Intervenção de Jerónimo de Sousa, Secretário-Geral, Convívio de Verão

É a política de direita, neoliberal e monetarista que continua a arruinar e a comprometer o desenvolvimento do País

A sucessão de acontecimentos de crescente gravidade e impacto na vida dos portugueses e do País a que temos vindo assistir nos últimos anos e, particularmente, nestes últimos três de intervenção estrangeira, confirmam o que o PCP tem vindo a afirmar sobre as consequências da política de direita concretizada por sucessivos governos do PS, PSD e CDS.

Hoje, perante a grave evolução da situação económica, social e política do País, a sucessão de casos de fraude no sector financeiro, envolvendo os grandes grupos económicos, sendo o mais recente o da fraude e implosão do império da família Espírito Santo, do seu Grupo e do Banco, os portugueses, muito justamente e de forma indignada interrogam-se como foi possível chegar até aqui, até a este grau de degradação da situação do País e das suas vidas.

Para nós, tal como para cada vez mais portugueses, a resposta é há muito evidente.

Toda esta situação de degradação, que se aprofunda e alastra, é o resultado de uma política de recuperação capitalista e restauração monopolista que tem estado exclusivamente ao serviço do restabelecimento do poder e do domínio do grande capital económico e financeiro sobre o País, a sua economia e dos centros de decisão política, cada vez mais capturados e dependentes dos seus interesses, em detrimento do interesse nacional.

Um domínio que se fortaleceu com as práticas de promiscuidade entre poder económico e político, traduzido na circulação de quadros e altos dirigentes entre os grandes grupos e o aparelho de Estado. Quadros que circulam e articulam com os grandes centros financeiros internacionais, as suas organizações e as instituições políticas supranacionais. Os exemplos são abundantes. O mais recente é a passagem de Carlos Moedas, quadro do mega banco Goldman Sachs e homem de confiança da troika no governo português, para a Comissão Europeia.

Foram estas práticas e as políticas concretas de restauração dos grandes grupos económicos que permitiram afirmar uma oligarquia financeira todo-poderosa, onde se inclui a da dinastia Espírito Santo, cujo poder o 25 de Abril liquidou e que PS,PSD e CDS recuperaram, restauraram e ampliaram.

É a consequência de uma política que indistintamente PS, PSD e CDS levaram a cabo anos e anos a fio. Uma política assente nas privatizações, na financeirização da economia, na liberalização de circulação de capitais e a economia de casino e paraísos fiscais, em detrimento da produção real e das condições de vida dos trabalhadores e dos povos. É a consequência de uma política que favorece a especulação, as negociatas, a fraude, o enriquecimento rápido e até repentino, em vez dos sectores produtivos e do emprego. É a consequência de uma política que entregou ao capital nacional e estrangeiro os sectores estratégicos da economia nacional, que levou à desindustrialização, à destruição das nossas pescas e da nossa agricultura, que conduziu a uma crescente dependência do País, à estagnação económica crónica, a um contínuo aumento do desemprego e da precariedade, a maiores desequilíbrios regionais, agravados défices estruturais e ao contínuo aumento da dívida externa.

Problemas que se acentuaram com a adesão de Portugal à União Económica e Monetária e com as consequências devastadoras da implementação da moeda única no País.

Uma política centrada na fragilização e destruição de importantes direitos económicos e sociais dos trabalhadores e das populações, e na debilitação do exercício da democracia.

Uma política orientada para promover uma escandalosa centralização e concentração de capitais a favor dos grandes senhores do dinheiro.

Foi essa política de direita, neoliberal e monetarista que nos conduziu ao Pacto de Agressão que PS, PSD e CDS, a mando dos banqueiros, assinaram com o FMI, BCE e UE que nos arruinou, e continua a arruinar, e a comprometer o desenvolvimento e o futuro do País.

É esta política que permanece e prossegue, sobre uma nova capa – designadamente a do cumprimento do Tratado Orçamental da União Europeia que PS, PSD e CDS aprovaram e dos seus critérios de redução do défice e da dívida ao ritmo de mata cavalos, amarrando o País a uma situação de dependência e às mesmas políticas de desastre destes últimos anos.

É esta política que o governo de turno do PSD/CDS, que se afirmou no poder na base da mentira e do engano deliberado dos portugueses para servir a oligarquia que domina o País, continua a impor ao povo e ao País.

Não bastaram três anos negros de políticas de exploração e roubo nos salários reformas e prestações sociais, de empobrecimento generalizado das populações com o ataque que se promoveu aos rendimentos, nomeadamente dos trabalhadores, dos reformados, dos pequenos empresários e agricultores.

Não bastaram três anos de destruição de milhares de empresas, de recessão e desemprego brutal, emigração forçada aos milhares, de aumento desmesurado dos impostos sobre o trabalho e o consumo.

Não bastaram três anos de retrocesso social e injustiças, de aumento da pobreza, de ataque aos direitos laborais e sociais, à saúde, à educação, à segurança social e a outros serviços públicos.

Querem mais! Querem levar longe a sanha exploradora e destruidora da sua política!

É isso que se anuncia com mais 7 mil milhões de novos cortes e de novas medidas de extorsão e sacrifícios para o povo até 2019!

É isto que espera os portugueses a manter-se este governo e esta política – o contínuo empobrecimento do povo e do País e o coartar do seu desenvolvimento soberano.

Falavam em saída limpa da troika e recuperação da autonomia do País, mas é tudo uma grande treta!

Foram de férias, mas no último dia de funcionamento da Assembleia da República a maioria, a mando do governo, aprovou um novo assalto ao bolso dos trabalhadores e reformados, visando novos cortes nos salários da Administração Pública e a criação da Contribuição de Sustentabilidade, em substituição da Contribuição Extraordinária de Solidariedade.

A decisão de ontem do Tribunal Constitucional revela, em primeiro lugar, a inconstitucionalidade do objectivo do governo em tentar transformar o que era anunciado como provisório em definitivo; em segundo lugar, os cortes salariais dos trabalhadores da Administração Pública até 2015 exigem a luta dos trabalhadores; em terceiro lugar, a decisão do Tribunal Constitucional constitui uma derrota do governo e do próprio Presidente da República; em quarto lugar, confirma-se que o governo persiste em governar fora da lei e que tal persistência coloca com mais força a necessidade da sua demissão; em quinto lugar, o mesmo governo que anuncia medidas alternativas, à custa dos mesmos do costume, é o mesmo governo que não teve problema nenhum em arranjar 4,4 mil milhões para BES.

Têm em curso uma nova ofensiva que está patente nas novas alterações do Código de Trabalho, visando destruir e golpear a contratação colectiva e o que ela representa de garantia de direitos e rendimentos dos trabalhadores. Nas novas alterações da legislação laboral da Administração Pública. No prolongamento do corte do valor das horas extraordinárias. Em novas mexidas em preparação de alteração ao sistema de pensões.

Cortes nos rendimentos das camadas populares e, ao mesmo tempo. esvaziamento das funções sociais do Estado e na destruição dos serviços púbicos, com a privatização de tudo o que sirva para alimentar a gula do grande capital.

Medidas que aprofundam as já grandes desigualdades territoriais e os fenómenos de desertificação, criando novos e mais graves problemas ao interior do País e ao seu desenvolvimento à medida que tudo se tira – escolas, serviços de saúde, tribunais, secções de finanças, postos de correio, e se tomam medidas que criam novos constrangimentos ao desenvolvimento, como, por exemplo, a imposição de portagens, como é o caso da Via do Infante.

Aqui, no Algarve, esta política de destruição de serviços é bem conhecida e assume, neste momento, uma particular gravidade, nomeadamente na área da saúde.

Os sucessivos cortes orçamentais nos serviços públicos de saúde, as reestruturações em curso da rede hospitalar com objectivos economicistas, as tentativas de transferência para os municípios da gestão dos Centros de Saúde, não só põem em causa o SNS e a sua qualidade, mas o próprio acesso à saúde tal como está consagrado constitucionalmente, transformando a saúde num negócio.

Os reflexos desta política estão a ser sentidos com grande preocupação pelas populações algarvias. Uma preocupação que o PCP, quer através das suas organizações, quer da sua representação parlamentar, tem dado eco, com denuncia, com iniciativa e com proposta na resposta aos muitos problemas existentes.

Desde logo na exigência de dotar a região de profissionais de saúde. Faltam no Algarve mais de 800 profissionais, entre médicos, enfermeiros, técnicos de diagnóstico e terapêutica, assistentes técnicos e operacionais. Uma situação que se traduz na degradação dos cuidados de saúde às populações, pondo já em causa o funcionamento eficaz de vários serviços de urgência básicos e em escandalosos tempos de espera para consultas externas nos hospitais de Faro e Portimão.

Tal como o propusemos, mais uma vez, reafirmamos que é urgente a abertura de concursos para a contratação de profissionais de Saúde em falta no Algarve, como é necessário pôr de lado a pretensão de concretizar a fusão dos três hospitais da região do Algarve, que conduzirá à concentração e degradação da qualidade do serviço prestado, ao encerramento de valências, nomeadamente em Lagos e Portimão, ao aumento de tempos de espera e diminuição dos tempos de consulta. Tal como é necessário pôr fim à política de encerramento de maternidades, como pretendem agora em Portimão, e de urgências e extensões de saúde.

A solução não pode ser esvaziar o SNS e favorecer a multiplicação de clínicas de saúde e hospitais privados, mas ao contrário fortalecer o SNS e dotá-lo com os meios técnicos e humanos necessários à defesa da saúde das populações.

Queremos manifestar a nossa solidariedade pela posição das organizações sindicais dos médicos, enfermeiros e Função Pública que decidiram convergir na luta realizando uma greve no próximo dia 22 de Agosto, aqui no Algarve, em defesa dos seus direitos, das populações e do SNS.

Mas se a degradação da situação social é uma realidade indesmentível, no coartarplano económico e financeiro, o País segue o caminho oposto ao da tão proclamada recuperação.

O País continua a afundar-se sob o peso de uma dívida insustentável que impede o desenvolvimento e crescimento económicos, com um novo máximo histórico, acima dos 130% do PIB!

Os dados do PIB divulgados ontem pelo INE, desmentem qualquer milagre económico e põem em causa das metas previstas pelo governo para 2014.

Acenam com a recuperação do desemprego para dar cobertura à farsa da recuperação económica. Mas trata-se de simples propaganda, que parte de uma realidade do mercado de trabalho puramente artificial.

No Algarve sabem bem o que significa esta situação e quanto falsa é esta propaganda sendo, como é, uma das regiões do País mais penalizadas com o drama do desemprego, mas igualmente com os elevados níveis de precariedade.

Se a taxa de desemprego desce no País não é pelo facto de se ter criado mais emprego do que aquele que têm destruído, mas pela emigração massiva e pela subtracção às estatísticas de trabalhadores desempregados, em estágios e cursos de formação, por cada vez mais portugueses terem perdido a esperança e desistirem de encontrar um trabalho.

É por tudo isto que não nos cansamos de afirmar que o rumo de destruição do País tem que ser interrompido. Que é preciso continuar a luta, porque ao encurtar a existência deste governo, nem que seja um mês, nem que seja um dia, estamos a prestar um serviço ao povo, estamos a prestar um serviço ao País.

Mas expressão significativa e emblemática desta política de desastre nacional, de recuperação capitalista que PS, PSD e CDS impuseram nos últimos 38 anos ao País, é a sucessão de múltiplos escândalos financeiros e fraudes que vieram à luz do dia, do BPN, do BCP, do BPP e agora do BES.

Eles são bem o espelho de uma política assente na mentira, no tráfico de influências e no compadrio, na extorsão sistemática dos recursos do País e dos portugueses para alimentar uma oligarquia financeira e os seus grupos económicos, e fazer crescer as fortunas pessoais imensas dos seus detentores.

Quando o PCP alertava, denunciava e combatia, “lá está o PCP com a cassete” diziam eles como forma eficaz de esconder a verdade!

Uma primeira nota sobre este processo que conduziu ao desmoronamento do Grupo Espírito Santo é para afirmar que o governo e o Banco de Portugal mentiram de fio a pavio, do princípio ao fim, no desenvolvimento de toda a crise e sobre as consequências para o País, com a solução avançada de divisão do BES em banco mau e banco bom ou Banco Novo.

Mentiram para omitir as suas responsabilidades e ocultar a gravidade de uma situação que deixaram apodrecer até já não ser possível encobrir a sua gravidade.

Mentiram, repetidamente, ao afirmarem ao País que o BES era um banco sólido, levando ao engano milhares de pequenos accionistas, a favor dos grandes Fundos de Investimento que atempada e antecipadamente tudo sabiam, pondo a salvo os seus investimentos, num golpe de mestre.

Mentiram e mentem quando afirmam que não haveria recurso a fundos públicos para a resolução do colossal buraco financeiro do BES/GES. Mas a verdade é que no imediato foram empregues na operação 4,4 mil milhões de euros de empréstimo do Estado português, através do chamado Fundo de Recapitalização. Mais grave, tomaram todas as decisões sobre a intervenção e o empréstimo e esconderam-se atrás do Banco de Portugal.

Milhões de empréstimo que são um risco, estando ainda longe de apurar todas as consequências para o Estado e os contribuintes de um problema que devia ter sido resolvido, e deve ser resolvido, com a mobilização do incomensurável património, recursos e activos dos principais accionistas do Grupo e do Banco.

Tal como estão por apurar e saber todas as consequências para a economia e para os trabalhadores do próprio Grupo e do Banco BES. Os perigos são reais, particularmente para os 25 000 trabalhadores do GES. Podemos estar, a não ser que a luta dos trabalhadores o impeça, perante o maior despedimento colectivo desde o 25 de Abril com a reestruturação que já se anuncia.

Perigos que se ampliam quando se sabe que o objectivo é preparar a entrega do Banco Novo a privados, com a garantia de elevados níveis de rentabilidade e lucro que serão garantidos, mais uma vez, à custa do erário público e dos trabalhadores.

É por tudo isto que o BES não é apenas um caso de polícia, mas um problema de política e político que exige o apuramento até às últimas consequências de todas as responsabilidades. Responsabilidades que não se esgotam em Ricardo Salgado e família.

O que sobressai desta crise, desde já, é o falhanço, como outras situações o demonstraram, da ”regulação” do sector financeiro, agravados pela ineficiência de um Estado, dito regulador e independente, mas apenas na aparência, porque quem manda são os grandes interesses e os interesses dos grandes grupos económicos e financeiros nos diversos sistemas de regulação.

E essa é mais uma razão que confirma a justeza e actualidade da reclamação e proposta do PCP de exigência do controlo público efectivo do sistema financeiro e da banca comercial, colocando-a, não ao serviço desta ou daquela família ou grupo de accionistas, mas sim, ao serviço do povo e do País.

O País não pode adiar por mais tempo uma mudança de rumo, uma verdadeira mudança e afirmar e concretizar uma verdadeira alternativa e não de soluções de mera alternância e novos arranjos como os que preparam os partidos que têm governado o País para salvar e prosseguirem a política da troika.

Uma verdadeira mudança e uma verdadeira alternativa que o PS, seja de Costa, seja de Seguro, não está em condições, nem pretende assegurar. Um e outro o que aspiram é governar com a direita. Foi isso que fizeram no passado, é isso que pretendem e se preparam para continuar. Por isso Costa e Seguro dizem em uníssono que com este PSD não, ao mesmo tempo que afirmam a sua abertura a novos entendimentos. Costa fala de um acordo de regime para dez anos, tendo a seu lado Rui Rio, Seguro lança pontes para acordos de incidência governativa e parlamentar com um PSD com cara nova, coisa que que Costa não descarta. Um e outro apostam no velho truque da mudança de líder para pôr o contador a zero das responsabilidades e abrir espaço aos entendimentos, tendo como fundo a mesma política. Lançam a farsa de uma candidatura a primeiro-ministro que não existe e, com isso, subalternizam as suas orientações e opções políticas que no essencial são iguais, como o confirma Seguro ao pedir a Costa que “ diga qualquer coisa de diferente” do que ele diz e as mesmas de sempre, dizemos nós – as mesmas políticas que servem o grande capital.

Há soluções para os problemas do País. É possível assegurar com outra política a soberania e a independência do País.

É possível com uma política patriótica e de esquerda que contrapõe às políticas económicas ao serviço do grande capital, uma nova política de desenvolvimento económico ao serviço do País.

Uma política alternativa em ruptura com as políticas dominantes da direita em Portugal e com os eixos fundamentais do processo de integração capitalista europeu, e com um novo governo patriótico e de esquerda para a executar.

Uma política que, partindo da necessidade e urgência de garantir a renegociação da dívida, assuma nas suas opções fundamentais:

- a defesa e o aumento da produção nacional, a recuperação para o Estado do sector financeiro e de outras empresas e sectores estratégicos;

- a valorização efectiva dos salários e pensões e o explícito compromisso de reposição dos salários, rendimentos e direitos roubados, incluindo nas prestações sociais;

- a opção por uma política orçamental de combate ao despesismo e à despesa sumptuária, baseada numa componente fiscal de aumento da tributação dos dividendos e lucros do grande capital e de alívio dos trabalhadores, dos reformados, pensionistas e das micro, pequenas e médias empresas;

- uma política de defesa e recuperação dos serviços públicos, em particular no que concerne às funções sociais do Estado;

- a assunção de uma política soberana e a afirmação do primado dos interesses nacionais.

Uma política patriótica e de esquerda que retome os valores de Abril e dê cumprimento ao projeto de progresso e justiça social que a Constituição da República Portuguesa consagra!

Uma nova política que garanta a efectiva subordinação do poder económico ao poder político, o combate e punição da corrupção, crime económico e tráfico de influências, o fim dos privilégios no exercício de altos cargos na Administração e Empresas Públicas.

Aqui, mais uma vez, reafirmamos que Portugal não está condenado à inevitabilidade de prosseguir as mesmas políticas e o mesmo caminho que conduziu o País ao atraso e à crise.

Portugal tem alternativas!

Alternativas capazes de assegurar a construção de um Portugal mais justo, mais solidário e mais desenvolvido, afirmando a sua independência e a sua soberania na concretização do seu próprio destino.