Intervenção de Ana Mesquita na Assembleia de República

"O Estado deve garantir o acesso à educação independentemente das condições económicas e sociais de cada um"

Sr. Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados:
As políticas educativas, o sistema educativo e a escola têm uma importância fulcral no crescimento das crianças e dos jovens, na construção do nosso futuro coletivo numa ótica de progresso e no desenvolvimento e aprofundamento da democracia. Se todos têm, segundo a nossa Constituição, direito à educação e à cultura, cabe ao Estado promover a democratização da educação e as demais condições para que a educação contribua para a superação das desigualdades económicas, sociais e culturais.
Se «Roma e Pavia não foram feitas num dia», também a Lei de Bases do Sistema Educativo não o foi. Foram meses de trabalho, dezenas de reuniões por todo o País, com o envolvimento da comunidade educativa — pais, alunos, professores e trabalhadores — e a participação das autarquias locais, processo de amplo debate que visou construir uma legislação estrutural para a educação no nosso País, por forma a responder aos direitos constitucionalmente consagrados.
Processo, esse, que o CDS pretende obliterar com a proposta que hoje nos é apresentada, a pretexto de uma suposta necessária atualização da lei, querendo instituir, no incrível prazo de sete dias, Srs. Deputados, uma revisão que permita alterar alguns dos seus princípios fundamentais, para impor a sua desastrosa prática política. O exercício demagógico que fazem, ao invocar a necessidade de consagração da estabilidade das políticas educativas, para alterar de rompante uma lei estável, denuncia o seu verdadeiro objetivo: trata-se de garantir aos grupos privados mais um amplo campo para o desenvolvimento dos seus negócios, desferindo mais uma machadada na escola pública, com vista à sua privatização. Defender a estabilidade na educação seria, antes de mais, partir para um processo de balanço, verificando o que está por cumprir na Lei de Bases do Sistema Educativo e batalhando para que o que está em falta seja concretizado. Mas não é esse o interesse de CDS. Nunca foi! E nunca foi, desde o dia em que votou contra esta lei, desde o dia em que votou contra a Constituição da República Portuguesa.
Aliás, onde estava a palavra «estabilidade» no dicionário do Governo anterior, de PSD e CDS? Estava nas turmas a rebentarem pelas costuras e nos professores contratados há mais de 15 anos, como na Escola Secundária da Apelação?! Ou na falta de contratação de centenas de psicólogos, de técnicos de educação especial, de professores de educação especial?!
Ou na vida das crianças que ficaram sem o subsídio de educação especial?! Era aí que estava? E o que dizer da estabilidade dos 25 000 professores contratados, ano a ano de mala às costas, deixando filhos, família, casa e vida para trás? Ou das escolas em que faltavam milhares de funcionários? Ou do inaceitável recurso à precariedade e aos Contratos Emprego-Inserção para suprir necessidades permanentes das escolas? A orientação neoliberal do Governo PSD/CDS, cuja governação os Srs. Deputados destes partidos pouco gostam de relembrar, porque sabem que foram momentos de má memória para os trabalhadores e para o povo português, conduziu à desresponsabilização cada vez maior do Estado na educação e, mais ainda, levou à expansão do setor privado, em detrimento de uma escola pública, democrática e de qualidade. A descentralização que preconizam, num País pejado de assimetrias e com as dificuldades que o Governo anterior tanto aprofundou na escola pública, é tão-somente arrepiar caminho para mais um processo de privatização, atirando as escolas públicas para a gestão privada, colocando em causa a universalidade do direito à educação. Vem ainda o CDS invocar a necessidade de consagração em lei de uma suposta «liberdade de escolha»!? Não é de liberdade de escolha que se trata, é de uma falácia! O que o CDS defende e pretende impor é a primazia dos privados, plasmando na lei o que é a sua conceção de rede escolar pública: uma rede em que os privados, sejam eles de cariz lucrativo, cooperativo ou do chamado setor solidário, tenham «a faca e o queijo na mão». E, claro, com o Estado a financiar diretamente o que é de alguns, cortando no financiamento daquilo que é de todos — a nossa escola pública, universal e democrática. O que está hoje aqui em debate são medidas que querem atacar o papel da escola pública enquanto espaço de inclusão, de superação das desigualdades económicas e sociais, de emancipação individual e coletiva, de formação integral do indivíduo, de crescimento, de democracia, tornando-a num instrumento que replica eternamente as desigualdades existentes. A proposta do CDS — veja-se lá! — retira a democratização dos princípios gerais da lei, e há pouco nem quiseram responder porquê,…
Não, nos princípios gerais já não está!
Como eu estava a dizer, a proposta do CDS retira a democratização dos princípios gerais da lei e acentua as assimetrias entre público e privado, insistindo claramente numa lógica de rankings, de competição e disputa entre as escolas, não permitindo o desenvolvimento homogéneo do sistema de ensino, nem tão-pouco de práticas pedagógicas positivas. Sr.as e Srs. Deputados: Como pode esta iniciativa sequer ser levada a sério se nem tenta dar resposta, qualquer resposta, aos inúmeros problemas atuais com que a escola pública efetivamente se confronta?! O PCP defende como prioridade inequívoca o investimento público, com o reforço das condições materiais e humanas das escolas públicas, com o alargamento da rede pública de escolas, cumprindo a Constituição da República Portuguesa e a Lei de Bases do Sistema Educativo. Para o PCP, o Estado deve garantir o acesso à educação e o instrumento para o fazer é a escola pública universal, de qualidade e gratuita em todo o ensino obrigatório, independentemente das condições económicas e sociais de cada um. Cá estaremos, Sr.as e Srs. Deputados, para o combate a todos os ataques à escola pública, venham de onde vierem, vistam a «pele de ovelha» que vestirem.

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