Projecto de Resolução N.º 1421/XII/4.ª

Garantia da acessibilidade aos tratamentos de infertilidade

Garantia da acessibilidade aos tratamentos de infertilidade

I

A publicação da Lei nº 32/2006, de 26 de julho que regula a utilização das técnicas de procriação medicamente assistida (PMA) constituiu um enorme avanço técnico, científico e um avanço civilizacional no que respeita à saúde sexual e reprodutiva.

Para além da definição das técnicas de PMA disponíveis para o tratamento de infertilidade, a Lei nº 32/2006, de 26 de julho trouxe inovações que se prendem com a permissão de utilização das técnicas para evitar a transmissão de doença grave para os descendentes, incluindo a possibilidade de obtenção de embrião com grupo HLA compatível para efeitos de tratamento de doença grave; e a possibilidade de concretização de um projeto parental em caso de falecimento do beneficiário, quando devidamente comprovado por escrito pelo falecido.

Na dimensão da investigação científica e na produção de conhecimento, esta lei permite ir mais longe, em particular, na investigação científica com embriões e na criação de células estaminais embrionárias.

No plano do progresso da humanidade podemos afirmar que esta lei abre uma nova oportunidade na melhoria da saúde e do bem-estar das pessoas.

O PCP deu um enorme contributo nos trabalhos de discussão e na aprovação da atual lei que regula a utilização das técnicas de procriação medicamente assistida. Algumas normas que hoje constam da lei foram propostas pelo PCP, no Projeto de Lei nº 172/X/1ª, que Regula as Técnicas de Reprodução Medicamente Assistida, como é a possibilidade de obtenção de embrião com grupo HLA compatível para efeitos de tratamento de doença grave. Como justificámos no projeto de Lei que apresentámos, permite-se “a seleção de embriões apenas para os casos em que haja o risco de transmissão de anomalia genética grave ligada ao sexo, ou quando a finalidade seja a de obter embriões com grupo HLA compatível com o de criança gravemente doente que necessite de transplante compatível”.

A utilização da evolução técnica e científica da medicina trouxe uma enorme felicidade a muitos casais portugueses que aspiravam ser pais e que não conseguiam concretizar esse sonho.

Estima-se que a infertilidade afete 10 a 15% dos casais em idade fértil a nível mundial, com uma tendência de crescimento devido ao adiamento da maternidade, o aumento da prevalência das infeções de transmissão sexual, as situações de stress, sedentarismo, a obesidade, o consumo de tabaco e de álcool e a poluição.

A infertilidade é considerada um problema de saúde pública pela Organização Mundial da Saúde.

II

Apesar das enormes potencialidades da Lei nº 32/2006, de 26 de julho, constatamos que passados quase nove anos da sua entrada em vigor, ainda não foi totalmente cumprida, isto é, continuam a existir casais portugueses com diagnóstico de infertilidade, que desejam ter filhos e que não têm acesso às técnicas de PMA.

O desinvestimento no Serviço Nacional de Saúde (SNS) imposto nos últimos anos pelos Governos também teve impactos profundamente negativos na acessibilidade às técnicas de PMA e nos meios alocados aos centros públicos de PMA.

O ataque ao SNS foi transversal – nem a área da PMA ficou a salvo, muito pelo contrário, também sentiu as consequências dos cortes orçamentais e da desvalorização profissional e social dos profissionais de saúde. Muitos profissionais de saúde, em especial médicos com uma enorme experiência nesta área, saíram precocemente do SNS porque se sentiram desvalorizados e até humilhados. Também nesta área se constatou uma redução dos meios disponibilizados.

Não há uma cobertura de centros públicos de PMA em todo o território nacional. Na região Norte há quatro centros públicos de PMA, na região Centro há dois, na região de Lisboa e Vale do Tejo há três centros, na Madeira há um e nas regiões do Alentejo, Algarve e Açores não há centros públicos de PMA. Quanto aos centros privados só a região do Alentejo não tem nenhum e as regiões do Algarve e Açores têm um centro privado cada.

Esta distribuição assimétrica não permite dar uma resposta adequada aos casais com diagnóstico de infertilidade, sobretudo no sul do país. Dada essa ausência de resposta pública no sul, verifica-se uma maior afluência de casais aos centros da região de Lisboa e Vale do Tejo, sendo nesta região onde se verificam as maiores dificuldades no acesso às técnicas de PMA.

Diversos centros públicos têm listas de espera, a saber:

- Centro Hospitalar Alto Ave – 6 meses para idade igual ou superior a 35 anos ou fator masculino muito grave e de 6 a 12 meses para idade inferior a 35 anos

- Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/espinho – 6/7 meses

- Centro Hospitalar do Porto – 6 meses

- Centro Hospitalar Universitário de Coimbra – 2 meses

- Centro Hospitalar Lisboa Norte – 18 meses

- Centro Hospitalar Lisboa Central (MAC) – 10 meses

- Hospital Garcia de Orta – 12 meses

A existência de listas de espera no acesso às técnicas de PMA é preocupante por vários motivos: em primeiro lugar porque os casais com diagnóstico de infertilidade que desejam ter filhos têm de aguardar pela oportunidade de poderem iniciar o tratamento; em segundo lugar porque são cuidados de saúde que não estão a ser assegurados em tempo útil a quem deles necessita e em terceiro lugar porque a idade é um fator determinante no sucesso das técnicas de PMA, isto é, quanto mais tarde os casais, neste caso concreto, a mulher tiver acesso às técnicas de PMA, menor é a probabilidade de sucesso das mesmas.

Quanto menor a idade da mulher maior é a probabilidade de sucesso das técnicas de PMA, por isso é tão importante o acesso aos tratamentos de infertilidade o mais cedo possível, o que não é compatível com a existência de listas de espera de quase dois anos.

Devido à degradação das condições económicas das famílias, verifica-se uma maior procura dos centros públicos de PMA, e por conseguinte do aumento das listas de espera. Casais que anteriormente tinham condições económicas para suportar os custos do tratamento de infertilidade em clínicas privadas, hoje optam pelo público, porque perderam poder económico.

Apesar de se verificar uma evolução positiva no número de ciclos realizados nos centros públicos, a capacidade de resposta está ainda muito aquém das necessidades e da resolução das listas de espera existentes. No entanto, não é surpresa a redução da atividade dos centros privados em 4%, dada a redução dos rendimentos das famílias.

De seguida apresenta-se a evolução do número de ciclos, que constam do Relatório da Atividade Desenvolvida pelos Centros de PMA em 2012, da responsabilidade do Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida:

N.º de ciclos realizados por técnica (2009-2012)
FIV ICSI TEC DO DGPI
2009 (N=24) 1475 3405 661 232 107
2010 (N=25) 1736 4139 777 312 89
2011 (N=27) 1830 3873 921 369 69
2012 (N=26) 2088 3715 1135 320 91

N – número de centros em atividade que realizam FIV/ICSI, TEC, DO e/ou DGPI
FIV – Fertilização in vitro
ICSI – Injeção intracitoplasmática de espermatozoides
TEC – Transferência de embriões criopreservados
DO – Doação de ovócitos
DGPI – Diagnóstico genético pré-Implantação

Evolução do nº de ciclos realizados por técnica nos centros públicos e nos centros privados

Em 2012 registaram-se 2340 gestações clínicas e em 2013 registaram-se 2325, número ligeiramente inferior, que provavelmente estará relacionado com a menor disponibilidade dos casais para recorreram aos centros privadas, que por sua vez reduzem a atividade.

Percentagem de gravidez e de parto por ciclo iniciado
2009 2010 2011 2012
FIV ICSI FIV CSI FIV ICSI FIV ICSI
Gravidez Clínica /ciclo iniciado (%) 30,8 26,5 31,7 28,9 29,7 23,6 30,2 25,9
Parto/ciclo iniciado (%) 21,2 20,4 24,1 22,4 24,0 18,1 23,3 19,8

Verificou-se também um aumento da taxa de sucesso de gestação clínica por ciclo iniciado, assim como a percentagem de parto em 2012 quando comparado com 2011, apesar de não ter atingido os valores de 2010, os mais elevados desde que há registos sistematizados (dados do Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida). Em 2012, a taxa de sucesso de gestão clínica por ciclo de fertilização in vitro foi de 30,2% e de 25,9% para a Injeção intracitoplasmática de espermatozoides, e a percentagem de parto fixou-se em 23,3% e 19,8%, respetivamente.

A degradação das condições de vida das famílias está a dificultar o acesso ao tratamento da infertilidade. Há registo de muitos casais que quando chega a sua vez de iniciar o tratamento (após terem aguardado em lista de espera) desistem por falta de condições económicas. Há registos destas situações por exemplo no Centro Hospitalar Lisboa Norte e no Hospital Garcia de Orta.

Apesar de o Estado garantir a gratuitidade dos tratamentos de infertilidade, os custos com a medicação prescrita é em parte suportada diretamente pelas famílias. Os medicamentos na área da PMA estão no escalão B de comparticipação, o que corresponde a uma comparticipação de 69% pelo Estado. Com este nível de participação, o custo com medicamentos pode ascender a 500 ou 600 euros, o que para muitos casais é incomportável.

III

Apesar do acesso às técnicas de PMA não ser um fator determinante na evolução da natalidade pode contribuir positivamente para o nascimento de mais crianças no nosso país. As preocupações quanto à baixa taxa de natalidade justificam a tomada de medidas concretas que deem a confiança e a estabilidade para os casais tomarem a decisão de ter filhos. Reforçar ao acesso às técnicas de PMA integra-se neste objetivo.

Este caso concreto, refere-se a casais que desejam ter filhos, mas que infelizmente não conseguem porque têm um diagnóstico de infertilidade, e que, com a ajuda das técnicas de PMA mais adequadas esse sonho pode tornar-se realidade, podem constituir a família que desejam e contribuir também para o aumento da taxa de natalidade.

O número de crianças nascidas com recurso às técnicas de PMA aumentou em 2012 em relação ao ano de 2011. Em 2012 nasceram 2134 crianças (corresponde a 2,4% dos nascimentos totais), em 2011 nasceram 2007 crianças (2,1% das crianças nascidas em 2011), em 2010 nasceram 2221 crianças (2,2% das crianças nascidas em 2010).
O acesso às técnicas de PMA para o tratamento da infertilidade é um direito dos casais com diagnóstico de infertilidade que o Estado tem o dever de assegurar. Mais, acessibilidade aos tratamentos de infertilidade, integra-se na garantia do direito à saúde sexual e reprodutiva, do direito à maternidade, livre e responsável para os casais com diagnóstico de infertilidade.

Assim, o Grupo Parlamentar do PCP, no cumprimento da Lei nº 32/2006, de 26 de julho e de molde a garantir a acessibilidade aos tratamentos de infertilidade a todos os casais inférteis que desejam ter filhos, considera que se deve reforçar a capacidade de resposta pública na área da PMA através do reforço da capacidade e do alargamento dos centros públicos de PMA em todo o território nacional, do reforço dos profissionais de saúde e a comparticipação a 100% dos tratamentos de infertilidade, que potencie o aumento do número de ciclos.

Propomos também a adoção de medidas de sensibilização quanto à infertilidade (prevenção, informação sobre os fatores de infertilidade, acompanhamento e tratamento e quais os procedimentos que têm de adotar em caso de um diagnóstico de infertilidade) para que os jovens estejam despertos para esta realidade. No caso de casais que sofram de infertilidade, devido ao adiamento da maternidade, só terão esse diagnóstico tardiamente (o que para alguns casais já pode ser tarde demais). Caso tivessem tido conhecimento mais cedo talvez tivessem tomado decisões diferentes.

Quanto mais tarde os casais tomam a decisão de ter filhos, maior é a probabilidade de serem confrontados com um diagnóstico de infertilidade. E quanto mais cedo se conhecer o diagnóstico de infertilidade, maior é a probabilidade de sucesso das técnicas de PMA.

Propomos ainda que as mulheres que tenham uma doença oncológica lhes possa ser garantida a criopreservação dos ovócitos para salvaguardar o seu direito de constituição de família e de terem filhos. Os tratamentos das doenças oncológicas podem causar inúmeros efeitos secundários, entre eles a infertilidade.

Assim, nos termos regimentais e constitucionais aplicáveis, os Deputados abaixo assinados do Grupo Parlamentar do PCP propõem que a Assembleia da República adopte a seguinte

Resolução

A Assembleia da República recomenda ao Governo, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição:

1. O reforço da capacidade dos centros públicos de procriação medicamente assistida (PMA) com cobertura em todo o território nacional, que progressivamente conduza ao aumento do número de ciclos e à eliminação das listas de espera, assegurando a todos os casais inférteis o acesso às técnicas de PMA, através:

1.1. Da ampliação da rede de centros públicos de PMA na zona sul do país, criando pelo menos um centro público que sirva a região do Alentejo e Algarve;
1.2. Da ponderação e estudo da criação de um centro público de PMA nos Açores;
1.3. Do reforço da capacidade dos atuais centros públicos de PMA através da valorização profissional e social dos profissionais de saúde e da alocação dos meios humanos e técnicos para satisfazer as necessidades da população;

2. A comparticipação dos medicamentos para o tratamento da infertilidade a 100% pelo Estado, sendo dispensados gratuitamente nos hospitais.

3. A implementação de campanhas de informação e sensibilização dos jovens para as questões relacionadas com a infertilidade, designadamente os seus fatores, a prevenção, o acompanhamento e tratamento, bem como as respostas públicas e os procedimentos a adotar perante um diagnóstico de infertilidade.

4. As campanhas de informação e sensibilização sobre a infertilidade referidas no número anterior devem ter o envolvimento dos cuidados de saúde primários, nas consultas gerais, nas consultas de planeamento familiar, com a participação dos médicos e dos enfermeiros.

5. A criação de um programa de criopreservação dos ovócitos das mulheres com doença oncológica, para salvaguardar o seu direito à saúde sexual e reprodutiva, à maternidade, e à constituição de família.

Assembleia da República, em 10 de abril de 2015

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