Projecto de Lei N.º 185/XIII/1.ª

Garante o acesso universal e a emissão de todos os canais de serviço público de televisão através da Televisão Digital Terrestre (TDT)

Garante o acesso universal e a emissão de todos os canais de serviço público de televisão através da Televisão Digital Terrestre (TDT)

Exposição de Motivos

O processo de desligamento da rede de emissão analógica de televisão, no quadro da introdução da TDT em Portugal, prejudicou fortemente o interesse público e a vida concreta das populações. De norte a sul do país, especialmente no interior, a realidade tem vindo a confirmar, desde o início deste processo, que foram sacrificadas as condições de vida das pessoas, em particular das camadas mais desfavorecidas, mais isoladas, principalmente os mais idosos.

Em 2012, aquando do desligamento da rede de emissão analógica de televisão, para proceder à passagem para sinal digital, o PCP alertou para as consequências da má condução deste processo, e propôs medidas concretas e urgentes que teriam contribuído para resolver vários problemas que se colocavam então.

Na altura, alertámos para os “perigos” colocados com o “apagão analógico”, sabendo que milhares de pessoas com emissão de televisão por cobertura analógica que veriam os emissores e retransmissores das suas regiões desligados, ficariam sem acesso à emissão televisiva.

Uma preocupação com as populações que o PCP trouxe a Plenário, num Debate de Urgência, que sinalizou com projetos de Lei e com Projetos de Resolução, sendo uma matéria que o PCP tem acompanhado com proximidade, tendo denunciado e questionado o Governo de então sobre várias situações de falhas na emissão da TDT, após a sua implementação, sendo que parte delas se mantém ainda hoje em algumas zonas do país.

As simulações quanto à cobertura da TDT, feitas na altura pela ANACOM estavam longe de ter em conta a realidade das condições atmosféricas, as variações locais de relevo ou mesmo a obstrução das antenas. Foram muitos os testemunhos afirmando que, em muitas áreas supostamente cobertas, não era possível captar a TDT, ou que, em condições meteorológicas adversas, o sinal caía completamente, sendo ainda de referir que, demasiados concelhos não teriam qualquer alternativa para acesso à emissão televisiva, a não ser por satélite.

À denúncia do PCP e, perante um Projeto de Resolução que apresentámos propondo o adiamento do desligamento da emissão analógica (para garantir a necessária salvaguarda do acesso da população às emissões televisivas) a maioria PSD/CDS, respondeu, rejeitando essa mesma iniciativa.

No entanto, no mesmo dia foi concretizada a decisão do adiamento do desligamento da emissão analógica, tendo sido anunciada a 6 de Janeiro de 2012, a sua recalendarização para os finais de Janeiro e Fevereiro de 2012. Foi assim dada razão ao PCP, embora a medida não tenha sido suficiente (conforme afirmámos na altura), por não garantir a salvaguarda da universalidade do acesso à emissão terrestre – conforme a realidade comprova.

A realidade da implementação da TDT está longe de ser a propagandeada – foram muitas as dificuldades sentidas pelas famílias, que, por exemplo, foram obrigadas a comprar os aparelhos para captar a TDT e os mesmos não funcionavam, comprovando a dificuldade na receção do sinal.

Ou, os mais de 62% dos lares que, em maio de 2014, tinham ainda “falhas no som ou imagem e interrupções prolongadas na emissão” da Televisão Digital Terrestre. (1)

A este propósito, importa também referir que, além dos problemas sentidos pelas populações quanto à receção do sinal, a mudança para a TDT trouxe um agravamento de custos para as famílias – a “conta da adaptação para a TDT, via terrestre, ascendeu na maioria dos casos até 99 euros”, sendo que esta quantia não contemplava despesas com a compra de um novo televisor, o que foi necessário em, aproximadamente, “15% dos lares”.(2)

O âmbito de cobertura territorial da TDT, por emissão terrestre, não pode ser inferior ao que de melhor se conseguiu na rede analógica; não pode significar um retrocesso: tem de representar um avanço em acessibilidade. Por isso tem de ser, pelo menos, equivalente à cobertura territorial da emissão analógica dos canais mais abrangentes da RTP, que se verificava antes do início do “apagão”.

Entretanto, subsiste o problema da oportunidade perdida que tem sido o processo da Televisão Digital Terrestre e a ameaça de degradação que pode até daí resultar para a acessibilidade do Serviço Público de Televisão.

Aquilo que poderia constituir uma importante oportunidade para melhorar, não apenas a qualidade do serviço prestado, mas também o alargamento da oferta do número de canais disponibilizados de forma gratuita à população portuguesa, foi transformado, na prática, numa descarada operação de imposição do acesso a televisão paga, beneficiando desta forma os lucros das operadoras que fornecem esse serviço e condicionando, no presente e no futuro o papel do serviço público de televisão.

Foram muitas as famílias que, encontrando dificuldades no acesso ao serviço da TDT e uma ausência de resposta a essas mesmas dificuldades, foram empurradas para contratualização do serviço de televisão fornecido pelas operadoras privadas de telecomunicações.

Assim, o que se verifica, efetivamente, é que todo o desenvolvimento deste processo foi condicionado e orientado, não pela defesa do bem público, mas sim pela defesa de interesses privados de grandes grupos económicos, nomeadamente das operadoras de telecomunicações.

Consideramos que é urgente inverter esta realidade e defender o interesse das populações neste processo.

Importa, por isso, criar os mecanismos jurídicos necessários e eficazes para salvaguardar a universalidade de acesso à emissão da Televisão Digital Terrestre, bem como o alargamento da oferta de canais transmitidos, aproveitando a capacidade instalada.

Tal como o PCP tem sublinhado, com a TDT o país pode ter mais serviço público em sinal aberto e não menos. É possível obter economias de escala e gerir melhor os recursos, com mais e melhor oferta de Serviço Público de Televisão. Mas não é isso que está a acontecer.

A TDT podia ser a oportunidade para uma oferta televisiva para todos. Que incluísse em todas as emissões a possibilidade de acesso a tradução para língua gestual, a legendagem em direto, a áudio-descrição. Mas também não é isso que está a acontecer.

A realidade é a de um verdadeiro pesadelo para uma parte da população portuguesa e um excecional negócio para uma parte dos interesses económicos que intervém neste setor, cuja oposição à disponibilização do conjunto dos canais da RTP tem sido tornada pública.

Por toda a Europa, a introdução da TDT foi fator de maior variedade de oferta televisiva. Portugal, pelo contrário, é o país europeu com o menor número de canais nesta plataforma. As experiências verificadas noutros países como o Reino Unido com um papel destacado da BBC na disponibilização de dezenas de canais, ou em Itália com a RAI, ou mesmo em Espanha com a TVE, deveriam ser potenciadas no nosso país com um papel de destaque por parte da RTP.

É imperioso que sejam integrados na plataforma da TDT os diversos canais da RTP, canais esses que estão previstos na concessão de Serviço Público de Televisão e que devem ser acessíveis a todos os cidadãos em sinal aberto e sem condicionamentos.

Entendemos que o poder central deve assumir as suas responsabilidades, agindo de forma concreta junto da empresa distribuidora do sinal, promovendo o papel da RTP e envolvendo a ANACOM – que neste processo não funciona como regulador, mas sim cumprindo as orientações políticas do Governo.

As populações continuam a sentir, no seu dia-a-dia, as consequências deste processo desastroso, implementado pelo anterior governo PSD/CDS, pelo que se impõe colocar novamente no plano político a exigência de uma resposta cabal do poder político a esta situação.

É na defesa do Serviço Público de Televisão e na defesa dos direitos destas populações que tanto têm sido prejudicadas, que o PCP apresenta esta iniciativa legislativa.

Assim, ao abrigo do disposto da alínea b) do artigo 156.º e da alínea c) do artigo 161.º da Constituição, e da alínea b( do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento, os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte Projeto de Lei:

Artigo 1.º
Objeto

1 – Pela presente lei é garantida a universalidade do acesso à Televisão Digital Terrestre e o alargamento da oferta televisiva a todos os canais do serviço público.

Artigo 2.º
Área de cobertura

1 – A emissão da rede nacional da Televisão Digital Terrestre garante obrigatoriamente uma cobertura territorial igual ou superior à cobertura da emissão televisiva analógica da RTP 1, verificada a 1 de Janeiro de 2012.
2 – A emissão da rede nacional da Televisão Digital Terrestre é obrigatoriamente garantida através do sistema DVB-T, pela correspondente rede terrestre de emissão hertziana, não podendo exigir a utilização pelos cidadãos de sistemas de receção via satélite.

Artigo 3.º
Canais de difusão obrigatória

O serviço universal de Televisão Digital Terrestre previsto na presente lei abrange todos os canais que integram o serviço público de televisão, incluindo os canais de âmbito nacional, internacional e regional, bem como os demais canais difundidos pela empresa concessionária do serviço público de televisão através de outras plataformas.

Artigo 4.º
Adaptações contratuais

O Governo procede, no prazo de 90 dias, às adaptações contratuais necessárias para o cumprimento integral do disposto na presente lei.

Artigo 5.º
Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.

Assembleia da República, em 29 de abril de 2016

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