Intervenção de

Interpelação sobre Política Fiscal<br />Intervenção de Agostinho Lopes na Assembleia

Ex.mo Senhor Presidente Ex.mos Senhores Deputados Senhor MinistroFaz no próximo mês um ano que se iniciava, por proposta do PCP, o debate parlamentar sobre a reforma dos impostos sobre o rendimento.Tendo apresentado o seu Projecto de Lei em Janeiro de 2000, o seu agendamento levou o Governo a apresentar uma Proposta de Lei material (substituindo o seu pedido de autorização legislativa), conduzindo os restantes grupos parlamentares a apresentarem os seus próprios projectos.Em Dezembro de 2000 esta Assembleia aprovou as Leis nº 30 F e nº 30-G/2000, que reformavam a tributação do rendimento e adoptava medidas tendentes a combater a evasão e fraude fiscais.Em alguns aspectos, a Lei ficou muito aquém do que o PCP considerava desejável, e tinha proposto no seu projecto, designadamente no âmbito do englobamento dos rendimentos, da tributação das mais valias, do sigilo bancário, do offshore da Madeira e dos benefícios fiscais.Mas, como então afirmámos, apesar da timidez a nova lei é muito melhor que a anterior. Com a nova lei estavam criadas as condições para maior justiça e equidade fiscais. Melhores condições para combater a fraude e a evasão fiscais.Restava que a Administração Fiscal pudesse estar à altura de concretizar a reforma aprovada. Sobre o Governo, e exclusivamente sobre o Governo, recaiu a responsabilidade de dotar a Administração Fiscal das condições necessárias e suficientes para aplicar a nova lei.Igualmente, com a aprovação dos impostos sobre o rendimento, abria-se caminho para uma verdadeira e global reforma fiscal, que deveria no imediato ser prosseguida pela reforma dos impostos sobre o património.Infelizmente não foi isso que aconteceu. E essa responsabilidade política cabe, necessariamente, ao governo PS.Sujeita a um enorme bombardeamento mediático pelos porta-vozes institucionais e corporativos, do grande capital financeiro, dos grandes e poderosos senhores do dinheiro, a reforma realizada foi responsabilizada por todos os problemas presentes e futuros do País, pouco faltando para se incluir no rol alguns do passado. Como alguém referiu em artigo de um jornal diário sobre o ajustado título «Os impérios contra-atacam», seria difícil imaginar «Tanto bufar e rufar, tanta ameaça velada, tanto desastre anunciado». A direita e os seus partidos falam da fuga de capitais e do ataque às (pequenas) poupanças. Dos riscos para a competitividade das empresas portuguesas. Desenvolvem-se criadoras «triangulações internacionais» para evitar as tímidas medidas destinadas ao offshore da Madeira.Sucedem-se as cartas e pressões de grandes grupos económicos e as ameaças, mais ou menos explicitadas, de deslocalização das suas sedes para outras zonas mais compreensivas com as necessidades «económicas» dos senhores do grande capital. Mais compreensivas com os privilégios ilegítimos e imorais que alguns vinham usufruindo, e que pretendiam e pretendem continuar a usufruir.Certamente algumas reflexões políticas seriam necessárias sobre todo este contra vapor anti-reforma fiscal e os seus falaciosos argumentos.Sobre a penalização da poupança e a fuga dos capitais. Como se a penalização das dos negócios de acções, isto é, com a tributação das mais valias decorrentes da sua venda, se estivesse a penalizar investimentos destinados a criar actividades produtivas e riqueza para o País. Mais valias que significam, como também alguém referiu, «estarmos em presença de ganhos de raiz essencialmente especulativa».Sobre a competitividade das empresas. Em primeiro lugar, subentende-se que com o genuíno e abrangente substantivo «empresas» e a sua competitividade, se pretende falar dos lucros dos grandes grupos económicos, das grandes empresas financeiras.Em segundo lugar, a estranha redução de competitividade das empresas à competitividade fiscal. Como se a competitividade não tivesse necessariamente de ser abordada numa perspectiva global de um complexo conjunto de factores (« eficácia dos serviços de saúde e de educação e formação, a qualidade das infra-estruturas e dos transportes públicos, a beleza dos espaços, a qualidade ambiental, a segurança pública, etc.»). Ou se o País (e outros países da União Europeia e não só), em nome da competitividade devesse entrar numa corrida sem fim de, um efectivo dumping económico, social e político, baixando os seus padrões e exigências de cidadania e civilizacionais.Se aceitamos que, em nome de uma alegada ausência de competitividade fiscal, o País se transforme não só num offshore fiscal, mas num offshore laboral, ambiental, num offshore total!Infelizmente, o PS cedeu e continua a ceder à chantagem desses interesses poderosos instalados na sociedade portuguesa. O que não é para admirar, dado o «carinho» com que os ajudou a nascer e os tem ajudado a crescer e medrar.O PS, como diz o nosso povo, «agachou-se» frente aos interesses da oligarquia financeira portuguesa. O que não é de admirar em quem atrasou cinco anos a reforma fiscal necessária.São inadmissíveis os atrasos na regulamentação da lei aprovada faz em Dezembro um ano. Em particular a não saída até hoje da legislação sobre: a) as regras de informação à Administração Fiscal dos movimentos transfronteiriços de transacções não comerciais; e a definição dos critérios de imputação de custos e proveitos às sucursais financeiras exteriores.São inaceitáveis as sucessivas declarações ambíguas, de responsáveis do Ministério das Finanças, a começar pelo Sr. ministro, sobre a admissibilidade do Governo em «flexibilizar», ou a disponibilidade para «adoptar medidas para aperfeiçoar a competitividade do sistema fiscal», ou de que o Governo «quer ter um sistema fiscal competitivo».Gostaria de dizer, neste momento, que também o PCP, como o Senhor ex-Secretário de Estado, avaliará «a derrota da reforma fiscal», se se recuar nas mais valias, nas SPGS, se não se fizerem aquelas duas portarias regulamentadoras.São incompreensíveis os atrasos no estabelecimento dos indicadores objectivos de base técnico-científica para os diferentes sectores de actividade económica, «para efeitos da aplicação do regime simplificado», e os erros e falhas noutras vertentes de concretização desse regime, facilitando as manobras dos que procuram atirar os micro e pequenos empresários contra a reforma fiscal.É inaceitável que o Governo continue sem dotar a Administração Fiscal dos recursos humanos e técnicos necessários para lutar, de facto, contra a ineficiência e evasão fiscais. Alguém avaliou, em meados do ano, as dívidas ao fisco em 10% do PIB. Não basta ter boas leis, é absolutamente imprescindível garantir que elas sejam efectivamente aplicadas. E para isso, é absolutamente indispensável uma fiscalização capaz e adequada. Uma justiça fiscal pronta e eficiente.O Governo tem pretendido atribuir a evolução negativa das receitas fiscais apenas à desaceleração económica. Mas tudo indica que estamos perante a manutenção, ou mesmo aumento, da evasão fiscal.É inadmissível que o Governo insista nas dádivas ao grande capital por via dos benefícios fiscais. Não só no âmbito da reforma fiscal se recusou a reduzir esses benefícios, como os aumentou mesmo este ano aquando do Orçamento rectificativo. A tal ponto que é a insuspeita OCDE que, no seu último relatório sobre Portugal, diz que (e cito) «a generosidade das isenções fiscais deveria ser reconsiderada».. Com os benefícios fiscais actuais, o Governo não só impede uma maior justiça no sistema fiscal e distorce as decisões de poupança e investimento dos contribuintes, como perde, por vontade própria, largas dezenas de milhões de contos anuais de receitas fiscais.Inadmissível, inaceitável, incompreensível, é que o Governo PS, apesar de todas as promessas, de todos os calendários e datas referidos nesta Assembleia, continue sem apresentar uma proposta de reforma do imposto sobre o Património. Consideramos inadiável a apresentação de um calendário imperativo dessa apresentação de propostas, visando a reforma do imposto sobre o Património. Impostos que devem necessariamente incidir sobre o património líquido, imobiliário e mobiliário. Excluir da tributação a riqueza mobiliária significaria optar por uma política de continuar a beneficiar, ilegítima e escandalosamente, a riqueza, os rendimentos e as aplicações e actividades financeiras. Porque, nos dias de hoje, os detentores de grandes fortunas não as têm só aplicadas em prédios, mas também em acções, em títulos de dívida, em participações em fundos da mais diversa natureza, ou mesmo em obras de arte.Senhor Presidente Senhoras e Senhores DeputadosOs atentados terroristas verificados há quinze dias nos Estados Unidos vieram trazer nova actualidade ao problema dos offshores / paraísos fiscais. E justificam ainda mais as preocupações e exigências de quantos vêem nessas «zonas fiscais» centros de especulação financeira e criminalidade económica, e não só.Do que tem vindo a ser dito sobre o tema, sublinho as teses que referem as redes terroristas serem dos maiores beneficiários dos offshores fiscais, o seu papel central para as redes de tráfico de droga e de armas, e para as múltiplas mafias que pululam pelo mundo, e certamente também por Portugal. E ainda as dificuldades na investigação da rota dos recursos financeiros do terrorismo decorrentes do sigilo bancário.É na compreensão das consequências económicas, sociais e políticas dos paraísos fiscais que o Grupo Parlamentar do PCP entregou hoje na Mesa da Assembleia da República um Projecto de Resolução já referido pelo meu camarada Lino de Carvalho, a favor do desenvolvimento das normas inscritas na Lei N.º 30-F/2000 - aplicável à zona franca da Madeira, visando a redução das «potencialidades» de planeamento fiscal; v Para que o Governo desenvolva no plano internacional, nomeadamente junto da União Europeia e da OCDE, todas as iniciativas que abram caminho ao objectivo final de acabar com os paraísos fiscais.Senhor Presidente Senhores DeputadosEm plena época estival pôde o País tomar conhecimento, através de um artigo de um jornal diário, da escandalosa, chocante, autêntica blasfémia para todos os que pagam os seus impostos, da situação da banca portuguesa em matéria de impostos. Nada que os sucessivos Relatórios do Banco de Portugal não viessem verificando. Nada para que o PCP não venha, há muito, alertando e denunciando.A Banca Portuguesa não só demonstrava, via o exponencial crescimento dos seus lucros, os resultados da efectiva predação económica feita sobre o sector produtivo e as pequenas e médias empresas portugueses, sobre os cidadãos seus clientes, sobre os seus trabalhadores - trabalho precário, horas extraordinárias não pagas, descaracterização das carreiras - como tornava visível aos olhos dos portugueses a sua liderança do campeonato nacional da fuga ao fisco.O resultado da enorme centralização e concentração de capitais postos em jogo pelos mecanismos bancários, permitidos pela privatização dos principais bancos portugueses, levada a cabo pela política de direita do PS, PSD e CDS/PP, está hoje claro. Um estudo, citado por um Professor da Universidade Católica, refere que em Portugal as suas dez famílias mais poderosas mandam em cerca de 25% do PIB nacional. Um record europeu.A reforma fiscal não basta para responder ao fundo desta questão central do País. Mas pode ser , se na direcção e sentido correctos, um importante contributo para travar a desmesurada e inaceitável concentração de riqueza e poder nas mãos de alguns.A democracia e a justiça social exigem que com urgência se ponha fim a esse escândalo. Que prossiga uma reforma fiscal com o sentido de equidade e justiça. Para esse caminho contem connosco.

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