Intervenção de Catarina Morais, Debate «Crianças e pais com direitos. Portugal com futuro»

Há muito a fazer para aumentar a natalidade

Há muito a fazer para aumentar a natalidade

Desde os anos 70, com excepção dos dois anos após a Revolução de Abril e da segunda metade dos anos 90, quase não houve crescimento da natalidade e, quando houve, não se retomaram os níveis anteriormente observados. Isso verificou-se nos anos em que o país esteve submetido à ingerência da troika e à política de exploração e empobrecimento do Governo PSD/CDS. Em 2015 e 2016 houve alguma recuperação mas, ainda assim, insuficiente para repor os níveis anteriores. Em 2017 voltou a diminuir.

A substituição de gerações deixou de estar assegurada desde o início dos anos 80 e, se não forem tomadas medidas para inverter a actual tendência, no longo prazo a população diminuirá.

O número de nascimentos está associado à fecundidade, mas no período mais recente está também ligado ao aumento da emigração, que afectou sobretudo os jovens entre os 20 e os 29 anos, embora se tenha estendido às outras faixas etárias.

Além de se ter menos filhos, têm-se filhos cada vez mais tarde.

Ao contrário do que alguns afirmam, a queda da natalidade, o aumento do envelhecimento populacional e o declínio demográfico não são inevitáveis, nem radicam no «egoísmo» dos jovens e particularmente das jovens mulheres (e das menos jovens).

Actualmente, homens e mulheres, jovens ou menos jovens, podem escolher se querem ter filhos, quantos querem e quando os querem ter. O problema não radica nesta opção, mas sim na falta de condições que põe entraves à realização da parentalidade desejada.

O Inquérito à Fecundidade de 2013 mostra que a fecundidade desejada (2,31 filhos) é superior quer à fecundidade realizada (que em 2016 foi de 1,4 filhos por mulher), quer ao limiar de substituição de gerações (cujo valor é 2,1), sendo também superior à fecundidade desejada em 1997, ano do anterior inquérito à fecundidade!

Em 2016 nasceram 87 mil crianças em Portugal. Se a fecundidade realizada fosse igual à fecundidade desejada, teriam nascido mais 59,6 mil crianças só nesse ano. E esta estimativa não considera qualquer retorno de emigrantes.

Este inquérito mostra também que as duas principais razões para quem não pretende ter filhos, ou ter mais filhos (no caso de quem já tem algum), são económicas e prendem-se com a existência de rendimentos suficientes e com a obtenção de emprego.

Nos anos mais recentes observou-se uma clara relação entre o desemprego e a natalidade. Quando o desemprego começou a subir a fecundidade e a natalidade baixaram. Quando o desemprego diminuiu, a natalidade e a fecundidade recuperaram. Contudo, em 2017 tal relação não se observou, o que parece apontar para a insuficiente redução do desemprego e/ou para a existência de outros factores que veremos a seguir.

Além do sentimento de insegurança quanto ao futuro, a esmagadora maioria dos desempregados não tem acesso a prestações de desemprego e os valores são baixos (em 2017 foram 460 euros por mês, em média). Os mais penalizados são os jovens devido à precariedade.

Não basta ter emprego. É necessário que os vínculos sejam estáveis. No entanto, 22% dos trabalhadores portugueses têm vínculos precários, considerando o sector público e o privado, mas esta percentagem peca por defeito. No sector privado os números oficiais apontam para mais de 33%. Entre os menores de 25 anos a precariedade salta para os 66%, sendo de cerca de 34% entre os 25 e os 34 anos.

Para muitas famílias que desejam ter filhos é muito difícil tomar decisões dessa natureza com este nível de instabilidade. O destino mais certo de um trabalhador com um vínculo de trabalho precário é o desemprego. Em 2017, quase 2/3 terços das prestações iniciais de desemprego tiveram origem em fim de contratos de trabalho a prazo.

Também os baixos salários, que no nosso país são para a maioria uma realidade, condicionam as decisões sobre natalidade. O salário médio real líquido foi de 856 euros em 2017, mas entre os mais jovens foi significativamente mais baixo (581 euros para os menores de 25 anos e 757 euros entre os 25 e os 34 anos).

E tem perdido poder de compra. Em 2017, os salários eram inferiores em 8,2% face a 2010. Um quinto dos trabalhadores recebe apenas o salário mínimo nacional e um em cada dez trabalhadores é pobre mesmo após transferências sociais, percentagem mais elevada do que há uma década.

Os salários dos trabalhadores com vínculos precários são 30 a 40% abaixo do salário dos trabalhadores com vínculo permanente e, por isso, têm o dobro de probabilidades de serem pobres face aos trabalhadores permanentes.

Os longos horários de trabalho tiram tempo aos pais para estarem com os filhos. A maioria trabalha habitualmente 41 horas semanais, mas no sector da agricultura, produção animal, caça, floresta e pesca os horários chegam às 43 horas.

A adaptabilidade, os bancos de horas, os horários concentrados, a laboração contínua, o ataque ao descanso aos sábados e domingos, têm vindo a crescer, dificultando a articulação entre a vida pessoal e familiar e a vida profissional. Em 2016, mais de 2/3 dos trabalhadores assalariados do sector privado tinham uma modalidade flexível de tempo de trabalho. Perto de metade dos assalariados trabalha por turnos, ao serão, à noite, ao sábado ou domingo, ou numa combinação entre estes tipos de horário.

Nos últimos anos, particularmente com as alterações nas licenças de maternidade e paternidade de 2009, aumentou a proporção de pais e mães que beneficiaram das mesmas face ao total de nascimentos, nomeadamente os pais dado que a situação de partida lhes era mais desfavorável. Contudo, há ainda uma percentagem de homens que não recebe prestações.

A percentagem de mulheres com subsídio por gozo da licença de 120 ou 150 dias foi de perto de 89% em 2016, mas a percentagem de homens foi de apenas 30%, embora tivesse aumentado. O gozo desta licença por parte dos pais é de apenas 1/3 em relação ao gozo por parte da mãe.

O número de homens com licença parental facultativa de uso exclusivo do pai também tem vindo a aumentar, mas é de apenas 59% do número total de nascimentos. Mais grave é que o número de homens que gozou a licença obrigatória seja apenas de 67%, ainda que esta percentagem também tenha vindo a crescer.

Há também muito a fazer para aumentar a natalidade. São necessárias políticas que fomentem a criação de mais e melhor emprego, horários de trabalho humanizados, aumento dos salários e das prestações sociais, melhores serviços públicos, habitação condigna e a preços comportáveis.

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