Intervenção de João Ramos na Assembleia de República

"A fixação dos portugueses nos territórios, está dependente da justa distribuição da riqueza produzida"

Sr. Presidente,
Srs. Deputados:
Ao discutir a coesão territorial, o despovoamento, o envelhecimento e a depressão económica de muitos territórios no interior do País, importa lembrar que estes problemas têm uma relação direta com opções políticas, e as do PSD e do CDS, no anterior Governo, não foram no sentido de resolver os problemas, mas, sim, de os agravar. Atacar os serviços públicos afeta com maior intensidade territórios de baixa densidade e com povoamento mais disperso. Encerrar escolas é matar aldeias; encerrar tribunais é aumentar os custos para quem vive no interior; concentrar serviços de saúde é dificultar a vida no interior; reduzir o funcionamento dos postos da GNR (Guarda Nacional Republicana) é reduzir a segurança e o sentimento de segurança, nomeadamente dos mais velhos, a maioria dos residentes em territórios despovoados; acabar com as juntas de freguesia é não só atacar a democracia, acabando com o órgão do Estado de proximidade, mas também eliminar um órgão que reivindica condições para a existência de vida em parte considerável do território nacional.
No concreto, relativamente à iniciativa do PSD, hoje em discussão, não podemos deixar de duvidar da real preocupação do PSD. E a responsabilidade desta dúvida só pode ser do próprio PSD. É que este partido, em 2011, mal chegou ao Governo, apresentou um projeto de resolução que deu origem a uma resolução da Assembleia da República, em que se recomendava ao Governo que elaborasse e implementasse um «Plano Nacional para a Coesão Territorial». Na mesma resolução, recomendava-se ao Governo que procedesse «à monitorização e avaliação periódica da coesão territorial do País e do impacto na mesma das políticas, programas e grandes projetos públicos, designadamente através da elaboração de indicadores das assimetrias regionais e de um Relatório do Estado da Coesão Territorial e da Execução do Plano Nacional para a Coesão Territorial a ser apresentado e discutido bianualmente na Assembleia da República». Recordam-se os Srs. Deputados de quantos relatórios sobre coesão territorial foram discutidos na Assembleia da República? Nenhum! E deveriam ter sido dois! E onde está o plano para a coesão territorial, que o PSD se propôs fazer em 2011?! O PCP afirmou que o projeto do PSD era «pura e simplesmente uma fraude política». O tempo confirmou que o PCP tinha razão.
Intervenções com esta eficácia existem várias no currículo do PSD. Lembremonos da promiscuidade e do conluio do Governo PSD/CDS com o obscuro Instituto do Território, entidade privada dirigida por alguém que veio a coordenar o programa eleitoral do PSD, montado com dinheiros públicos, que apelava à promoção de «negócios» privados, sem que se percebesse muito bem para que servia. Por tudo isto, não podemos deixar de desconfiar das intenções do PSD. Intervir nos territórios de baixa densidade, atuando nos seus problemas, não se fará sem uma rutura com as opções políticas que conduziram à atual situação, e o PSD não quer fazer essa rutura, antes quer aprofundar as opções e as políticas que nos trouxeram até aqui. Ilustram bem o exemplo do que acabo de dizer: opções por mais precariedade e menos direitos para os trabalhadores e sacrifício das receitas da segurança social como forma de estímulo à economia. Embora, agora, o PSD, no âmbito das propostas para incentivar o aproveitamento do solo, aponte como objetivo o aumento da oferta de emprego, quando o PCP acusava o seu Governo de ter destruído 150 000 empregos na agricultura, dizia que a agricultura moderna não precisava de pessoas.
A agricultura que promoveram precisa de trabalhadores, mas gostam mais de asiáticos, que vivam em contentores e ganhem pouco — o velho paradigma da emigração.
A ocupação do território foi sempre elemento fundamental para a produção de riqueza e para a promoção da produção nacional. A preocupação com a ocupação do território foi uma constante ao longo da história do nosso País, também como elemento de soberania sobre o território nacional. A produção agrícola precisa do território. A floresta e a gestão florestal precisam do território e das pessoas. A riqueza mineira extrai-se com pessoas. O turismo precisa não só das pessoas, mas também dos produtos tradicionais associados aos territórios. As condições de vida no interior do País não são só importantes para os territórios de baixa densidade, são também importantes para a economia nacional e para os territórios de elevada concentração demográfica. Os problemas de fixação dos portugueses não têm a ver com a pobreza dos territórios, poderão ter a ver, sim, com a distribuição da riqueza produzida. Algumas das principais produções do País estão associadas a territórios de baixa densidade: indústria extrativa e rochas ornamentais no Alentejo; produção de azeite, em que o País é autossuficiente, no Alentejo, nas Beiras e em Trás-os-Montes; produção florestal com grande importância nas Beiras; produção de vinho, onde o País é exportador, nas maiores regiões de Douro e Alentejo.
Não estamos, por isso, salvo devidas exceções, a falar de territórios pobres, embora muitos ditos «analistas», para justificarem a pobreza nos portugueses, gostem de afirmar, com resquícios de salazarismo, que o País é pobre. No seu programa eleitoral, o PCP descreve detalhadamente as suas soluções: um país com equilíbrio territorial e coesão económica e social exige uma política de desenvolvimento regional que combata as assimetrias regionais, o despovoamento e a desertificação. O que exige um leque amplo de políticas integradas e dinamizadas regionalmente por um poder regional decorrente da regionalização, autarquias locais com capacidade financeira reforçada e Orçamentos do Estado apoiados nos fundos comunitários, com forte discriminação positiva dos territórios com perdas significativas de população. Mas exige, fundamentalmente, políticas económicas que, no atual quadro capitalista, possam romper com a lógica única de mercado na afetação e localização de recursos materiais e meios humanos; um política agrícola e florestal, privilegiando a exploração familiar e produções que garantam a ocupação humana do território e salvaguardem os solos agrícolas e a biodiversidade, recusando grandes áreas de monocultura intensiva; uma visão para reindustrializar o País, com a valorização da transformação industrial da matéria-prima regional na região; uma consideração das redes de distribuição comercial grossista e retalhista que intensifiquem os fluxos regionais. É necessário que essas políticas viradas para a atividade produtiva criem oferta de emprego estável, bem remunerado e com direitos. É sobre esse emprego e produção que se poderão ancorar e ampliar de forma sustentável outras atividades, nomeadamente o turismo e outros serviços, e defender o mundo rural. Simultaneamente, devem manter-se e desenvolver-se as redes de infraestruturas, equipamentos e serviços públicos (saúde, educação, segurança social, água e resíduos, fiscalidade, justiça e segurança) e de estruturas locais e regionais das empresas estratégicas de energia, telecomunicações, transportes e financeiras. É disto que o País precisa, mas não é isto que o PSD propõe. Ultrapassar este problema implicará que o Governo e as suas políticas vão mais além do que apenas a criação da Unidade de Missão para a Valorização do Interior. Muitas propostas e programas foram anunciados ao longo de anos, mas sem as medidas certas. Sem a dotação de meios para que tal se faça não será possível resolver o problema das assimetrias regionais e da coesão territorial.
(...)
Sr. Presidente,
Sr. Deputado Norberto Patinho,
A coesão territorial não é um falhanço, é o resultado de opções políticas muito claras. Vejo que existe concordância relativamente à ideia de que as assimetrias regionais são filhas de opções políticas. Por isso, o que esperamos, e tudo faremos para que tal aconteça, é que o Governo do PS faça a rutura com as opções políticas que nos trouxeram até aqui.

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