Intervenção de Jerónimo de Sousa na Assembleia de República

"Este é um governo derrotado porque já pertence ao passado"

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Sr.ª Presidente,
Sr. Primeiro-Ministro,
Este Governo é bem a imagem, em matéria de otimismo fingidor, daquela personagem de um célebre romance de Voltaire que, tropeçando, ele e o seu tutelado, com a miséria e com as injustiças, afirmava que tudo corria às mil maravilhas e no melhor dos mundos possíveis.
Ora, quem conhece a realidade e os dramas de milhões de portugueses, sabe que essa imagem idílica não corresponde à realidade do nosso País, que precisa de um outro rumo, de uma outra política. Precisa de uma política que aumente a nossa capacidade produtiva, a nossa produção nacional, o nosso aparelho produtivo, que apoie as pequenas e médias empresas, que recupere as suas empresas, os seus recursos, que seja reposto o que foi extorquido ao nosso povo nos seus salários, nos seus rendimentos, nas suas pensões e reformas.
O País precisa que a saúde, a educação e a proteção social façam parte constitutiva do direito a uma vida mais digna. O País precisa de mais investimento, mas creio que hoje pucos discutem esta necessidade. A questão está em aliar essa necessidade à possibilidade dessa nova política, a qual será mais necessária e possível se, por exemplo, considerarmos a necessidade da renegociação da dívida, que, ao contrário do que disse o Sr. Primeiro-Ministro, aumentou nestes últimos anos.
Mas o Governo não só recusa essa necessidade, como persiste em alinhar, secundar e aceitar as orientações da União Europeia, em colisão com o valor supremo do interesse nacional.
Há quem lhe chame falta de coragem, há quem lhe chame subserviência por parte deste Governo. Talvez! Mas a questão central é que este Governo procura tratar da sua própria sobrevivência e da política que executa.
É aqui que se percebe o acinte em relação à Grécia. É porque lá, independentemente do desfecho, estão a tentar libertar-se das amarras e do jugo dos poderosos e dos mandantes da União Europeia. Este Governo nunca o fará, nem o tentará, sequer, por opção política.
É nesse sentido que, achando que este Governo não tem cura nem tem tempo, pergunto até onde é que pretende ir em nome dessa sua sobrevivência política, embora, como disse, sem tempo e sem cura, porque é um Governo derrotado, que já pertence ao passado.
(…)
Sr.ª Presidente,
Sr. Primeiro-Ministro,
Constatamos um claro alinhamento do seu Governo com o Sr. Ministro das Finanças alemão e não é por acaso que quando ele afirmou que Portugal é a prova de que os programas de ajustamento funcionam o Governo ficou todo contente. Aliás, vimos aqui a expressão desse contentamento.
De facto, é uma meia verdade. Funcionou, mas a questão está em saber para quem. Funcionou para os megabancos alemães, para o capital financeiro — é evidente que funcionou!
E para o País? E para os trabalhadores e para o povo português? Quais foram as consequências? É aqui que o seu discurso colide com a realidade.
Há 15 dias, no debate quinzenal, e num quadro geral em que nós, sistematicamente, denunciamos o aumento do desemprego e da pobreza, o Sr. Primeiro-Ministro, com aquele estilo que o caracteriza, disse «não senhor, lá está o PCP a exagerar!». Veja lá o azar que, à tarde, já depois do debate, o INE veio dizer que a pobreza em Portugal atinge números assustadores.
Como explica essa imagem de sucesso de que estamos a ver sinais por todo o lado de que estamos a sair do buraco, quando, de facto, a pobreza em Portugal, que é paradigmática, tem atingido milhões de portugueses, particularmente crianças?
Como é que pode dizer que está tudo bem, quando vemos, em relação ao Serviço Nacional de Saúde, esta situação dramática que leva ao desespero milhares e milhares de portugueses?
Que sucesso é este que empurrou para a emigração centenas de milhares de portugueses, muitos deles formados aqui, com custos que o País e as famílias tiveram de pagar, e que foram a custo zero para o estrangeiro?
Que sucesso é este, Sr. Primeiro-Ministro, quando verificamos que essa dívida que referíamos aumentou para níveis insustentáveis?
Sr. Primeiro-Ministro, nós defendemos, de facto, a renegociação. O Sr. Primeiro-Ministro coloca-se sempre na posição de defensor dos credores. Nós consideramos que os devedores também têm direitos e que a renegociação da dívida é um elemento fundamental para evitar aquilo que muitas vezes os senhores proclamam. É que um dia não vamos poder pagar!
É claro, não estará cá, quem vier atrás que feche a porta… Mas estamos a discutir um problema de fundo, estrutural para a sociedade portuguesa.
Sr. Primeiro-Ministro, deixe-se dessa conversa de que tudo vai bem ou de que agora está tudo no bom caminho. A realidade desmente-o e, por isso mesmo, pode manter por muito tempo — já não tem muito — esse discurso, mas hoje, lá fora, aqueles que estão em greve, os trabalhadores das escolas, aqueles que sentem na pele esse anátema da pobreza, aqueles que estão desempregados, aqueles que estão revoltados, tendo em conta a degradação da sua vida, esses são aqueles que funcionarão como juízes e acusadores desta política e deste Governo, que não resolve os problemas nacionais.

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