Intervenção de Paula Santos na Assembleia de República

"Governo desresponsabiliza-se e empurra para as autarquias, encargos, custos e insatisfações"

Sr.ª Presidente,
Srs. Membros do Governo,
Srs. Deputados:
É indesmentível que o País precisa de descentralização para se desburocratizar, para combater assimetrias regionais, para se desenvolver económica e socialmente.
É também indesmentível que é necessário alterar a organização administrativa em função daqueles objetivos, descentralizando e desconcentrando a estrutura do Estado, mas avançando também na discussão de aspetos decisivos como a participação política das populações ou a instituição de órgãos legitimados democraticamente, designadamente a criação de regiões administrativas ou o que deve ser o quadro de atribuições específicas de cada nível da estrutura e organização administrativa do Estado.
Mas não foi isso que quiseram Governo, PSD e CDS-PP com este debate. Não estamos perante um debate sério sobre a descentralização de competências. O que, efetivamente, está hoje em debate é a desresponsabilização do Governo no cumprimento das suas obrigações na garantia de direitos fundamentais e universais.
O PSD e o CDS não querem descentralizar.
Como podem querer descentralizar quando a sua ação concreta tem conduzido à concentração e ao encerramento de escolas, de centros de saúde, de serviços da segurança social, da cultura e de apoio aos setores produtivos e da economia?
Como podem querer descentralizar quando a sua ação concreta tem conduzido à carência de trabalhadores nestes serviços públicos?
Como podem querer descentralizar quando a sua ação concreta retirou as condições para que as autarquias desenvolvam o seu quadro de competências já consolidado?
O Sr. João Oliveira (PCP): — Exatamente!
A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Para além da desresponsabilização do Governo, este pretende transferir para as autarquias o ónus do descontentamento das populações, para continuar incólume a política de desmantelamento das funções sociais do Estado. Em síntese, desresponsabiliza-se e empurra para as autarquias encargos, custos e insatisfações.
Acusam-nos de sermos centralistas, mas foi o PS, o PSD e o CDS-PP que, ao longo dos anos, encerraram, concentraram e fundiram serviços da Administração Pública, adiando sempre as propostas do PCP para a concretização de um desígnio constitucional — a criação das regiões administrativas.
Sr.ª Presidente,
Srs. Deputados,
O diploma que sustenta este processo, o Decreto-Lei n.º 30/2015, publicado ontem, comprova a acusação que fazemos ao Governo PSD/CDS.
O Governo fala em descentralização, mas o que propõe não é a transferência de competências do Estado central para o quadro de competências próprio das autarquias, é um modelo de contratualização, que se arroga no direito de controlar a execução dessas competências pelas autarquias, impondo uma tutela de mérito, num claro desrespeito pela sua autonomia e que, ainda por cima, não é acompanhada dos recursos necessários para o seu adequado desenvolvimento, ao impor que não há aumento desses recursos.
Para este Governo, para além de as autarquias não serem entidades com um quadro próprio de autonomia, também não passam de meras executoras da sua política, subordinando-as aos seus interesses e objetivos.
O Governo impôs medidas que já foram rejeitadas pelas autarquias, pelos trabalhadores e pelas populações.
Anunciamos que o Grupo Parlamentar do PCP vai hoje mesmo entregar um requerimento de apreciação parlamentar do Decreto-Lei n.º 30/2015 que procede à transferência de competências para as autarquias.
Sr.ª Presidente,
Srs. Deputados,
O Governo, o PSD e o CDS não quiseram debater a descentralização. O debate de hoje é, sim, sobre uma nova fase no processo de reconfiguração do Estado, em que se compromete a universalidade dos direitos sociais e se aprofunda o ataque às funções sociais do Estado e dos serviços públicos, para que, no final, tudo acabe privatizado ou desmantelado.
O que se esconde por detrás do discurso da descentralização utilizado por este Governo PSD/CDS são mais ataques à escola pública, ao Serviço Nacional de Saúde, ao sistema solidário da segurança social, à degradação do património, aos equipamentos culturais e ao fim do apoio às artes.
O Governo tem tomado medidas que conduzem a um País mais desigual, a várias velocidades, pondo em causa a coesão social e territorial. Essas medidas só podem ser garantidas com a responsabilidade do Estado central sobre esta matéria.
Sr.ª Presidente, Srs. Deputados, Portugal precisa de uma descentralização orientada por objetivos de progresso e de aprofundamento da democracia, que modernize a organização administrativa e adeque às exigências que as transformações sociais, económicas e demográficas colocam à vida dos portugueses, garantindo os direitos dos cidadãos e resolvendo os seus problemas.
Portugal precisa de uma descentralização que responda aos problemas atuais mas que também projete o futuro em função de objetivos de coesão social e territorial que garantam um País mais justo e solidário.
Portugal precisa dessa descentralização, mas, para a fazer, precisa de uma política alternativa e de um outro Governo que a concretize.

  • Assembleia da República
  • Intervenções