Intervenção de Margarida Botelho, Membro da Comissão Política do Comité Central, Debate «Crianças e pais com direitos. Portugal com futuro»

As funções sociais do Estado no apoio às crianças, aos jovens e às famílias

As funções sociais do Estado no apoio às crianças, aos jovens e às famílias

Como em tudo na vida, o capital e os trabalhadores não olham da mesma forma para a questão das funções sociais do Estado no que diz respeito ao apoio às crianças, aos jovens e às famílias. Peguemos no exemplo da escola.

O que o capital pretende é que o Estado crie as condições mínimas para que os trabalhadores estejam o mais possível livres para trabalhar, de preferência 24 horas por dia, sete dias por semana. Para o capital, o ideal seria que dormir, comer, descansar ou ter filhos (porque ter crianças é indispensável para vir a ter trabalhadores e consumidores no futuro) fossem actividades reduzidas ao mínimo. Do impacto que esta concepção tem na legislação laboral e na exploração dos trabalhadores já falou a camarada Rita Rato.

O que o capital exige ao Estado é que garanta os instrumentos para guardar as crianças enquanto os pais trabalham, ensinando-lhes o indispensável para virem a entrar na cadeia de produção. O melhor exemplo disso mesmo talvez seja a solicitude com que o Governo, através do ministro Vieira da Silva, se ofereceu para fazer um levantamento de que creches poderiam abrir ao sábado para ficar com os filhos dos trabalhadores da Autoeuropa.

Para os trabalhadores e para o PCP, creches, jardins de infância e escolas não são armazéns onde se deixam crianças. São espaços onde existem profissionais que os apoiam na responsabilidade de educar os filhos, onde é possível brincar, socializar, aprender, desenvolver-se de forma harmoniosa e integral.

Os estudos que têm sido feitos mostram que no topo dos motivos para querer ser pai ou mãe está a vontade de participar no crescimento da criança. As pessoas não querem ter filhos para que sejam outros a criá-los – e esse é um desejo legítimo e justo, que não devia ser fonte de tanta angústia para tantos pais.

O que a Constituição da República Portuguesa assume é que as crianças têm direito à protecção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral.

Também define que a família tem direito à protecção da sociedade e do Estado e à efectivação de todas as condições que permitam a realização pessoal dos seus membros. Para isso, define que o Estado deve promover a independência social e económica dos agregados familiares; promover a criação e garantir o acesso a uma rede nacional de creches e de outros equipamentos sociais de apoio à família; cooperar com os pais na educação dos filhos.
Isto é o que diz a lei fundamental do nosso país, a realidade é infelizmente bem diferente.

Educação, Saúde, Segurança Social, são funções do Estado que têm um papel decisivo na vida das crianças e das famílias que são responsáveis por elas.
A teoria do Estado mínimo, tão cara à política de direita, foi aplicada à infância com especial brutalidade. Três exemplos apenas, quantificáveis: só em 2006 encerraram dez maternidades. Só entre 2010-2011, o abono de família foi roubado a 444 mil crianças. Quase 4000 escolas do 1.º Ciclo foram encerradas desde 2005.

Uma grande parte dessa ofensiva foi travada com a derrota do Governo PSD/CDS em 2015. Nesta nova fase da vida política nacional foi possível dar passos significativos no apoio às famílias com crianças: o Pré-escolar público foi alargado às crianças de quatro anos, os manuais escolares passaram a ser gratuitos do 1.º ao 5.º ano de escolaridade, os abonos de família viram os seus montantes valorizados e majorados, e foi reposto o 4.º escalão para os menores de três anos.

Mas há tanto por fazer.

Ter filhos é evidentemente um projecto pessoal, de vida. Mas é mais do que isso: cumpre uma função social, que a sociedade deve apoiar. Mais: a sociedade deve garantir a todas as crianças, nasçam em que contexto sócio-económico nasçam, as condições para que tenham um desenvolvimento integral.

Quem tem filhos hoje fica praticamente por sua conta e risco. É verdade que o nosso país tem índices notáveis na qualidade dos cuidados de saúde garantidos às grávidas e aos bebés, que só uma conquista de Abril como o Serviço Nacional de Saúde pode prestar.

Mas depois do momento do nascimento os obstáculos acumulam-se: soubemos esta semana que quase 1000 bebés nascidos este ano não têm médico de família. Quem tem direito ao abono, mesmo ao pré-natal, espera às vezes mais de cinco meses para começar a receber – e o peso do tempo na vida das grávidas e das crianças não é igual ao de qualquer outro cidadão. Não há uma rede pública de creches e as famílias vêem-se empurradas para situações que não desejam, sejam amas ilegais ou creches privadas a preços proibitivos. A falta de resposta nos cuidados públicos de medicina reprodutiva devia embaraçar os responsáveis de um país onde a taxa de natalidade é das mais baixas do mundo.

O título do nosso debate não é uma frase feita para parecer bonita – é um facto. Não tomar hoje as medidas indispensáveis para garantir às crianças o direito a um desenvolvimento integral, terá consequências demasiado graves no futuro.

É necessário que o apoio aos pais e às crianças seja verdadeiramente uma política planeada, integrada, com meios, assumida como um desígnio nacional.

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