Intervenção de Ana Mesquita na Assembleia de República

«Estamos ainda longe do reconhecimento pleno e efectivo do trabalho com direitos aos trabalhadores científicos e do superior»

Senhoras e Senhores Deputados,

O trabalho com direitos tem de ser uma realidade para todos os trabalhadores. Por isso, tem de ser uma realidade para os trabalhadores do ensino superior e da ciência. No entanto, o PCP denuncia mais uma vez que estamos ainda longe do reconhecimento pleno e efectivo do trabalho com direitos aos trabalhadores científicos e do superior.

Do lado do problema que impede a dignificação e a valorização destes trabalhadores estão políticas de sucessivos governos PS, PSD e CDS que vão convergindo ora no seu aprofundamento, ora no adiamento da resolução das questões de fundo que afectam os Laboratórios do Estado, as Unidades de Investigação, as Universidades e os Politécnicos.

A precariedade na ciência e no ensino superior tem várias origens distintas:

1) o vínculo de trabalho: casos de contratação a termo, contratação à margem das carreiras, e, maioritariamente, bolsas sem nenhuns direitos laborais. Tudo isto para suprir necessidades permanentes não só das instituições, mas do próprio Sistema Científico e Tecnológico Nacional (SCTN);

2) o posicionamento das instituições, que colocam investigadores a dar aulas sem qualquer remuneração mensal; abrem bolsas com pouca duração que não possibilitam sequer ao bolseiro aderir ao seguro social voluntário; que não permitem que um bolseiro o seja por mais de 6 anos, com medo de futuros processos de regularização de vínculos, mandando-os embora, mas contratando outros para as mesmas funções por mais 6 anos;

3) o quadro legislativo: com uma Lei do Financiamento do Ensino Superior e um RJIES claramente desajustados às necessidades de desenvolvimento do país, que vão aprofundando a mercantilização do saber e do conhecimento e o ataque aos direitos dos trabalhadores;

4) a falta de uma verdadeira política científica nacional e de um quadro consistente de estratégia política, estável e permanente de prioridades temáticas e de financiamento, no qual se desenvolva a acção do Governo, articulando as diversas instituições e entidades que compõem o SCTN;

5) o modelo orgânico em vigor: a Fundação para a Ciência e Tecnologia nos seus moldes actuais não serve e pauta-se por atrasos constantes na publicação de resultados, de recursos apresentados, dos primeiros pagamentos. O que se passa com Concurso de Estímulo ao Emprego Científico -Individual de 2017 é um claro exemplo disto mesmo: ainda não há resultados definitivos, nem há contratados ao abrigo dos projectos que foram submetidos em 2017;

6) o subfinanciamento crónico na Ciência e no Ensino Superior: a manta é curta e não basta dizer que se tem vindo a fazer uma aposta nesta área, conforme o Governo tem afirmado. Estamos muito aquém do necessário para a devida valorização de serviços públicos da maior importância, e a comparação com a tragédia para o povo e o país protagonizada por PSD e CDS com o Pacto de Agressão no último governo não pode ser um argumento final.

Senhoras e Senhores Deputados, o Governo tem de responder às perguntas de quem se confronta com um atropelo diário aos seus direitos e de quem vê a situação arrastar-se sem fim à vista.

Diz o Observatório do Emprego Científico que dos 3.188 requerimentos apresentados por professores e investigadores, só 8% tiveram parecer favorável para regularização. Também nas carreiras gerais não estamos no País das Maravilhas, pois só 54% dos casos analisados obtiveram parecer favorável. Têm chegado relatos constantes de concursos do PREVPAP por abrir, tentativas de reversão de pareceres favoráveis, exclusão de requerimentos, indevida aplicação do DL57, designadamente, da falta de inclusão dos bolseiros de fundos públicos de muitas instituições. Têm ocorrido protestos, quer a nível institucional, quer na rua, dos trabalhadores em várias instituições, como é o caso do Porto, Algarve, Lisboa, UTAD, Coimbra ou Madeira.

Também os diversos Laboratórios do Estado se debatem com inúmeras dificuldades. Os trabalhadores com vínculo precário do IPMA são cerca de 35%. O navio de investigação Noruega saiu da Doca de Pedrouços, na madrugada do dia 24 de Janeiro, para mais uma campanha de investigação no âmbito da missão do IPMA, com uma equipa científica em que mais de 50% são trabalhadores precários, incluindo uma das chefes de campanha. Como é ainda possível que tal aconteça?

Problemas no SCTN e no Ensino Superior que se agravam com outros ataques a direitos, como a falta de integração dos Leitores das Universidades, a proliferação de professores convidados e com o desrespeito pelo preconizado no Orçamento do Estado ao nível da progressão nas carreiras. Quanto a este último aspecto, não pode haver soluções diferentes para situações iguais. Não pode haver professores prejudicados em relação a outros. Não pode existir trabalho igual considerado de forma diferente a pretexto da autonomia das instituições.

O PCP defende que deve ser aplicado o regime mais justo: o que considera de forma mais favorável todos os trabalhadores, evitando desigualdades. Cabe exclusivamente ao Governo PS, de acordo com as suas competências, a emissão de orientações claras para todas as instituições do ensino superior quanto à aplicação da norma respeitante às progressões remuneratórias, garantindo a necessária dotação orçamental que responda ao acréscimo de encargos naturalmente decorrente.

Sabemos que o factor decisivo para que todas estas situações alcancem um bom porto é a luta organizada, consequente e persistente dos trabalhadores em defesa dos direitos que justamente reivindicam. Mas o PCP não deixará de fazer a sua parte para que os problemas se resolvam, valorizando os trabalhadores e defendendo os serviços públicos. Continuaremos a confrontar o Governo e a exigir que assuma integralmente as suas responsabilidades nestes processos. Não deixaremos de questionar individualmente o Governo por cada caso concreto que chegue ao conhecimento do PCP.

Disse.

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