Intervenção de José Casanova, Director do Jornal «Avante!»

Evocação aos 10 anos do Prémio Nobel de José Saramago na Festa do «Avante!»

Evocação aos 10 anos do Prémio Nobel de José Saramago na Festa do «Avante!»

Escolhemos o espaço da Festa do «Avante!» para concretizar a primeira de três iniciativas com as quais o PCP irá assinalar o acontecimento memorável que foi a atribuição a José Saramago do Prémio Nobel da Literatura. A escolha da Festa para esta homenagem pareceu-nos a mais apropriada, por um lado porque a Festa do «Avante!» é a maior, a mais relevante, a mais bela realização do Partido de que José Saramago é militante há quase quarenta anos; e, por outro lado, porque José Saramago tem sido, ao longo dos anos, uma presença constante na Festa - numa fase inicial, participando nas jornadas de trabalho; posteriormente, participando nas sessões em que vem falar com os seus leitores e autografar os seus livros – esses livros que são produto de outras jornadas de trabalho, talvez não tão diferentes como à primeira vista pode parecer das jornadas dos que constroem e realizam a Festa.

Em todo o caso, integrando o conjunto dos construtores da Festa, ou seja, aqueles milhares e milhares de militantes e amigos do Partido que com o seu trabalho voluntário a constroem e a que se juntam, durante três dias, os milhares e milhares de cidadãos apartidários ou até membros de outros partidos que a visitam – todos fazendo da Festa do Avante! um espaço único de convívio fraterno, um pedacinho do futuro pelo qual lutamos.

Infelizmente, este ano o camarada José Saramago não está aqui connosco – mas fez questão de prometer que no próximo ano cá estará e, uma vez mais, trazendo consigo um novo livro – A Viagem do Elefante, a ser lançado brevemente.

Por isso, o José Saramago enviou-nos aquela mensagem fraterna que acabámos de ouvir.

Ao assinalarmos o décimo aniversário da atribuição do Prémio Nobel da Literatura a José Saramago, temos na memória o sentimento de profunda alegria e emoção que percorreu todo o nosso País quando a notícia chegou, trazendo consigo o reconhecimento mundial pela notável Obra de José Saramago, a sua consagração como uma figura maior da Literatura mundial – porque é esse o significado primeiro e mais relevante da atribuição ao grande escritor do Prémio Nobel da Literatura.

E, para nós, comunistas, tratava-se de uma alegria, de uma emoção e de um orgulho acrescidos pelo facto de o Prémio Nobel ser quem era: um camarada, o camarada José Saramago.

Foram momentos inolvidáveis, esses – e foram-no, igualmente, os tempos que se sucederam à atribuição do Prémio. Inolvidáveis e carregados de profundo significado.

A meu ver, não foram ainda devidamente sublinhados alguns traços distintivos do Prémio Nobel José Saramago em relação aos seus antecessores.

Particularmente no que respeita à postura assumida após a atribuição do Prémio que, em José Saramago assume singularidades marcantes.

É claro que, como sabemos, José Saramago foi o primeiro – até agora único - escritor de Língua Portuguesa a receber o Prémio Nobel, facto que, por si só, confere a este Prémio uma importância particular.

Mas esta é uma singularidade interna, digamos assim, igual às ocorridas nos muitos países que até agora tiveram os seus prémios Nobel.

Do que aqui quero falar é das singularidades da intervenção de José Saramago em relação à dos restantes laureados com o Nobel em todo o mundo.

Creio que José Saramago terá sido o primeiro – e até agora único – Prémio Nobel que viu festejado esse Prémio, logo que ele lhe foi atribuído, na sede de um partido comunista (neste caso no Centro de Trabalho Vitória, do PCP) – acontecimento pleno de significado sempre, e mais ainda no tempo que vivemos em que o comunismo é repetidamente declarado morto e enterrado.

E creio não estar errado se referenciar como igualmente singular, a atitude de José Saramago quando, acabada a comemoração no Vitória, se dirigiu ao Terreiro do Paço a dar um abraço solidário aos trabalhadores que, ali, levavam a cabo uma jornada de luta contra mais um pacote anti-laboral disparado pelo governo então de serviço à política de direita.

Na verdade, a minha memória não regista caso semelhante ocorrido com qualquer outro Prémio Nobel – da Literatura ou de qualquer outra área, ressalvando a hipótese de idêntica situação ocorrida com Pablo Neruda – grande poeta e comunista chileno, esta foi coisa só acontecida com o nosso Prémio Nobel – o camarada José Saramago. Talvez por este ser, como alguém já disse, «um Prémio Nobel levantado do chão»

Além disso, este Prémio Nobel que escreve e fala a nossa língua, não se ficou pelo seu/nosso País – ele correu mundo em conferências, fóruns, colóquios, debates, levando a outras gentes a sua opinião sobre os mais diversificados temas, em muitos casos desenvolvendo as ideias contidas no importantíssimo discurso de Estocolmo, proferido no ano em que passava o 50º aniversário da assinatura da Declaração Universal dos Direitos do Homem, num tempo e num mundo em que, como José Saramago incisivamente sublinhou, «as injustiças multiplicam-se, as desigualdades agravam-se, a ignorância cresce, a miséria alastra» - e em que, continuou o Prémio Nobel, «a mesma esquizofrénica humanidade capaz de enviar instrumentos a um planeta para estudar a composição das suas rochas, assiste indiferente à morte de milhões de pessoas pela fome. Chega-se mais facilmente a Marte do que ao nosso próprio semelhante».

Dir-se-á que, sublinhando estas específicas singularidades da postura deste Prémio Nobel da Literatura, estou a puxar a brasa à minha/nossa sardinha, ou seja, a sublinhar o que em Saramago decorre da sua opção comunista e que o distingue… de todos os que o não são. E estou. Naturalmente, legitimamente, e com um muito grande orgulho comunista.

José Saramago, antes ainda de ser Prémio Nobel da Literatura – mas sabendo já nós, seus leitores, que ele viria a sê-lo…- disse em determinado momento, falando dos seus livros : «Creio que nada ou quase nada do que fiz depois do 25 de Abril, podia ter sido feito antes».

Pegando-lhe na palavra, atrevo-me a dizer que nada ou quase nada do que José Saramago escreveu seria o que é, se ele não fosse comunista.

Sobre esta matéria, José Saramago pronunciou-se, afirmando não ser «nem escritor comunista nem comunista escritor», mas sim, «uma pessoa que é, ao mesmo tempo, comunista e escritor».

No que me diz respeito, aceito esta definição como excelente e não resisto a reafirmar o meu enorme orgulho por ter como meu camarada, este comunista que, ao mesmo tempo que o é, é o escritor que é.

Mas, para além destas singularidades, o Escritor… continuou a escrever

E, naturalmente, continuou a escrever – no ritmo a que de há muito nos habituou e com a qualidade superior conhecida da multidão dos seus leitores.

Isto é: continuou a escrever as tais duas páginas diárias que, como ele diz, «ao cabo de um ano dão quase 800 páginas» - e que, nestes dez anos nos deram as magníficas páginas de A Caverna, O Homem Duplicado, Ensaio sobre a Lucidez, D. Giovanni, ou o Dissoluto Absolvido, As Intermitências da Morte, As Pequenas Memórias – e A viagem do Elefante, que já referi.

Na mensagem que nos enviou, José Saramago saúda os milhares e milhares de militantes e amigos que, com o seu trabalho voluntário e não pedindo nada em troca, constroem a Festa – a Festa que, diz Saramago, passou a fazer parte da vida desses milhares de amigos e militantes.
«Vocês, para quem a Festa é indispensável, são também indispensáveis à Festa» - disse-nos ele.

Pelo nosso lado, daqui lhe dizemos – e fazemo-lo com muita camaradagem, com muito carinho, com muita amizade – daqui lhe dizemos: é verdade, nós todos, tu incluído, somos esta Festa e cá te esperamos para o ano.

Dizemos-lhe, ainda: e escreve mais, camarada, participa com a tua militância escrevendo tanto quanto puderes. Porque cada livro teu, cada livro do «comunista e escritor» que és, constitui um contributo precioso, inestimável para a nossa luta – para esta luta difícil, complexa e sem fim à vista, que é a nossa luta pela justiça social, pela liberdade, pela paz, pelo socialismo, pelo comunismo - pela felicidade.

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