Intervenção de

Estatuto do Jornalista - Intervenção de António Filipe na AR

Alteração do Estatuto do Jornalista, reforçando a protecção legal dos direitos de autor e do sigilo das fontes de informação

 

Sr. Presidente,
Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares,

O Sr. Ministro veio aqui fazer a apresentação de uma proposta de lei sobre o Estatuto do Jornalista, mas creio que, mais do que o Estatuto do Jornalista, o que esta proposta de lei vem regular é o estatuto das empresas perante os jornalistas. De facto, esta proposta de lei vem aumentar - aliás, o Sr. Ministro reconheceu-o - os deveres dos jornalistas, mas, depois, não vem consagrar mais direitos aos jornalistas.

Quando se reconhece que o panorama no sector da comunicação social é de concentração entre os órgãos de comunicação social, quando se constata que tem vindo a aumentar a precariedade do exercício da profissão e que a condição do jornalista tem vindo a ser cada vez mais fragilizada junto dos órgãos de comunicação social para os quais trabalham, o equilíbrio que seria possível repor seria reforçando os direitos dos jornalistas. Só que esse equilíbrio não é reposto; pelo contrário, os jornalistas, com este estatuto, vêem a sua posição mais fragilizada em alguns aspectos fundamentais e, ao invés, vêem aumentados os seus deveres - aliás, com um regime sancionatório sem precedentes.

Mas há dois pontos relativamente aos quais importa, desde já, questionar o Governo e com os quais, do nosso ponto de vista, a proposta de lei vem contribuir para uma maior fragilização da situação dos jornalistas.

Um deles tem a ver com a possibilidade de utilização dos trabalhos dos jornalistas em órgãos de comunicação social diversos daqueles para os quais os trabalhos foram elaborados. E, neste aspecto, há disposições na proposta de lei que se nos afiguram particularmente graves. Desde logo, no artigo 7.º-A, a possibilidade que se introduz de o trabalho do jornalista poder ser alterado pelos seus superiores hierárquicos para efeitos de «dimensionamento, correcção linguística ou adequação ao estilo do respectivo órgão de comunicação social». Ou seja, abre-se aqui a porta a que o jornalista faça um trabalho para um determinado órgão de comunicação social e, depois, dentro do mesmo grupo, esse mesmo trabalho seja adaptado por outras pessoas a estilos de outros órgãos de comunicação social pertencentes ao mesmo grupo. Parece-nos que isto é susceptível de desvirtuar completamente o trabalho do jornalista.

Do mesmo modo, em matéria de direitos de autor, o que se prevê, no artigo 7.º-B desta proposta de lei, é que, durante 30 dias, esses direitos sejam, pura e simplesmente, inexistentes. Para além dos 30 dias, são gravemente fragilizados, como procurarei demonstrar na minha intervenção, mas há aqui um período de 30 dias em relação ao qual os direitos de autor dos jornalistas, pura e simplesmente, não existem.

Finalmente, há um outro aspecto que importa questionar e que tem a ver com a protecção do direito ao sigilo das fontes.

O Sr. Ministro vem dizer que o Governo pretende reforçar a protecção do sigilo profissional dos jornalistas, mas, depois, no texto concreto que é apresentado, o Governo vem fazer depender a possibilidade de impor a quebra do sigilo recorrendo a expressões como «muito dificilmente poderia ser obtido de outra forma » ou aplicando-o a um elenco de crimes entre os quais se inclui a palavra «nomeadamente». Portanto, há aqui expressões excessivamente vagas para que se possa dizer que o sigilo dos jornalistas tem, de facto, uma protecção que seria adequada à salvaguarda do essencial daquela que é a sua profissão.

(...)

Sr. Presidente,
Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares e Srs. Deputados:

É indiscutível que a evolução recente do sector da comunicação social se tem traduzido numa crescente fragilização da posição profissional dos jornalistas. Contribuem, obviamente, para este fenómeno a concentração de órgãos de comunicação social e a crescente precarização em que se tem traduzido o exercício desta profissão.

Quando se apresenta para discussão nesta Assembleia uma alteração ao Estatuto do Jornalista seria fundamental que essa iniciativa legislativa servisse para reequilibrar a situação, tanto quanto possível, reforçando os direitos profissionais dos jornalistas e as condições para o exercício desta profissão. Acontece que a proposta do Governo faz exactamente o contrário, e fá-lo, aliás, em consonância com a orientação de um governo em que uma das últimas medidas foi, efectivamente, a extinção da Caixa dos Jornalistas, pondo fim a direitos adquiridos há décadas por estes profissionais.

Esta proposta de lei é mais uma peça na fragilização da situação dos jornalistas.

A este respeito, chamaria a atenção para algumas normas, muito gravosas do nosso ponto de vista, que constam desta proposta de lei.

Desde logo, a possibilidade de reutilização dos trabalhos dos jornalistas em órgãos de comunicação social do mesmo grupo, a menos que o jornalista invoque, de forma fundamentada, desacordo com a orientação editorial desse órgão de comunicação social, o que, como bem se compreende, seria muito bonito se a situação de exercício da profissão não tivesse a precariedade que tem hoje. O Sr. Ministro não ignorará que esta invocação significaria para muitos dos jornalistas portugueses a perspectiva do desemprego a muito curto prazo, porque a maioria dos jornalistas das redacções não estará em condições de poder exercer este direito relativamente à sua entidade patronal.

Por outro lado, o completo esbulho - é esse o termo - dos direitos de autor dos jornalistas nos primeiros 30 dias, pura e simplesmente.

Por último, a norma a que já aludi, o n.º 4 do artigo 7.º-A da proposta de lei, prevê que possam ser alterados, para efeitos de adequação ao estilo do órgão de comunicação social, os trabalhos do jornalista, podendo ele, quando muito, recusar que a sua assinatura apareça nesse trabalho. Mas a questão que importa colocar é esta: por via desse mesmo artigo, do qual o jornalista retirou a assinatura, se houver algum processo, designadamente por difamação ou por abuso de liberdade de imprensa, quem vai responder?

Isto é, o jornalista fica isento de responsabilidade por um artigo do qual retirou a sua assinatura mas que a entidade patronal insistiu em publicar?

Portanto, aquilo a que o Sr. Ministro chama o «aproveitamento de sinergias dentro do mesmo grupo» não tem outro nome senão a maximização do lucro dos grupos económicos detentores de vários órgãos de comunicação social, com desrespeito pelos direitos legítimos dos jornalistas.

O projecto de lei que o PCP apresenta circunscreve-se a dois pontos que nos parecem essenciais neste processo legislativo. Não foi nossa intenção apresentar um projecto de lei sobre a globalidade do Estatuto do Jornalista, mas apenas contribuir com propostas concretas para duas matérias que consideramos muito relevantes. Uma delas é a protecção dos direitos de autor e a outra é a protecção do direito ao sigilo sobre as fontes de informação.

No primeiro caso, o nosso objectivo é responder a uma tendência que se tem vindo a impor, a de, em nome da evolução tecnológica, tornar o trabalho jornalístico uma espécie de «produto branco», que as empresas proprietárias de diversos órgãos de comunicação social utilizam no âmbito do respectivo grupo empresarial quando e onde entendam, sendo o jornalista privado de qualquer protecção quanto à autoria dos seus trabalhos e de qualquer compensação remuneratória pela sua reutilização. E, nestas matérias, pretende-se que a adaptação às novas condições de mercado seja feita exclusivamente à custa dos direitos de quem trabalha.

As propostas que aqui apresentamos são, aliás, muito conhecidas do Partido Socialista, porque muitas delas vêm retomar, afinal, aquilo que o PS aqui veio defender em legislatura anterior, quando se discutiram iniciativas legislativas, do PS e do PCP, relativas às protecção dos direitos de autor dos jornalistas.

Portanto, vamos ver até que ponto o Partido Socialista alterou a sua posição nesta matéria.

Finalmente, quanto à questão da protecção legal do direito ao sigilo sobre as fontes de informação, importa ter em consideração o carácter fundamental dessa protecção como verdadeira «pedra de toque» da liberdade de imprensa.

Não haverá jornalismo de investigação nem haverá verdadeiramente liberdade de imprensa no dia em que os jornalistas vivam sob o receio de ter de revelar as suas fontes de informação.

A relativização deste valor em contraposição com outros, ainda que estimáveis, a que procede a proposta do Governo não se afigura, do nosso ponto de vista, suficientemente protectora deste direito ao sigilo, por isso entendemos dever apresentar uma proposta alternativa para que esta questão possa ser discutida com toda a seriedade na especialidade.

(...)

Sr. Presidente,
Sr. Deputado Arons de Carvalho,

Não conheço nenhum projecto de lei nem nenhuma proposta de lei que seja o Livro de Estilo do jornal Público. Portanto, nunca tivemos oportunidade de discutir, nesta Assembleia, o Livro de Estilo do Público, como iniciativa legislativa e nem sequer o podemos submeter à apreciação parlamentar.

Se estivesse aqui em discussão esse Livro de Estilo, provavelmente teríamos muitas propostas de alteração, na especialidade. Mas não é isso que nos compete!

O que importa referir é que, enquanto o Livro de Estilo do Público - já que o Sr. Deputado fez a comparação, discutível ou não, e não vamos discutir agora se esse conteúdo é correcto tal como está ou se deveria ser alterado do nosso ponto de vista, porque essa seria uma outra questão - é aplicável a esse órgão de comunicação social, o que está previsto na proposta de lei é a possibilidade de uma chefia poder alterar um artigo de um jornalista, adequando-o ao estilo do respectivo órgão de comunicação social, sendo que esta proposta de lei permite que esse mesmo artigo seja utilizado em vários órgãos de comunicação social.

Portanto, abre-se a porta para uma distorção muito grave do trabalho do jornalista.

E tanto assim é reconhecido que até se permite que o jornalista possa retirar, no limite, a sua assinatura!

Estamos perante uma questão que não é apenas de adequação a um determinado Livro de Estilo; é mais uma «caixa de Pandora» que pode permitir, efectivamente, uma distorção muito grave de trabalhos jornalísticos sem que o jornalista tenha meios para se poder opor a isso.

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