Intervenção de

Garantia da gratuitidade dos manuais escolares para a frequência da escolaridade obrigatória<br />Intervenção da Deputada Luísa Mesquita

Senhor Presidente Senhoras Deputadas e Senhores Deputados, O Projecto de Lei que o PCP apresenta hoje a esta Assembleia tem como objectivo fundamental garantir, de facto, o que o texto constitucional já consagra como um direito. O artigo 74º assegura que "todos têm direito ao ensino com garantia do direito à igualdade de oportunidades de acesso e êxito escolar". E acrescenta que incumbe ao Estado "Assegurar o ensino básico universal, obrigatório e gratuito" e ainda "Estabelecer progressivamente a gratuitidade de todos os graus de ensino". No quer se refere a esta matéria, Vital Moreira e Gomes Canotilho consideram que "O direito ao ensino consiste, (...) no direito à igualdade de oportunidades de acesso e êxito escolar" e que "...este direito se analisa em dois aspectos: (a) garantia das condições para se poder frequentar a escola (existência de escolas próximas, transportes, gratuitidade, subsídios, alojamento, etc); (b) garantia de iguais oportunidades de sucesso escolar (...). E relativamente à incumbência do Estado em assegurar o ensino básico universal, obrigatório e gratuito, direito que se mantém no actual texto constitucional, este facto implicará por exemplo, "(a) a obrigação de criação de uma rede escolar de estabelecimentos públicos de ensino que cubra as necessidades de todas as crianças quanto à formação escolar de base (...)" e "(c) a criação de condições para que a obrigatoriedade possa e deva ser exigida a todos (gratuitidade integral, incluindo material escolar, refeições, transportes)". E é deste referencial teórico e constitucional que decorre o entendimento e o enquadramento que fazemos do nosso projecto. As despesas com a frequência da escolaridade obrigatória têm um enorme peso nos orçamentos familiares. É frequente, nos meses de Setembro e Outubro, ouvirmos a tradução monetária deste peso. É o custo do início do ano lectivo, mesmo quando as opções de compra se reduzem, exclusivamente, à listagem dos manuais considerados indispensáveis. Estamos a excluir, à partida, todo o restante material didáctico, o obrigatório e o facultativo, cuja aquisição por parte dos pais e encarregados de educação dependerá das capacidades económicas ou da ausência delas. Estamos a excluir, à partida, todas as modalidades especiais e actividades de ocupação de tempos livres que, apesar de constituírem parte da organização geral do sistema educativo, funcionam a expensas próprias das famílias. Estamos a excluir, à partida, as despesas de transporte, de alimentação e alojamento, cujos apoios económicos só se concretizam, quando as dificuldades do agregado familiar tocam os limiares da sobrevivência. E, no nosso país, fruto de um desordenamento generalizado de um território cada vez mais litoralizado e cada vez mais assimétrico e fruto também da ausência de uma rede escolar minimamente eficaz na resposta às necessidades da população escolar, o contingente de alunos deslocados dos seus locais de residência é uma realidade que progride de forma preocupante, gerando bolsas de violência e de exclusão que emergem cada vez mais cedo no espaço da escolaridade obrigatória. No que se refere aos transportes, apresentámos muito recentemente um projecto de Lei que garantia a instituição de um regime especial para jovens menores de dezasseis anos no acesso a serviços de transporte, saúde e cultura. O facto de propormos um preço reduzido para passes e outros títulos de transporte tinha como objectivo não só facilitar a frequência escolar mas também o acesso a actividades culturais, desportivas ou recreativas em geral. Mas esta Assembleia não considerou então prioritário a aprovação de um mecanismo facilitador do cumprimento do direito à educação e à cultura. Hoje, propomos uma outra medida, também ela prosseguindo objectivos similares - a democratização do ensino, criando condições de promoção do sucesso escolar e educativo de todos os alunos. Senhor Presidente Senhoras Deputadas e Senhores Deputados, É insuficiente afirmar pela palavra a importância estratégica que a educação assume no desenvolvimento harmonioso e integral dos indivíduos, considerando--a, ora paixão, ora prioridade principal do país, quando pelos actos da governação se concretizam políticas que pouco mais fazem do que confirmar atrasos acumulados e fragilidades conhecidas e reconhecidas. É insuficiente dizer-se da importância da criação de condições de igualdade real de oportunidades de acesso e de sucesso educativo para todos os portugueses e pouco fazer para implementar um conjunto de medidas que promovam o acesso à escola, independentemente da origem sócio-económica e sócio-cultural das crianças e dos jovens, independentemente da região do país onde nasceram ou onde vivem. E são estas as razões que justificam o nosso projecto. A gratuitidade dos livros escolares para toda a escolaridade obrigatória enquadra--se plenamente nos instrumentos legislativos que ordenam o nosso sistema educativo, quer o observemos no âmbito da Constituição da República Portuguesa, quer o analisemos de forma mais particular no texto da Lei de Bases. Senhor Presidente Senhoras Deputadas e Senhores Deputados, Estamos convictos que vos propomos a realização de mais um passo para a democratização do acesso e do sucesso educativos. Estamos convictos que muitas outras medidas, algumas em vigor e outras ainda por implementar, podem acrescentar mais valia ao edifício da concretização, de facto, da escolaridade obrigatória. Porque não chega determiná-la por decreto ou consagrá-la constitucionalmente, é preciso ter vontade de a querer, é preciso ter vontade de a fazer. É por isso que consideramos indispensável também o incremento do apoio social escolar em todos os níveis da escolaridade obrigatória, com crescimento considerável das capitações para atribuição dos respectivos apoios e dos montantes -limite previstos para as diversas áreas. É por isso que consideramos indispensável também a criação de incentivos e de apoios financeiros familiares, com vista a permitir o cumprimento da escolaridade obrigatória, introduzindo-se medidas de responsabilização das famílias por esse cumprimento. É por isso que consideramos indispensável também a garantia de transportes, alojamento e alimentação para os alunos que, vivendo afastados da escola ou por outros motivos, careçam total ou parcialmente desses benefícios sociais. Finalmente gostaria, antecipadamente, de responder aos senhores deputados e às senhoras deputadas que estão efectivamente preocupados com a gratuitidade dos manuais escolares, mas que consideram injusta esta medida, pelo facto dela poder abranger, à partida, todas as crianças e jovens, independentemente das suas condições económicas. Essa matéria de discriminação positiva resolve-se com eficácia, eficiência e vontade política no âmbito do sistema fiscal. O nível de fiscalidade em Portugal é dos mais baixos dos países da União Europeia. Simultaneamente a carga fiscal é demasiado pesada para inúmeros cidadãos que pagam impostos. A carga fiscal é profundamente iníqua, é escandalosa a inoperacionalidade para combater a insustentável evasão fiscal e o regime dos benefícios fiscais está transformado numa política de favores ilegítimos às aplicações financeiras e especulativas. Por isso temos vindo a propor uma reforma fiscal que alivie os que vivem dos rendimentos do trabalho, que tribute os rendimentos e mais valias do capital e que penalize os infractores. Consideramos que a reforma fiscal é indispensável a uma maior justiça social e é também indispensável à concretização, por parte do Estado, das suas responsabilidades sociais, por exemplo, na área da Educação. Não podemos inviabilizar uma medida constitucionalmente possível e socialmente necessária - a gratuitidade dos manuais escolares para a frequência da escolaridade obrigatória - em nome de uma falsa justiça e de uma solidariedade caritativa, porque não há coragem, nem vontade políticas para tomar decisões que inviabilizem privilégios e benesses injustificáveis e simultaneamente permitam uma mais justa e equitativa repartição da carga fiscal.

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