Intervenção de Jerónimo de Sousa na Assembleia de República

"Este governo está a colocar Portugal no topo da exploração e do empobrecimento"

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Debate quinzenal com o Primeiro-Ministro que respondeu às perguntas formuladas pelos Deputados

Sr.ª Presidente,
Sr. Primeiro-Ministro,
As informações que têm vindo a público e, em particular, as que resultam da deliberação da Comissão Nacional de Proteção de Dados, dão conta de um problema cuja gravidade ultrapassa, em muito, o problema da existência da lista VIP ou até do seu próprio entendimento.
O que agora se confirma é que está criado um sistema de dados fiscais que não respeita as regras de proteção de dados pessoais, que permite que empresas privadas tenham acesso aos dados fiscais dos contribuintes e, ainda por cima, confirma-se que foi criado um regime de exceção com uma lista VIP, que deu a um conjunto de cidadãos a proteção de dados que é negada a todos os outros portugueses e que inclui, em circunstâncias muito duvidosas, o próprio Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais.
Desde o início que o PCP foi muito claro naquilo que disse: a proteção de dados fiscais é um direito de todos os cidadãos e não uma prerrogativa de um conjunto de VIP, e não é aceitável a criação de regimes de privilégio.
O problema que agora se coloca é um: mas quais vão ser as consequências?
Os dados fiscais dos portugueses estão à mercê de empresas privadas; as regras legais de privacidade dos dados não são respeitadas; foi criado e escondido, desde outubro do ano passado, um regime de exceção com uma lista VIP. Os dois responsáveis da Autoridade Tributária dizem que fizeram tudo sem o conhecimento do Secretário de Estado, os três enganaram a Ministra das Finanças e o próprio Sr. Primeiro-Ministro repetiu publicamente uma informação que era errada. A Comissão Nacional de Proteção de Dados diz que há indícios de crime. E tudo se resolve com a demissão de responsáveis técnicos? Não há responsabilidades políticas de quem é responsável pelo Ministério das Finanças e pela Autoridade Tributária?
O Sr. Primeiro-Ministro pode considerar que esta questão que estou a colocar não tem razão de ser, mas já se trata da questão da credibilidade do próprio Governo. Já nem a credibilidade do seu Governo o preocupa, Sr. Primeiro-Ministro?
(…)
Sr.ª Presidente,
Sr. Primeiro-Ministro,
O problema não está no prestígio da Autoridade Tributária e Aduaneira, o problema está no prestígio deste Governo, designadamente da Ministra das Finanças e do Secretário de Estado. Portanto, é essa falta de credibilidade que constitui a maior ameaça para o prestígio desse setor.
Mas gostaria de lhe colocar uma outra questão, também de grande atualidade.
Hoje, é o primeiro dia do fim das quotas leiteiras, cujas consequências podem ser dramáticas para os produtores e para um setor onde somos autossuficientes. Ora, gostaria de ouvir o que tem a dizer aos produtores de leite. Num tempo em que precisamos de aumentar a produção, o nosso aparelho produtivo, criar emprego, o seu Governo faz precisamente o contrário.
Vamos nós, Sr. Primeiro-Ministro, ser um mero depósito dos excedentes dos países nórdicos? Aceita a destruição de explorações leiteiras e, consequentemente, de empregos, tanto na produção, como na transformação?
Estamos a falar de emprego. Estamos a falar de produção nacional, Sr. Primeiro-Ministro. E qual é a resposta que dá? Subscrever a proposta desta natureza, que, mais à frente, se vai verificar que terá efeitos dramáticos e trágicos para a nossa economia, designadamente para este setor.
(…)
Sr.ª Presidente,
Sr. Primeiro-Ministro,
Acho que foi uma espantosa expressão, afinal, da sua preocupação em relação ao emprego e a Portugal, em relação aos nossos défices, designadamente ao défice alimentar, a forma acrítica como se colocou perante uma União Europeia que decide ameaçar de morte um setor, considerando que, enfim, temos de «gramar» porque a União Europeia decidiu.
Esse é que é o problema: é que, muitas vezes, falta brio patriótico para defender os nossos interesses nacionais, designadamente na União Europeia.
Sr. Primeiro-Ministro, coloco uma última questão. O Sr. Primeiro-Ministro, na semana passada, no Japão, e ontem cá, anunciou que Portugal vai ser uma das nações mais competitivas do mundo, declaração que alguns poderão entender como uma espécie de «presunção e água benta…», como se não soubéssemos o que quer significar e o que tem por detrás.
Mas o que é que o Governo está a pensar fazer para garantir tal afirmação? É que a afirmação vale por si, mas não justifica coisa nenhuma. É desenvolver a nossa capacidade científica, quando vemos este Governo a empurrar milhares de cientistas portugueses para o estrangeiro, pondo em causa a renovação e o alargamento da infraestrutura humana, técnica e científica, elemento fundamental da produção? É o investimento na ciência e na educação, que estão sujeitos a cortes e mais cortes? É o desenvolvimento tecnológico, quando toda a política está orientada para encerrar unidades de investigação, para a destruição de laboratórios nacionais e outras infraestruturas públicas de investigação e desenvolvimento? É melhorando o contexto favorável à produção do conjunto das atividades económicas, ou seja, reduzirem-se os altos preços da energia, dos combustíveis, dos transportes, do preço do dinheiro? Não!
Não o disse, mas pensa é na continuação da transferência massiva dos rendimentos do trabalho para os grandes grupos económicos e financeiros, como tem vindo a fazer, designadamente com os cortes nos salários e com as alterações à legislação laboral. São estas políticas de desvalorização da força do trabalho com este elemento que, com certeza, usará: Temos, em Portugal, um exército de desempregados que pressionam aqueles que têm emprego: venham porque, de facto, vamos colocar Portugal não no topo da competitividade, mas, sim, no topo da exploração e do empobrecimento.

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