Intervenção de António Rodrigues, Membro do Comité Central, Alternativa política, soberania e independência nacional - O legado de Álvaro Cunhal

As Forças Armadas, o seu mandato constitucional e o seu papel na garantia da Independência Nacional

As Forças Armadas, o seu mandato constitucional e o seu papel na garantia da Independência Nacional

As Forças Armadas são um dos pilares da nossa soberania e, como tal, devem caracterizar-se por um propósito eminentemente defensivo, com capacidade de intervenção rápida em qualquer área do território nacional, nomeadamente ao nível de pessoal, equipamento, armamento e infraestruturas adequados às actividades e missões a executar.

No Encontro do PCP sobre Independência Nacional, realizado em 1990, o camarada Álvaro Cunhal, no discurso de encerramento, apresentando as propostas do Partido avançadas nesse Encontro, sublinhava a necessidade da «definição da dimensão, do equipamento e reequipamento das Forças Armadas portuguesas com a modernização, a tecnologia e a dignidade conformes com as necessidades nacionais tendo embora também naturalmente em conta os recursos efectivos do País».

Partindo desta afirmação, poderemos constatar que o caminho trilhado até hoje esteve bem longe desta realidade. Os sucessivos governos não quiseram concretizar o necessário processo de reestruturação, racionalização e modernização das Forças Armadas, na base do cumprimento das missões nacionais e na aquisição de meios que deveriam ser prioritários para a sua concretização.

Daí resultou o desfazamento da realidade que hoje se verifica entre as necessidades nacionais e a existência de meios adequados, fruto das políticas que ao longo dos anos contaram, em situações várias, com a complacência e conivência por ação e, ou omissão, de diversos chefes militares, uns alheados da realidade outros sobrepondo as teses atlantistas ao interesse nacional.

Desfasamento, que o governo PSD/CDS oficializou através da chamada Defesa 2020, um processo de reestruturação na área da Defesa Nacional sustentado na aprovação de todo um edifício legislativo e doutrinário, visando o aprofundamento da governamentalização da instituição militar, nomeadamente através da mimetização da estrutura superior das Forças Armadas a partir das estruturas da Nato e de outros países que a integram.

Defesa 2020 que, nos seus traços essenciais, tem sido prosseguida pelo governo do PS, seja através da adesão a novas estruturas multinacionais como a Cooperação Estruturada Permanente, o Fundo Europeu de Defesa ou a Iniciativa Europeia de Intervenção, seja pelo planeamento do investimento em equipamento militar e em novas capacidades que dão prioridade à necessidade de emprego das Forças Armadas no âmbito das missões NATO.

Com a Defesa 2020, cujas orientações essenciais estão vertidas no Conceito Estratégico de Defesa Nacional, o objetivo é aprofundar a estratégia de submissão nacional à União Europeia e à NATO, procurando criar novos laços de entrosamento e enfraquecimento da capacidade de ação autónoma das nossas Forças Armadas obrigando-as a partilhar meios fundamentais à nossa defesa militar e secundarizando o seu emprego na afirmação e defesa da nossa soberania. É, por isso, fundamental contrariar as iniciativas de especialização e esvaziamento das Forças Armadas de países de menor dimensão (como é o nosso caso), com a consequente periferização de uns países em relação a outros.

Foi no âmbito deste objectivo que, por exemplo, as OGMA - Oficinas Gerais de Material Aeronáutrico passaram a ser geridas pela EMBRAER (hoje detida maioritariamente pela Boeing), os Estaleiros Navais de Viana do Castelo foram concessionados a privados, o Arsenal do Alfeite se encontra no limiar do seu estrangulamento pelo incipiente investimento e o não rejuvenescimento do seu quadro de pessoal, a Empordef vive o seu desmantelamento, e outras importantes empresas na área da indústria defesa foram alienadas.

Como resultado, as Forças Armadas continuam a percorrer um caminho de grandes limitações. Por um lado, limitação de meios financeiros que levantam dificuldades à manutenção e redução da disponibilidade operacional dos equipamentos, à qualificação, ao treino e à formação do pessoal, tudo conducente à redução da capacidade operacional das Forças Armadas e, por outro, à degradação e ao enfraquecimento do vínculo da Condição Militar, com a violação de direitos dos militares, desde as penalizações nos vencimentos e as limitações na progressão da carreira até à degradação das condições para o exercício da actividade diária e o estrangulamento das condições de acesso aos cuidados de saúde e apoios sociais.

Consequentemente, as Forças Armadas confrontam-se hoje com enormes dificuldades de recrutamento, nomeadamente ao nível dos regimes de voluntariado e contrato, ao mesmo tempo que aumenta o número de militares do quadro permanente que manifestam intenção de abandonar as fileiras, sendo que, muitos deles, mesmo obrigados a pagar elevadas indemnizações ao Estado, optam pela rescisão do vínculo.

Tudo isto, num quadro em que se pretende envolver os militares e a instituição militar na linha da frente de múltiplas tarefas para as quais não estão adequadamente preparados e apetrechados no plano humano e material, designadamente na área da proteção civil.

Precisamos de umas Forças Armadas alicerçadas numa relação de equilíbrio e cooperação entre os 3 ramos e em sintonia com a nossa realidade constitucional, demográfica, geográfica e económico-industrial. Forças Armadas com uma estrutura superior sem duplicações entre ramos e uma organização racionalizada, com equipamento, armamento e infraestruturas adequados às necessidades e capacidades nacionais, e com uma política de pessoal que garanta a estabilidade dos militares e assuma sem equívocos a condição militar em todos os seus múltiplos aspectos.

No fundo, impõe-se contrariar a orientação vigente de sobrepor o respeito pelos compromissos assumidos no plano internacional às exigências e necessidades nacionais e reverter toda uma estratégia do reforço da nossa submissão face à União Europeia, aos EUA e à NATO que tem criado novos laços de envolvimento e dependência das nossas Forças Armadas no sentido de as obrigar a partilhar meios e missões de soberania.

A este propósito importa relembrar as palavras de Álvaro Cunhal sobre a defesa da soberania e independência nacionais, sublinhando que «cooperação internacional no mundo actual, que exige relativamente a muitas matérias, haja instâncias, acordos, consensos, soluções e decisões também de carácter internacional no quadro de sistemas de cooperação é uma coisa – supranacionalidade é outra». O nosso partido, destacou ainda o camarada Cunhal, «defende a cooperação internacional em que decisões internacionais sejam obtidas em pé de igualdade, com reciprocidade de vantagens, com respeito pela independência e soberania dos Estados e povos».

Já em relação à participação de Portugal na NATO, Álvaro Cunhal sublinhou que o PCP desde 1965 tem inscrito no seu programa a saída do nosso País da NATO, considerando também que «não é um objectivo que se possa realizar no concreto, com facilidade. Por isso desde o 25 de Abril de 1974 nunca levantámos a questão da saída de Portugal da NATO. Questões destas não se resolvem com impaciências. Resolvem-se procurando a solução no momento em que o problema pode ser solucionado.

A solução da participação de Portugal na NATO deve ter lugar no quadro mais largo do desanuviamento, da coexistência pacífica, do progresso na relação entre os Estados, do progresso da cooperação entre os povos, que fará chegar o momento – é a nossa esperança, para isso lutámos nós, lutam as forças progressistas e pacíficas de todo o mundo – em que desapareça a NATO».

Uma ideia assumida no programa do nosso Partido onde se afirma que «Portugal está vitalmente interessado no processo de desarmamento e no reforço dos mecanismos internacionais de segurança colectiva. A dissolução da NATO é um objectivo crucial para a afirmação da soberania nacional e para a paz mundial, com o qual o processo de desvinculação do país das suas estruturas deve estar articulado, no quadro do inalienável direito de Portugal a decidir da sua saída».

E, aqui, uma palavra para o actual Conceito Estratégico de Defesa Nacional cuja orientação assenta no aprofundamento da integração económica limitando ainda mais os nossos instrumentos de soberania, nomeadamente no plano económico, conduzindo ao reforço da supranacionalidade, de acordo com os interesses das grandes potências e do grande capital, à custa da soberania dos Estados, do seu desenvolvimento e das condições de vida dos seus povos. Mas também numa cada vez maior dependência de Portugal em relação à UE, aos EUA e também à NATO, apesar da afirmação de Macron que a Nato está em morte cerebral. A realidade é que para lá continua a escorrer muito dinheiro, incluindo por parte de Portugal, já que o programa do Governo PS mantém o objectivo de aumentar as verbas para a NATO, dinheiro esse que faz falta, desde logo, para a revalorização da carreira militar e dos militares portugueses, mas também para as funções sociais do Estado.

Um Conceito Estratégico que aponta no sentido de Portugal ser um produtor de segurança internacional, sem explicar como e, sobretudo, quando estamos claramente em risco de deixarmos de ser produtores da nossa própria segurança, com a progressiva degradação das Forças Armadas e a consequente redução da sua operacionalidade.

Um Conceito Estratégico que avança a proposta de redução das nossas vulnerabilidades e dependências nomeadamente em relação às dimensões financeira, energética, alimentar, demográfica, científica e tecnológica e fala em qualificar o ordenamento do território. Ora, como é que se podem reduzir essas vulnerabilidades se o Estado viu reduzida a sua capacidade de intervenção, nuns casos com a privatização de empresas públicas, noutros permitindo o desmantelamento de sectores estratégicos, extinguindo freguesias, liquidando serviços públicos e alargando as premissas para a desertificação de largas áreas do território, reduzindo assim a sua capacidade de promover um desenvolvimento equilibrado e um uso criterioso dos recursos naturais, e de potenciar os nossos recursos económicos e logísticos?

A verdade é que este País chegou à precária situação em que hoje se encontra exactamente por falta de uma estratégia nacional e patriótica, cuja resposta está na política patriótica e de esquerda que o PCP propõe.

Portugal precisa, também em termos de Defesa Nacional e tal como o PCP há muito reclama, de uma política em que as Forças Armadas tenham como principal objectivo o cumprimento da sua missão constitucional, no quadro de uma nova política, com pensamento próprio, sustentada nos valores da Constituição da República e que se afirme na defesa da soberania e independência nacionais.

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