Projecto de Lei N.º 886/XII/4.ª

Estratégia nacional para a proteção das crianças contra a exploração sexual e os abusos sexuais

Estratégia nacional para a proteção das crianças contra a exploração sexual e os abusos sexuais

A Declaração Universal dos Direitos da Criança foi proclamada pela Organização das Nações Unidas a 20 de setembro de 1959, e passados 20 anos foi celebrado o Ano Internacional da Criança.

Contudo, só em 1989 com a adoção por parte da ONU da Convenção Internacional dos Direitos da Criança (ratificada por Portugal no ano seguinte) a criança passou a ser considerada como cidadão dotado de capacidade para ser titular de direitos.

A todas as crianças deve ser assegurado o direito à proteção e a cuidados especiais, o direito ao amor e ao afeto, ao respeito pela sua identidade própria, o direito à diferença e à dignidade social, o direito a serem desejadas, à integridade física, a uma alimentação adequada, ao vestuário, à habitação, à saúde, à segurança, à instrução e à educação.

Estes direitos estão intimamente ligados à felicidade e ao bem-estar das famílias e dos que as rodeiam, isto é, ao cumprimento efetivo dos direitos civis, sociais, económicos e culturais por parte do Estado, bem como pelo assumir das responsabilidades para garantir na prática da vida das crianças, os princípios da Constituição da República Portuguesa e outros princípios internacionais, como o da Convenção sobre os Direitos da Criança, ratificado por Portugal no ano de 1990.

Pese embora a vigência destes direitos fundamentais em forma de lei, a vida quotidiana de milhares de crianças no nosso país é hoje marcada por negação de direitos.

O Relatório Anual de Segurança Interna (RASI) de 2014, dado a conhecer ao público em finais de Março de 2015, indica que há cada vez mais casos de abusos sexuais a menores a serem participados junto dos órgãos de polícia criminal em Portugal.

De acordo com os dados do RASI, os casos de abusos sexuais de crianças, adolescentes e menores dependentes subiram 17,7 % entre 2013 e 2014, mantendo uma tendência de subida que já havia sido detetada nos anos anteriores.

A Convenção do Conselho da Europa para a Proteção das Crianças contra a Exploração Sexual e os Abusos Sexuais, assinada em Lanzarote a 25 de outubro de 2007, entrou em vigor para a República Portuguesa no dia 1 de dezembro de 2012, depois de aprovada, por unanimidade, para ratificação, através da Resolução da Assembleia da República nº 75/2012, de 9 de março, e ratificada pelo Decreto do Presidente da República nº 90/2012, de 28 de maio.

Trata-se de um importante passo jurídico que merece toda a valorização, dada a sua importância na defesa dos direitos das crianças, designadamente face ao flagelo da exploração sexual e do abuso sexual, merecendo igualmente toda a valorização a perspetiva de reforço da proteção das crianças contra qualquer forma de violência, abuso e exploração sexual.

Precisamente porque esta temática merece toda a valorização, faz todo o sentido a exigência de que deve acompanhar este avanço jurídico, um avanço firme na concretização de uma ação preventiva em Portugal, a adopção de medidas concretas de sensibilização, e o reforço da proteção e segurança das crianças vítimas de tráfico e de abuso e exploração sexual.

Considera-se que, para concretizar um combate eficaz e multidisciplinar a este flagelo, torna-se imperioso definir uma estratégia nacional de prevenção e combate dos abusos sexuais a crianças, pelo que é indispensável o reforço dos meios materiais e humanos de intervenção preventiva.

Em tempos de agravamento da pobreza e da exploração, de criação de novas formas de pobreza, as mulheres e as crianças estão na linha da frente desta realidade. Por isso, é urgente a criação de novos mecanismos de ação e prevenção, mecanismos esses que protejam, efetivamente, as vítimas mais vulneráveis, evitando a revitimização, muitas vezes promovida pelas políticas económicas e sociais existentes.

As duras medidas antissociais que estão em curso a nível nacional, agravam a exploração e aumentam a pobreza, diminuindo os salários e as pensões, destruindo serviços públicos essenciais, empurrando para a pobreza milhares de pessoas.

Neste quadro económico e social, aumenta a pobreza entre os mais vulneráveis, nomeadamente as crianças. De acordo com recentes dados estatísticos, verifica-se a prática de crimes contra três crianças por dia, não estando contabilizado a desproteção social a que estas políticas têm votado as nossas crianças: a insuficiência de infraestruturas públicas de apoio à infância, os problemas do abandono e insucesso escolar, o encarecimento brutal da Educação e, até mesmo, a fome crescente entre as crianças.

Por estas razões, entende-se que constitui uma indeclinável incumbência do Estado Português a adoção de medidas de prevenção, através de uma Estratégia Nacional específica de prevenção contra a exploração sexual e os abusos sexuais, para a sensibilização e educação cidadã nestas matérias; a criação de estruturas de apoio; a garantia de que, através do Direito e da Justiça, se edificará uma nova cultura dos direitos da Criança; o reforço das políticas contra o tráfico de seres humanos; a garantia de que nem mais uma criança seja vítima de qualquer tipo de abuso, protegendo as crianças na lei e na vida.

Consciente desta realidade, o PCP apresentou na passada legislatura, na Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, uma iniciativa legislativa propondo a adoção de uma Estratégia Nacional para a Proteção das Crianças contra a Exploração Sexual e os Abusos Sexuais. Esta iniciativa foi aprovada por unanimidade na Assembleia Legislativa, tendo dado origem à Proposta de Lei n.º 233/XII apresentada à Assembleia da República em 6 de junho de 2014. Esta iniciativa foi apreciada na generalidade em 15 de janeiro de 2015, baixou à comissão sem votação para nova apreciação, mas caducou devido ao termo da legislatura da Assembleia Legislativa proponente.

Nestes termos, o Grupo Parlamentar do PCP considera adequado retomar a iniciativa na Assembleia da República, sem ter de aguardar por nova iniciativa da ALRAM, pelo que, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, os Deputados abaixo-assinados do Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte Projeto de Lei:

Artigo 1.º
Objeto
É criada pela presente lei a Estratégia Nacional para a Proteção das Crianças contra a Exploração Sexual e os Abusos Sexuais, adiante designada por Estratégia Nacional.

Artigo 2º
Âmbito
1 - A Estratégia Nacional implementará em todo o território nacional orientações resultantes da Convenção do Conselho da Europa para a Proteção das Crianças contra a Exploração Sexual e os Abusos Sexuais, assinada em Lanzarote a 25 de outubro de 2007, nas matérias que se reportam às incumbências do Estado Português.
2 - A Estratégia Nacional tem por objetivo intervir contemplando as seguintes vertentes:

a) Prevenir e combater a exploração sexual e os abusos sexuais de crianças;
b) Proteger os direitos das crianças vítimas de exploração sexual e de abusos sexuais.

Artigo 3º
Definições
Para efeitos da presente lei e em consonância com a Convenção do Conselho da Europa para a Proteção das Crianças contra a Exploração Sexual e os Abusos Sexuais, entende-se por:
a) “Criança”: qualquer pessoa com idade inferior a 18 anos;
b) “Exploração sexual e abusos sexuais de crianças”: todas as práticas qualificadas como infração penal nos termos do Direito Penal português;
c) “Vítima”: qualquer criança afetada pela exploração sexual e por abusos sexuais.

Artigo 4º
Objetivos
A Estratégia Nacional tem como objetivos:
a) Erradicar em Portugal os problemas de exploração sexual e abuso sexual de crianças;
b) Planificar a intervenção do Estado e a intervenção dos organismos públicos e da comunidade na prevenção da exploração e abusos sexuais a crianças;
c) Implementar medidas de intervenção eficazes destinadas a prevenir os riscos de atos de exploração sexual e de abusos sexuais contra crianças;
d) Organizar campanhas específicas de educação para a proteção e os direitos da Criança;
e) Concretizar ações de difusão de medidas administrativas, políticas e programas sociais com a finalidade de prevenir a ocorrência de atos de exploração sexual e de abusos sexuais das crianças;
f) Desenvolver programas de sensibilização das populações, através dos meios de comunicação social, sobre o fenómeno da exploração sexual e sobre os abusos sexuais das crianças;
g) Assegurar a dinamização, nomeadamente nos sectores da Justiça, Educação, Saúde e Ação Social, de políticas de prevenção da exploração sexual e dos abusos sexuais das crianças;
h) Estabelecer e divulgar programas sociais eficazes de apoio às vítimas, aos seus familiares próximos e a qualquer pessoa a quem estejam confiadas;
i) Reforçar respostas sociais ativas e estruturas multidisciplinares destinadas a prestar apoio às vítimas, com as necessárias medidas de proteção e de assistência.

Artigo 5º
Tutela
A Estratégia Nacional é definida, coordenada e desenvolvida sob tutela do Ministério da Justiça, que garante os meios físicos, humanos e materiais necessários à sua implementação e lhe atribui as correspondentes dotações orçamentais.

Artigo 6º
Unidade de monitorização
Para acompanhamento e avaliação da eficácia da Estratégia Nacional e das medidas específicas a implementar no quadro da presente lei, é criada a Unidade de Monitorização.

Artigo 7º
Composição
A Unidade de Monitorização é composta por:
a) Uma personalidade a indicar pelo Procurador-Geral da República, que preside;
b) Um representante do Ministério da Justiça;
c) Um representante do Ministério da Educação;
d) Um representante do Ministério da Saúde;
e) Uma personalidade a indicar pelo Provedor de Justiça;
f) Um representante da Comissão Nacional de Proteção de Crianças e Jovens em Risco;
g) Um representante da Segurança Social;
h) Um representante da Ordem dos Advogados;
i) Um representante da União das Misericórdias;
j) Um representante da União das Instituições Particulares de Solidariedade Social.
Artigo 8º
Instalação
A Unidade de Monitorização será instalada pelo Ministério da Justiça no prazo de 90 dias após a entrada em vigor da presente lei.
Artigo 9º
Relatório anual
A Unidade de Monitorização elabora e torna público, em cada ano de implementação da Estratégia Nacional, o Relatório de avaliação da eficácia das políticas de prevenção e à proteção das crianças contra a exploração sexual e os abusos sexuais.

Artigo 10º
Debate anual
A Assembleia da República realiza, anualmente, inserido na comemoração do “Dia Mundial da Criança”, 1 de junho, um debate sobre a proteção das crianças e, em especial, relativo às medidas de combate à exploração sexual e aos abusos sexuais.

Artigo 11º
Regulamentação
O Governo procede à regulamentação da presente lei no prazo de 60 dias após a sua entrada em vigor.
Artigo 12º
Entrada em vigor
A presente lei entra em vigor com a publicação do Orçamento do Estado posterior à sua publicação.
Assembleia da República, em 22 de abril de 2015

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