Intervenção de Paulo Sá na Assembleia de República

A extinção de freguesias resultará num empobrecimento do Poder Local Democrático

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Sr.ª Presidente,
Srs. Deputados,

O Poder Local Democrático, ao longo dos últimos 36 anos, foi, inegavelmente, responsável por profundas transformações sociais e pela melhoria das condições de vida das populações, contribuindo decisivamente para o desenvolvimento local, regional e nacional e para a superação de enormes carências existentes em Portugal. O País deve muito ao Poder Local!

O Governo PSD/CDS não convive bem com esta realidade, tendo multiplicado, desde a sua tomada de posse, as iniciativas legislativas destinadas a desvirtuar o Poder Local Democrático, naquilo que pode ser considerado um verdadeiro ajuste de contas com o 25 e Abril e uma das suas mais importantes conquistas.

A lei da extinção de freguesias, assim como a lei que aprova o estatuto do pessoal dirigente da administração central, regional e local, a lei que aprova o regime jurídico da actividade empresarial local, a lei dos compromissos e dos pagamentos em atraso, o denominado programa de apoio à economia local, ou a proposta de lei que estabelece o regime jurídico das autarquias locais, relevam bem o ódio que este Governo e a maioria parlamentar que o suporta têm ao Poder Local Democrático nascido com a Revolução de Abril.

Apesar do profundo cinismo com que o Governo tenta dissimular as suas reais intenções relativamente ao Poder Local Democrático, são bem claros os seus objectivos: transformar as autarquias em meras dependências do poder central, limitando drasticamente a sua autonomia; reduzir significativamente o número de eleitos, lesando o carácter participado e democrático do poder local; extinguir freguesias, retirando expressão e força à representação dos interesses locais e reduzindo a proximidade entre eleitos e cidadãos; transferir competências municipais para estruturas supra-municipais, com o objectivo claro de travar o processo de criação das regiões administrativas; impor um regime de finanças locais, pondo em causa o princípio constitucional da justa repartição entre a administração central e local dos recursos do Estado; e, por fim, a cereja em cima do bolo, ambição antiga da direita, desfigurar o sistema eleitoral, colocando em causa as características plurais e democráticas do Poder Local.

Esta sanha destruidora do Poder Local Democrático tem contado e continuará a contar com a intransigente oposição do PCP. Só aceitamos uma reforma do Poder Local: aquela que aprofunde o seu carácter plural e democrático, que permita e incentive um maior envolvimento e participação das populações, que respeite a sua autonomia; que dote as autarquias dos indispensáveis recursos materiais e humanos e reforce a sua capacidade de prestação de serviços públicos. Em suma, só aceitamos uma reforma que aprofunde, valorize e dignifique o Poder Local Democrático.

A maioria PSD/CDS tenta hoje dar mais uma machadada no Poder Local Democrático. O projecto de lei em discussão foi apresentado na passada quinta-feira, o texto definitivo só ontem foi conhecido, mas a maioria PSD/CDS quer já hoje discutir e aprovar na generalidade a extinção de mais de mil freguesias. O PSD e o CDS sabem muito bem que a extinção das freguesias está a ser imposta de cima para baixo, sabem muito bem que é contestada pelas populações, pelos autarcas e pelos trabalhadores da administração local. E por saberem isto muito bem, tentam aprovar sorrateiramente a extinção de mais de mil freguesias.

Este processo nasceu há ano e meio quando três partidos, o PS, o PSD e o CDS negociaram e assinaram com a troika o Pacto de Agressão contra Portugal e os portugueses. Ao incluírem no Pacto de Agressão o objectivo de redução significativa de autarquias locais, estes três partidos quiseram assinar a sentença de morte de muitas freguesias e municípios. Coube ao PSD e ao CDS a execução desta sentença de morte, aprovando a lei n.º 22/2012 que estabelece os critérios cegos para a extinção de freguesias, mas o PS não está isento de responsabilidades, visto que, tal como o PSD e CDS, também assumiu com a troika o compromisso de reduzir significativamente o número de autarquias locais.

Contudo, esta intenção dos partidos da troika interna encontrou uma forte e determinada resistência por parte das populações, dos autarcas e dos trabalhadores da administração local. Por todo o País registou-se uma forte contestação, com intensos momentos de luta e de afirmação da importância da preservação das freguesias e do seu insubstituível papel na resolução dos problemas das populações, do qual destacamos a grandiosa manifestação em Lisboa no passado dia 31 de Março e os congressos da ANAFRE e da ANMP. Agora mesmo, em frente à Assembleia da República decorre uma manifestação de repúdio da extinção das freguesias e em defesa do Poder Local Democrático.

A proposta da maioria parlamentar de extinguir mais de mil freguesias por todo o País assenta em falsos argumentos, tentando justificar o injustificável. Afirmam pretender o reforço da coesão territorial, quando na realidade a extinção de freguesias apenas agravará as assimetrias e as desigualdades e acentuará a desertificação. Afirmam pretender ganhos de eficácia e de escala, quando na realidade as freguesias terão uma menor capacidade para responderem aos problemas das populações. Afirmam pretender uma melhoria na prestação dos serviços públicos, quando na realidade o que pretendem é despedir trabalhadores da administração local e entregar aos privados os serviços actualmente prestados pelas autarquias. Afirmam desejar o aprofundamento da democracia, quando na realidade o que pretendem mesmo é afastar os eleitos das populações. Por mais que o Governo e a maioria que o suporta insistam nas vantagens desta reorganização territorial, a realidade é que da extinção em massa de freguesias apenas resultará um empobrecimento do Poder Local Democrático.

O PCP valoriza e reconhece o enorme contributo das freguesias e dos eleitos locais para a melhoria das condições de vida das populações, para a resolução dos seus problemas e na prestação de serviços públicos.

Lutámos no passado e continuamos a lutar hoje, empenhadamente, em defesa das freguesias, fazendo tudo o que está ao nosso alcance para travar a brutal ofensiva do Governo PSD/CDS contra o Poder Local Democrático, tendo apresentado, em particular, um projecto de lei que revoga a famigerada Lei n.º 22/2012, que será discutido em sessão plenária da Assembleia da República na próxima sexta-feira, dia 14 de Dezembro.

Daqui saudamos a luta que as populações, os eleitos nos órgãos autárquicos e os trabalhadores da administração local travam em defesa das freguesias e do Poder Local Democrático. Daqui afirmamos, convictamente, que a luta continua!

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