Intervenção de

Interpelação ao Governo sobre questões da situação social e laboral dos trabalhadores<br />Intervenção do Deputado Jerónimo

Senhor Presidente Senhor Primeiro Ministro Senhores Membros do Governo Senhoras e Senhores DeputadosAqui chegados nesta fase final da Interpelação, podemos concluir que no debate e no confronto de ideias e posições se confirmou uma clivagem insanável que resulta da natureza e objectivos deste Governo, da sua política e das suas propostas.De um lado os que, como nós, consideram que os direitos dos trabalhadores e as conquistas sociais, o direito do trabalho como direito autónomo, integram o património dos avanços civilizacionais das sociedades humanas e são factor incontornável e estruturante do desenvolvimento do país.E deste lado também está a Constituição da República!Do outro, este Governo e esta maioria que têm uma concepção retrógrada, uma natureza classista e uma visão instrumental desses direitos.Trouxemos aqui, à Assembleia da República, os problemas, as inquietações e as justas reivindicações dos trabalhadores da Administração Pública, confrontados com os perigos que decorram para o vínculo de emprego público, para o poder de compra dos seus salários, para as suas justas expectativas e direitos adquiridos nas suas reformas, traçamos um quadro geral de agravamento social, do aumento do desemprego provocado pelas falências e deslocalizações de empresas, ali na Corda da Serra, em Aveiro, em Braga, em Setúbal, o ressurgimento dos salários em atraso e a transformação do lay-off em instrumento de chantagem, alertamos para as discriminações e para a banalização de violação de direitos que atingem particularmente as mulheres, os jovens trabalhadores e os que têm de sujeitar-se aos vínculos precários no preciso momento em que o Governo, com a extinção do I. D. I. C. T., vai levantar mais dificuldades à fiscalização e intervenção da Inspecção do Trabalho.E aqui denunciamos o facto de em muitas empresas se verificar o exercício do medo como factor dissuassor da efectivação de direitos legais e contratuais.E é neste quadro de agravamento da situação social que o Governo ensaia, avança e tenta concretizar uma das mais brutais ofensivas legislativas contra a segurança social e o edifício jurídico laboral.Pela mão do Ministro Bagão Félix, as grandes seguradoras e o capital financeiro viram acolhido o núcleo duro das suas exigências contidas na proposta de Lei de Bases da Segurança Social e que terão expressão mais crua na fase da Regulamentação.Aí se procura transformar o que hoje é um direito universal num risco, numa esmola, criando uma espécie de coutada privada no sistema público pela via do plafonamento e da aplicação dos descontos dos contribuintes em fichas de jogo da bolsa jogadas ao sabor dos interesses do capital financeiro.As mais recentes e futuras gerações de trabalhadores, alvo preferencial destas propostas do Governo PSD-CDS/PP, porventura não estarão suficientemente despertas para as consequências das medidas aí preconizadas. Mas mais cedo que tarde hão-de saber e hão-de julgar! Mas esta interpelação haveria de ter como questão central o denominado projecto do Código de Trabalho. Não foi um discurso antes de tempo. Há meses que o Ministro Bagão Félix, acolitado por um exército de defensores do neoliberalismo mais agressivo e desregulamentador, estimulado e protegido pelas acção concertada e chantagista das associações patronais, banqueiros e donos de grandes interesses económicos e porta-vozes do capital multinacional, tem vindo a fazer propaganda, a relevar o acessório e a esconder o essencial quanto à filosofia, natureza e objectivos deste pacote laboral.O Ministro Bagão Félix sabe que quanto mais esclarecimento e conhecimento houver, mais consciências despertarão, mais vontades se unirão e mais possibilidade de resistência e repúdio encontrarão.É um projecto que quanto mais se lê e se estuda mais arrepia!Por entre as 687 alterações, sem descurar as omissões, há um fio condutor claro:Subverte-se o Direito do Trabalho como direito autónomo e no plano de filosofia retrocede a conceitos vigentes há mais de um século atrás como se direitos civis se tratasse. Quer fazer crer que existem duas partes iguais com meios e força iguais e quando assim não é, quem decide sempre em última análise é o detentor da empresa.Basta vaguear pelo articulado para constatar que se na primeira parte se reconhece o direito do trabalhador, logo a seguir se vai eliminá-lo ou condicioná-lo por razões de interesse da empresa. E é esmagador verificar que praticamente todas as alterações visam aumentar a exploração e o lucro, transformar o patrão em juiz em causa própria, manietar, desactivar ou fazer capitular as suas organizações e a eficácia do exercício de direitos colectivos como a greve ou a contratação colectiva.E é também um projecto desumano e discriminatório em relação ao conceito de emancipação e igualdade da mulher trabalhadora, aos acidentados do trabalho particularmente por omissão ou alterações de conceitos.Nesta interpelação procurámos ir à substância deste projecto:Demonstrámos que este código permite a invasão da privacidade do cidadão-trabalhador invocando os interesses de empresas designadamente sobre a saúde, situação familiar, estado de gravidez (artigos 12º e 17º) que visa despedir mesmo sem justa causa (artigo 360º), que permitiria despedir sem justa causa e recusar a reintegração do trabalhador (artigo 401º), que quer impor a desregulamentação dos horários em que por decisão unilateral da empresa o trabalhador ficaria sujeito a um horário de 10 horas diárias e 50 horas semanais (artigo 157º), que quer transformar o trabalhador em pau para toda a obra através da chama mobilidade funcional e geográfica (artigos 143º, 245º e 246º), que quer colocar trabalhadores a prazo uma vida inteira - para se ser mais rigoroso, durante 20 anos – (artigos 123º e seguintes), que quer, por lei, atrasar a noite para que os patrões paguem menos, passando o período de trabalho nocturno e a respectiva remuneração a contar só a partir das 23 horas (artigos 182º e 183º).Propõe-se fazer um ataque mortífero aos contratos e convenções colectivas pela via da caducidade e consequentemente da eliminação de cláusulas mais vantajosas que a Lei Geral e direitos conquistados em muitas décadas (artigo 569º).Propõe-se restringir drasticamente o crédito de horas às comissões de trabalhadores mas quer substituir os sindicatos por “comissão do patrão” na negociação de convenções colectivas e como medida secundária impõe-se limitar drasticamente o direito à greve, quer pela ilegalização das greves por motivos gerais, quer pela introdução da obrigação dos Sindicatos e os trabalhadores responderem em tribunal e indemnizarem as empresas em caso de greves ilícitas que “prejudicassem” economicamente as empresas em clara colisão com o artigo 57º da Constituição.Senhor Presidente Senhores Membros do Governo Senhoras e Senhores DeputadosEste projecto que visa transformar o lucro e o poder patronal em “bezerros de ouro” é inaceitável e inegociável. Faz opções de classe muito fundas e aparece como troféu da direita extrema da Assembleia Constituinte no seu inacabado ajuste de contas com as transformações sociais, operadas no acto e no processo da revolução de Abril reconhecidas, consagradas e garantidas na Lei Fundamental.Mas mais do que isso, comprova que nunca o capital e as forças que, política e ideologicamente com ele se identifica, nunca se conformam com as parcelas do domínio perdido, conquistadas a pulso por gerações inteiras de trabalhadores.Senhor Presidente Senhores Membros do Governo Senhoras e Senhores DeputadosTempos duros estes que aí vêm! Tempos duros e ameaçadores para os trabalhadores e para a nova geração que mais tarde ou mais cedo há-de ingressar no mercado do trabalho.Há anos atrás, numa situação idêntica, lembrávamos desta tribuna uma expressão de Goethe!Quando um homem perde os bens perde pouco! Quando perde a dignidade perde muito! Quando perde a coragem perde tudo!E nós acrescentamos a convicção e a confiança . Convicção e confiança que não reside na esperança de algum sobressalto democrático da bancada do PSD mas antes em outros homens, mulheres e forças políticas e sociais que sabem que os direitos dos trabalhadores e o Direito do trabalho também integram uma zona de fronteira entre a esquerda e direita, e acima de tudo convicção e confiança nos principais obreiros e actores desses direitos, nos trabalhadores que, agindo em legítima defesa contra esta tentativa de assassinato de direitos e conquistas sociais, hão-de lutar por eles.Valeu a pensa esta Interpelação do PCP.Ainda que aqui seja o Governo a ter a última palavra, não a terá nas empresas e nos locais de trabalho.

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