Intervenção de António Filipe na Assembleia de República

"É imperioso repor condições de dignidade dos trabalhadores no direito do trabalho português"

Sr. Presidente,
Srs. Membros do Governo,
Srs. Deputados,

Há uma velha máxima do Direito que diz que «entre o forte e o fraco é a liberdade que oprime e é a lei que liberta».

A contratação coletiva é uma aquisição histórica dos trabalhadores, é uma conquista civilizacional do Estado de direito.

E não é por acaso que se deu a quebra histórica da contratação coletiva nos últimos anos a que aqui, há pouco, aludiu o Sr. Ministro.

É que, ao contrário do que disse a Sr.ª Deputada Clara Marques Mendes, não foi a troica, foi muito antes da troica.

Foi, efetivamente, o Código do Trabalho de Bagão Félix, do Governo PSD/CDS, que introduziu, na ordem jurídica portuguesa, o princípio da caducidade das contratações coletivas e que removeu o princípio do tratamento mais favorável do trabalhador.

Foi, portanto, muito antes da troica, não venham dizer que foram imposições da troica. Foram imposições do patronato português, que teve um Governo que estava ao serviço do patronato e contra os trabalhadores portugueses e que alterou esta regulação de forças entre o capital e o trabalho a favor do capital, fragilizando as condições dos trabalhadores portugueses e lesando gravemente a contratação coletiva.

Portanto, aquilo que se discute hoje é a necessidade imperiosa de serem repostas as condições de dignidade dos trabalhadores no direito do trabalho português.

É disso que estamos a falar. Estamos a falar da vida das pessoas, estamos a falar de condições de dignidade no trabalho, estamos a tratar de repor condições de igualdade na negociação coletiva, condições essas que foram profundamente desequilibradas com a introdução da caducidade das contratações coletivas.

Dizia-nos, há pouco, o Sr. Ministro — e é verdade — que atingimos o ponto mais baixo da contratação coletiva.

Registamos, evidentemente, aquilo que aqui nos foi referido, e que é conhecido, relativamente ao desbloqueamento das portarias de extensão e a, digamos assim, uma moratória nas declarações de caducidade das contratações coletivas, mas aquilo que importa discutir é que não faz nenhum sentido, do ponto de vista da lógica da contratação coletiva e dos princípios a que lhe presidem, esta regra da caducidade que permite ao patronato boicotar a contratação coletiva.

Portanto, se se quer dinamizar a contratação coletiva não podemos manter — é profundamente contraditório — a regra da caducidade, e nós estamos a assistir a todo o tipo de manobras por parte do patronato para boicotar a contratação coletiva.

Desde logo, a Associação Portuguesa de Seguradores, que altera os seus estatutos por forma a que não seja considerada como interlocutor válido em matéria de contratação coletiva, ficando os trabalhadores sem qualquer interlocutor para poderem negociar as suas condições de trabalho.

É preciso acabar com este tipo de manobras, é preciso dinamizar e dignificar a contratação coletiva para que ela seja uma realidade e não apenas um sofisma dos discursos.

A grande questão que estamos a colocar é a de dignificar os trabalhadores portugueses, repondo um princípio basilar do direito do trabalho que, em má hora, foi eliminado da nossa legislação pelo Governo PSD/CDS, que felizmente já lá vai.

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