Projecto de Lei N.º 680/XIII/3ª

Estabelece as condições para a criação do Programa de Prevenção Primária e Controlo da Bactéria Legionella

Estabelece as condições para a criação do Programa de Prevenção Primária e Controlo da Bactéria Legionella

Exposição de Motivos

I

De acordo com o documento – Prevenção e controlo de Legionella nos sistemas de água- da autoria do Instituto Português da Qualidade em parceria com a Empresa Portuguesa das Águas Livres, S.A de 2014, “as bactérias do género Legionella encontram-se em ambientes aquáticos naturais e também em sistemas artificiais, como redes de abastecimento de água, redes prediais de água quente e água fria, ar condicionado e sistemas de arrefecimento (torres de refrigeração, condensadores evaporativos e humidificadores) existentes nos edifícios, nomeadamente em hotéis, termas, centros comerciais e hospitais.”

Segundo diversa literatura consultada, existem condições que favorecem o desenvolvimento da bactéria, tais como: temperatura de água entre os 20ºC e 45ºC, sendo a ótima entre os 35ºC e os 45ºC; ph entre 5 e 8; humidade relativa superior a 60%; zonas de reduzida circulação de água (reservatórios de água, torres de arrefecimento, tubagens de redes prediais, pontos de extremidade das redes pouco utilizadas); presença de outros organismos (como por exemplo algas, amibas, protozoários) em águas não tratadas ou com tratamento deficiente; existência de biofilme nas superfícies em contacto com a água; processos de corrosão ou incrustação; utilização de materiais porosos e de derivados de silicone nas redes prediais potenciam o crescimento bacteriano.

Para além do conhecimento das condições que favorecem o desenvolvimento da bactéria existe saber e evidência científica que permitem minimizar a “proliferação de legionella pneumophila e o risco associado à doença dos Legionários, designadamente medidas de prevenção e de controlo físico-químico e microbiológicas com a finalidade de promover e manter limpas as superfícies dos sistemas de água e de ar”.

A bactéria Legionella é responsável pela doença dos legionários e outras infeções respiratórias, nomeadamente a Febre de Pontiac.

Segundo o documento da Direção Geral de Saúde - Prevenção das Doença dos Legionários – de março de 2013, a “doença dos legionários é potencialmente epidémica, com uma taxa de letalidade elevada (5 a 30% dos casos) e pode apresentar sintomas semelhantes a outras formas de pneumonia, sendo por isso de difícil diagnóstico”.

O documento atrás citado refere que “os sintomas começam normalmente 2 a 14 dias após a exposição à bactéria e podem incluir febre alta (superior a 39ºC), arrepios e tosse seca, pneumonia focal e sintomas gastrointestinais.”

A doença dos legionários transmite-se por via aérea (respiratória) mediante a inalação de gotículas de água, conhecidos por aerossóis, contaminados com bactérias. Esta doença não se transmite de pessoa a pessoa, nem pela ingestão de água contaminada.

Afeta preferencialmente pessoas adultas com mais de 50 anos, sendo mais frequentes nos homens do que nas mulheres. Os fumadores, os doentes com doenças crónicas e doentes imunocomprometidos são mais suscetíveis a desenvolver a doença.

A doença dos Legionários é, por força da legislação em vigor, de notificação obrigatória desde 1999.

De acordo com uma publicação da Direção Geral de Saúde (2014) entre 2004 e 2013 foram notificados 962 casos de Doença dos Legionários, destes 89,6% são casos confirmados, 7,0% casos prováveis e 3,4% casos de classificação desconhecida; os casos notificados apresentaram uma distribuição assimétrica no território nacional, no entanto, os distritos do Porto, Lisboa e Braga registaram 73,0% das notificações da doença; em todos os anos a maioria dos casos notificados de doença dos Legionários foi adquirida na comunidade.

Em 2014 ocorreu surto de grande dimensão em Vila Franca de Xira.

Para além destes dados, há a relevar os casos de doença dos Legionários ocorridos em contexto hospitalar, o surto deste ano no Hospital S. Francisco Xavier, em Lisboa, a que se junta ao surto ocorrido em 2011 no Hospital de Brangança ou à deteção da legionella no Centro de Saúde de Mangualde.

Em 2004, a Direção Geral de Saúde publicou uma circular normativa nº 5/DEP de 22 de abril que define o Programa de Vigilância Epidemiológica Integrada da Doença dos Legionários: Notificação Clínica e Laboratorial de Casos.

Nesse mesmo ano e dia foi divulgada a circular normativa nº 6/DEP referente ao Programa de Vigilância Epidemiológica Integrada da Doença dos Legionários: Investigação Epidemiológica.

Quatro anos depois, em 2009, foi instituído o Programa de Vigilância Sanitária de Piscinas através da circular normativa nº 14/DA de 21 de agosto.

Apenas agora, volvidos 13 anos, e na sequência do surto ocorrido no Hospital S. Francisco Xavier, é que a Direção Geral de Saúde volta a publicar normas e orientações clínicas relativas ao diagnóstico laboratorial; à vigilância e investigação epidemiológica e sobre a prevenção e controlo ambiental da bactéria legionella, designadamente: orientação nº 020/2017, de 15 de novembro – Diagnóstico laboratorial de Doença dos Legionários e pesquisa de legionella em amostras ambientais; a orientação nº 21/2017, de 15 de novembro – Doença dos Legionários: Vigilância e Investigação Epidemiológica e a norma nº 024/2017, de 15 de novembro – Prevenção e Controlo Ambiental da bactéria legionella em unidades de saúde.

Importa referir que as normas agora publicadas incidem na prevenção secundária que, sendo importante e relevante quando estamos perante o aparecimento da doença não dispensam, antes pelo contrário, exige a existência de um programa que incida na prevenção primária. Ou seja, um programa que tenha como principal objetivo diminuir a formação e disseminação de aerossóis potencialmente infetantes, e, desta forma reduzir de forma expressiva a ocorrência da infeção por legionella.

Neste sentido, o programa além da cobertura nacional deverá ter também uma abordagem regional; deve assentar nos exemplos de boas práticas já existentes no país, deve ser definido e coordenado pela Direção Geral de Saúde em articulação com as unidades regionais e locais de saúde pública (Unidades de Saúde Públicas das Administrações Regionais de Saúde e Unidades Locais de Saúde dos Agrupamentos de Centros de Saúde).

O Programa deve abranger todos os estabelecimentos abertos ao público (como as grandes superfícies comerciais; hotéis, escolas, jardins-de-infância; universidades; unidades prestadoras de cuidados de saúde quer nos cuidados de saúde primários, quer nos cuidados hospitalares; pavilhões gimnodesportivos) e os estabelecimentos fabris que utilizam sistemas de arrefecimento (torres de arrefecimento, condensadores evaporativos, humidificadores e sistemas de ar condicionado) e redes prediais de água quente de água fria.

No que às unidades de saúde do Serviço Nacional de Saúde diz respeito, a implementação deste programa não dispensa a concretização de um plano de investimento que inclua a renovação dos equipamentos de forma a ultrapassar as insuficiências e o estado de deterioração e má conservação a que muitos estão votados há vários anos.

II

Houve extraordinários avanços no nosso país em matéria de saúde pública após a Revolução de Abril. A consagração do direito universal à saúde, a criação de programas de prestação de cuidados de saúde próximos das populações, de que é exemplo o serviço médico à periferia, a generalização da vacinação, a par do enorme investimento do Poder Local Democrático nas infraestruturas básicas, possibilitou uma grande melhoria nos níveis de saúde dos portugueses.

A Constituição da República Portuguesa refere que “todos têm direito à proteção da saúde e o dever de a defender e a promover” e que esse direito é realizado através de um serviço nacional de saúde universal e geral e realça a importância dos determinantes sociais da saúde, na “criação de condições económicas, sociais, culturais e ambientais que garantam, designadamente, a proteção da infância, da juventude e da velhice, e pela melhoria sistemática das condições de vida e de trabalho, bem como pela promoção da cultura física e desportiva, escolar e popular, e ainda pelo desenvolvimento da educação sanitária do povo e de práticas de vida saudável”.

Não obstante terem existido programas muito importantes no âmbito da promoção da saúde e da prevenção da doença, esta foi a área de intervenção na saúde que menos se desenvolveu. E perante o conjunto de ataques ao Serviço Nacional de Saúde, protagonizados por sucessivos governos, a saúde pública e os programas de promoção de saúde estiveram na primeira linha do desinvestimento público.

As questões relacionadas com a saúde pública, a prevenção da doença e a promoção de saúde são remetidas para última prioridade, refletindo-se posteriormente no financiamento e nos restantes meios alocados a esta área.

As equipas de saúde pública são exíguas. Apesar disso têm de assegurar um elevado volume de tarefas burocráticas, o que não lhes permite o desenvolvimento das suas atribuições e competências relacionadas como a elaboração de informação e planos no domínio da saúde pública, a vigilância epidemiológica e a gestão de programas de intervenção no âmbito da prevenção, promoção e proteção da saúde da população em geral ou de grupos específicos.

Infelizmente a resposta atual da saúde pública é reativa face aos acontecimentos, como foi exemplo o recente surto de legionella, acompanhando os fenómenos depois da sua eclosão e pondo em evidência a fragilidade da prevenção primária.

O quadro legal vigente determina que as equipas de saúde pública deveriam ser constituídas por médicos de saúde pública, enfermeiros de saúde pública, técnicos de saúde ambiental ou ainda outros profissionais, como epidemiologistas, nutricionistas, psicólogos ou técnicos da área social. Mas a realidade é que as equipas de saúde pública são compostas por um número insuficiente de profissionais e não integram a multidisciplinaridade de profissionais de saúde referido.

A Direção Geral de Saúde (DGS), entidade pública que tem a responsabilidade, por excelência, da saúde pública no país não tem os meios adequados para assegurar o seu adequado funcionamento, nem o desenvolvimento das suas atribuições e competências. Uma estrutura organizacional desajustada, um financiamento exíguo e um reduzido número de trabalhadores, constituem os constrangimentos e obstáculos concretos na capacidade de intervenção da DGS.

Como já foi descrito a doença dos legionários é prevenível, assim como são preveníveis e controláveis os ambientes suscetível ao desenvolvimento da legionella, pelo que se impõe que seja criado um programa de prevenção primário e controlo da legionella que esteja sob alçada da Direção Geral de Saúde à semelhança dos programas prioritários da saúde e que permita um controlo mais efetivo desta bactéria e, por conseguinte, da doença.

A elaboração e implementação deste programa constitui também uma forma de investir na saúde pública mediante o reforço das suas estruturas e meios, e assim prevenir a doença e melhorar a saúde aos portugueses

Assim, ao abrigo das disposições legais e regimentais aplicáveis o Grupo Parlamentar do PCP apresenta o seguinte Projeto de Lei:

Artigo 1º
Objeto

A presente lei estabelece as bases e condições para a criação de um Programa de Prevenção Primária e Controlo da Bactéria Legionella em todos os edifícios e estabelecimentos de acesso ao público, independentemente de terem natureza pública ou privada e que possuam equipamentos suscetíveis de desencadear o risco de infeção por legionella, cabendo ao Estado assegurar a melhoria do desempenho energético e da qualidade do ar interior e exterior dos referidos edifícios e estabelecimentos.

Artigo 2º
Âmbito de Aplicação

1- A presente lei aplica-se aos edifícios e estabelecimentos referidos no artigo 1º e instalações industriais.
2- O Programa de Prevenção Primária e Controlo da Bactéria Legionella tem cobertura em todo o território nacional.

Artigo 3º
Objetivos

1 – Constituem objetivos do Programa de Prevenção Primária e Controlo da Bactéria Legionella:
a) Promoção da saúde e segurança dos utilizadores e dos trabalhadores;
b) Definição e estabelecimento de medidas de prevenção primária e controlo da bactéria legionella;
c) Identificação e avaliação dos perigos e fatores de risco;
d) Estabelecimento e implementação de medidas nas diversas vertentes: tecnológica, analítica e epidemiológica em todos os estabelecimentos públicos e privados tendentes a prevenir e controlar o surgimento e desenvolvimento da bactéria legionella.
e) Redução significativa do número de casos de infeção por legionella.

Artigo 4º
Entidades Competentes

1- A elaboração e definição do Programa é da competência da Direção Geral de Saúde, enquanto autoridade nacional de saúde em articulação com as autoridades regionais e locais de saúde pública e o Instituto de Saúde Ricardo Jorge.
2- Cabe às autoridades regionais em articulação com as autoridades locais de saúde pública identificar na sua região todos os sistemas de equipamentos onde existam condições favoráveis ao desenvolvimento de bactérias do género legionella, nomeadamente na água quente sanitária, sistemas de ar condicionado, torres de arrefecimento, condensadores de evaporação, humidificadores, aparelhos de aerossóis, fontes decorativas e redes de abastecimento de água.
3- O Programa de Prevenção Primária e Controlo da Bactéria Legionella deve articular-se com os demais programas da responsabilidade de DGS, nomeadamente os de Saúde Ocupacional e Prevenção e Controlo de Infeções e de Resistência aos Antimicrobianos (PPCIRA).

Artigo 5º
Financiamento e meios humanos do Programa

Cabe ao Governo a atribuição à Direção Geral de Saúde, às Unidades Regionais e Locais de Saúde Pública e ao Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (INSA) as condições materiais, financeiras e humanas para o funcionamento regular do Programa de acordo com a presente lei.

Artigo 6º
Alteração ao Decreto – Lei nº 118/2013, de 20 de agosto

Procede à quinta alteração ao Decreto – Lei nº 118/2013, de 20 de agosto, na sua versão atual, alterando os artigos 12º e 14º, que passam a ter a seguinte redação:

«Artigo 12ª
Acompanhamento da qualidade do ar interior

1 – […];
2 – Com vista à salvaguarda da saúde pública e de prevenção de incidência de doenças com o a doença legionella, as entidades referidas no número anterior podem ordenar a fiscalização, por iniciativa própria, e independentemente de denúncia ou reclamação nomeadamente, nas seguintes circunstâncias:
a) Sempre que haja indícios de que um edifício ou estabelecimento representa perigo, quer para os seus utilizadores ou para terceiros, quer para os prédios vizinhos ou serventias públicas;
b) Quando, se afigurar possível que tenha ocorrido ou possa vir a ocorrer uma situação suscetível de colocar em risco a saúde dos utentes e trabalhadores.

«Artigo 14.º
Obrigações dos proprietários dos edifícios ou sistemas

1 – […];
a) (…);
b) (…);
c) Solicitar a perito qualificado o acompanhamento dos processos de certificação, auditoria ou inspeção periódica obrigatória;
e) Facultar ao perito, ou à ADENE, sempre que para tal solicitados e quando aplicável, a consulta dos elementos necessários à realização da certificação, auditoria ou inspeção periódica obrigatória;
f) Requerer a inspeção obrigatória dos equipamentos dos sistemas de ar condicionado: torres de arrefecimento, condensadores evaporativos e humidificadores;
g) Elaborar estudos de dispersão de efluentes gasosos, considerando as diferentes condições meteorológicas, que permitam identificar potenciais zonas populacionais afetadas em caso risco de contaminação do ar ambiente por legionella relativamente às instalações que tenham associadas fontes emissoras de gases para a atmosfera e que possam constituir risco de contaminação da atmosfera pela bactéria legionella, permitindo atuar de forma mais célere e eficiente em caso de acidente;
i) Participar à autoridade de saúde, no prazo de cinco dias, qualquer reclamação que lhes seja apresentada a propósito da violação do disposto na presente lei.
h) (anterior alínea c)

Artigo 7º
Regulamentação

O Governo regulamenta a presente lei no prazo de 90 dias a partir da data da sua publicação.

Artigo 8º
Entrada em Vigor

A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.

Assembleia da Republica, 30 de novembro de 2017

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