudo vão
aparecendo, para ficar com a noção clara de que os problemas de
segurança das populações não desapareceram nem sequer se atenuaram de
forma significativa. Longe disso.

Apesar do triunfalismo dos sucessivos anúncios de viaturas, efectivos e
investimentos por parte do Senhor Ministro da Administração Interna, e
sem negar que o investimento feito nessa áreas nos últimos três anos
foi maior que o que havia sido feito nos anos anteriores, o que não
podia deixar de ser feito sob pena de paralisia das próprias forças de
segurança, a verdade é que, nos grandes centros urbanos os cidadãos
continuam a recear sair de casa à noite, continuam a ver o respectivo
quotidiano marcado pelos frequentes assaltos a pessoas em qualquer hora
e local, continuam a ter notícia de roubos de veículos em grande
número, de assaltos a residências e a estabelecimentos com uma
frequência inquietante, e continuam a assistir à impunidade com que o
tráfico de droga se processa, às claras, a qualquer hora, e em locais
geralmente conhecidos.

Importa evidentemente registar a preocupação frequentemente manifestada
pelo Governo quanto à necessidade de assegurar a proximidade entre a
polícia e os cidadãos, quanto à necessidade de libertar as polícias de
funções não policiais, quanto à utilização de corpos especiais em
tarefas normais de policiamento, quanto ao reconhecimento do direito
dos profissionais da PSP à constituição do seu sindicato, ou quanto à
redefinição do estatuto disciplinar da GNR.

Mas o que é facto é que, depois de ter perdido anos, enredado nas suas
próprias contradições, indefinições e indecisões quanto à política de
segurança interna a seguir, o actual Governo ainda não pôs em prática
medidas indispensáveis à modernização das forças de segurança.

Medidas essas que têm de passar não apenas pelo reforço dos efectivos,
pela modernização e reforço dos equipamentos e pelo aumento e melhoria
das instalações, por forma a garantir condições para um policiamento de
proximidade e condições dignas de trabalho e de atendimento nas
esquadras e postos. Tudo isso é de extrema importância. Mas a
modernização das forças de segurança, passa também e de forma decisiva,
pela alteração do seu estatuto, pela eliminação de qualquer ambiguidade
quanto ao estatuto civil da PSP, pela alteração da natureza da GNR
pondo fim ao seu estatuto de corpo militar, pela garantia de direitos
profissionais e cívicos dos profissionais das forças de segurança, pela
abolição de um regime disciplinar retrógrado e inconstitucional como o
que ainda existe na GNR, pelo respeito da legalidade e pela correcção
no relacionamento com os cidadãos.

Importa aproximar os polícias dos cidadãos. Em proximidade física,
evidentemente, através de uma distribuição suficiente e equilibrada de
esquadras e postos policiais e da presença de polícias nas ruas, mas
também em proximidade de direitos, pondo termo a uma situação absurda
em que aqueles que têm por função assegurar os direitos dos outros
cidadãos, se vêem privados de direitos elementares como cidadãos e como
trabalhadores que são.

Nesta matéria, falta em medidas concretas o que abunda em discursos.
Nunca entrou nesta Assembleia a prometida Proposta de Lei de orientação
da política de segurança interna; não entrou ainda nenhuma Proposta de
Lei quanto ao sindicato dos profissionais da PSP; não entrou ainda
nenhuma Proposta de Lei destinado a substituir o estatuto dos
profissionais da PSP que consta da Lei Orgânica de 1994, ou a consagrar
a existência de um código deontológico para o relacionamento entre os
polícias e os cidadãos; não entrou nenhuma Proposta de Lei destinada a
alterar a natureza e estatuto da GNR, nem a definir um horário de
trabalho para os seus profissionais, ou a alterar o tão justamente
contestado regime disciplinar.

Na única Proposta de Lei que apresentou até à data sobre estas matérias
- a de Lei Orgânica da PSP - o Governo afirma no respectivo preâmbulo
que "com esta lei orgânica da PSP, trilha-se o caminho de uma polícia
moderna em que os desafios de segurança interna são assumidos por
civis, numa clara separação entre as áreas da segurança interna e da
defesa nacional. Esta como aquela responsabilizam toda a sociedade,
sendo que os agentes visíveis de uma e de outra se integram em
estruturas de natureza diferente em vista da diversidade de fins. Sendo
os fins da actuação da polícia, no contexto da segurança interna, o de
prevenção e combate a comportamentos criminais, numa interpenetração
com as comunidades locais que servem, tais comportamentos são mais
facilmente alcançáveis num serviço de natureza civil, sem as restrições
que as funções de natureza militar impõem. É este, de resto, o caminho
que está a ser percorrido por todos os países desenvolvidos, sendo que,
nalguns, a função policial é já exclusivamente prosseguida por
organizações de natureza civil".

Sendo este o caminho percorrido em todos os países desenvolvidos e
sendo os fins da actuação da polícia mais facilmente alcançáveis num
serviço de natureza civil, factos que temos como incontestáveis, não
compreendemos porque razão uma força de segurança, a GNR, há-de manter
uma natureza militar, dificultando o alcance dos seus próprios fins e
contribuindo para afastar Portugal do caminho percorrido em todos os
países desenvolvidos.

Se as missões, tanto da PSP como da GNR, consistem em defender a
legalidade democrática e garantir a segurança interna e os direitos dos
cidadãos, sendo a sua área de actuação delimitada não em função da
matéria mas em função das áreas geográficas de actuação, não há nenhuma
razão para que os profissionais da GNR continuem a ser tratados como
polícias de segunda, sujeitos a condições desumanas de prestação de
trabalho e a medidas inconstitucionais de prisão disciplinar aplicadas
por decisão de superiores hierárquicos.

Assim como não se entende porque razão hão-de os portugueses que vivem
nas grandes cidades ter direito a uma polícia cujo modelo segue o
caminho percorrido em todos os países desenvolvidos, ficando os
portugueses que vivem fora das grandes cidades a ter de conviver com
uma polícia cujo modelo segue o caminho ainda percorrido nos países não
desenvolvidos.

Estas questões, relacionadas com o estatuto das forças de segurança e
do respectivo pessoal, não são questões menores. Não apenas porque os
polícias são cidadãos e como tal devem ver os seus direitos
respeitados, mas também porque temos consciência de que a modernização
do estatuto das forças policiais não deixará de se traduzir em melhores
condições no relacionamento com os cidadãos e na consequente eficácia
da actuação policial.

É uma evidência que o discurso do actual Governo difere muito do discurso dos anteriores em matéria de segurança interna.

Reconhecemos mesmo que em algumas áreas a diferença não se limita ao
discurso e que existe uma orientação diferente, embora lentamente
levada à prática. É de registar uma maior atenção ao policiamento de
proximidade, pelo qual há muitos anos o PCP se tem vindo a bater. São
de registar alguns passos positivos constantes da Proposta de Lei
Orgânica da PSP, que já aqui referimos no respectivo debate. É de
salientar uma actuação da IGAI com aspectos meritórios. São de registar
algumas intenções anunciadas quanto aos direitos dos profissionais de
polícia, bem como algumas medidas que foram tomadas quanto ao
reequipamento das forças de segurança.

Mas permanecem insuficiências e incoerências entre o discurso e a
prática do Governo que não podem ser iludidas. E sobretudo, permanece
uma realidade que não autoriza triunfalismos quanto a progressos no
combate à criminalidade ou quanto aos níveis de segurança e
tranquilidade das populações.

É que entre os discursos do senhor ministro Jorge Coelho e a opinião
das pessoas que vivem em Alfornelos, no Forte da Casa, ou mesmo na
avenida de Roma, vai uma enorme distância, quanto ao juízo que fazem em
matéria de segurança dos cidadãos.

Disse.

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