Projecto de Lei N.º 393/XIV/1.ª

Garante um apoio extraordinário de protecção social a trabalhadores sem acesso a outros instrumentos e mecanismos de protecção social

Exposição de Motivos

A situação criada em Portugal pelo desenvolvimento do surto do COVID-19 coloca como primeira prioridade a adoção de medidas de prevenção e de alargamento da capacidade de resposta do Serviço Nacional de Saúde, visando o combate ao seu alastramento e a resposta clínica.

A situação que o país e o Mundo atravessam, com medidas excecionais para situações excecionais, não pode ser usado e instrumentalizado para, aproveitando legítimas inquietações, servir de pretexto para o agravamento da exploração e para o ataque aos direitos dos trabalhadores.

Estes dias dão um perigoso sinal de até onde sectores patronais estão dispostos a ir espezinhando os direitos dos trabalhadores. Indiciando um percurso que a não ser travado lançará as relações laborais numa verdadeira “lei da selva”, tem-se assistido à multiplicação de atropelos de direitos e arbitrariedades.

São inúmeros os exemplos de consequências profundamente nefastas na vida de trabalhadores de vários sectores de atividade, especialmente sentida por trabalhadores com vínculos precários. A precariedade laboral significa também precariedade da proteção social. E os últimos tempos têm demonstrado isso mesmo. Importa lembrar a situação de milhares de trabalhadores cuja remuneração provinha de trabalho por conta própria e de prestação de serviços que deixaram de ter, ficando, em muitas situações, sem qualquer meio de subsistência devido à frágil proteção social existente.

Serão muitas centenas de milhar os trabalhadores com vínculos precários: contratos a termo em desrespeito pela lei, uso abusivo de recibos verdes, trabalho encapotado pelo regime de prestação de serviços. Muitos trabalhadores independentes que, perante esta situação, se encontram completamente desprotegidos pois, pelas mais variadas razões, não cumprem os requisitos de acesso a qualquer mecanismo de proteção social, ainda que excecional e temporário.

Serão, também, muitos os trabalhadores que exercem as suas funções em subordinação jurídica, que são verdadeiros trabalhadores por conta de outrem mas que, no entanto, não possuem qualquer vínculo de trabalho formal, nem estão, por consequência, abrangidos por um regime de segurança social nacional ou estrangeiro. É urgente que esses trabalhadores, para além de terem acesso à proteção social, vejam o seu vínculo de trabalho regularizado e a sua situação de trabalhadores por conta de outrem efetivamente reconhecida.

A iniciativa do PCP é no sentido de garantir proteção social a estes trabalhadores, num momento em que a sua situação económica e social é particularmente grave.

Assim, ao abrigo da alínea b) do artigo 156.º da Constituição da República Portuguesa e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento da Assembleia da República, o Grupo Parlamentar do PCP apresenta o seguinte Projeto de Lei:

Artigo 1.º

Objeto

A presente lei cria um apoio extraordinário de proteção social a trabalhadores sem acesso a outros instrumentos e mecanismos de proteção social, designadamente trabalhadores com formas de prestação de trabalho atípicas, como sejam trabalho à hora e ao dia, até à cessação das medidas excecionais e temporárias de resposta à epidemia SARS-CoV-2.

Artigo 2.º

Âmbito

  1. A presente lei é aplicável a todos os trabalhadores com vínculos laborais precários e trabalhadores independentes que não tenham acesso a qualquer instrumento ou mecanismo de proteção social, nem aos apoios sociais criados no âmbito das medidas excecionais e temporárias de resposta à epidemia SARS-CoV-2 e em relação aos quais se verifique uma das seguintes circunstâncias:
    1. Cessação do contrato de trabalho ou de prestação de serviços;
    2. Paragem, redução ou suspensão da atividade laboral; ou
    3. Quebra de, pelo menos, 40% dos serviços habitualmente prestados.
  2. Para os efeitos previstos na presente lei consideram-se vínculos laborais precários:
    1. os vínculos laborais que não correspondam a contratos de trabalho sem termo ou por tempo indeterminado;
    2. qualquer vínculo laboral no período em que decorra o período experimental; e
    3. os contratos de prestação de serviços.
  3. A presente lei é aplicável a todos os trabalhadores independentemente da existência ou não de vínculo de trabalho formal.
  4. O disposto na presente lei é igualmente aplicável aos trabalhadores isentos de contribuições para a Segurança Social, nos termos e para os efeitos do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial da Segurança Social e aos trabalhadores estagiários ao abrigo da medida de estágios profissionais, prevista e regulada na Portaria n.º 131/2017, de 7 de abril, na sua redação atual.

Artigo 3.º

Apoio extraordinário

  1. O apoio de proteção social aos trabalhadores previstos no artigo anterior é atribuído mediante comprovação pela Segurança Social das circunstâncias previstas no artigo anterior, por qualquer meio admissível em Direito ou através de declaração sob compromisso de honra.
  2. O apoio previsto no número anterior tem a duração de um mês, prorrogável até à cessação das medidas excecionais e temporárias de resposta à epidemia SARS-CoV-2.
  3. O valor do apoio previsto no n.º 1 corresponde ao valor do Indexante dos Apoios Sociais (IAS).
  4. O apoio previsto no n.º 1 só é aplicável quando se verifique não existirem regimes de proteção social mais favoráveis, aplicáveis ao trabalhador.

Artigo 4.º

Regularização do vínculo de trabalho

  1. Após a atribuição do apoio previsto na presente lei, a Autoridade para as Condições de Trabalho notifica a entidade empregadora do trabalhador que não possua vínculo de trabalho formal e não abrangido por qualquer sistema de segurança social nacional ou estrangeiro para, no prazo máximo de 15 dias, proceder à regularização do vínculo de trabalho através de contrato de trabalho sem termo e à respetiva inscrição no sistema de segurança social respetivo.
  2. Com a notificação ao empregador nos termos do número anterior e até à regularização da situação do trabalhador ou ao trânsito em julgado da decisão judicial, conforme os casos, a relação de trabalho em causa não cessa, mantendo-se todos os direitos das partes.

Artigo 5.º

Transferência de verbas para a Segurança Social

Para o cumprimento do disposto na presente lei, o Governo procede à transferência para a Segurança Social das verbas necessárias à sua execução.

Artigo 6.º

Entrada em vigor e vigência

A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação e vigora até à cessação das medidas excecionais e temporárias de resposta à epidemia SARS-CoV-2.

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