Intervenção de Rita Rato na Assembleia de República

Em defesa da Escola Pública, Gratuita, Democrática e de Qualidade para todos

Ver vídeo

''

Sr. Presidente,
Srs. Deputados:
A instabilidade, os problemas e atrasos na colocação de professores, funcionários e psicólogos são inseparáveis da política mais geral, de desinvestimento e degradação da escola pública e do seu papel emancipador, de recurso ilegal à precariedade para responder a necessidades permanentes das escolas, de degradação das condições de funcionamento das escolas.
Os dias que vivemos, de descredibilização da escola pública, são inseparáveis do projeto ideológico deste Governo, em que, conforme consta no guião, dito, para a reforma do Estado, a educação é excluída das funções sociais do Estado, transformando este direito constitucional num negócio para os grupos económicos.
Sr. Presidente,
Srs. Deputados:
As aulas começaram na segunda semana de setembro e o Ministro da Educação anunciou que todas as escolas públicas abriram as portas. Mas esqueceu-se deliberadamente o Sr. Ministro da Educação de dizer em que condições as escolas abriram as portas.
Muitas escolas continuam a funcionar em estaleiros de obras e as aulas em contentores; muitas famílias não têm condições para comprar o passe e os manuais escolares. Mesmo os alunos com escalão A não têm acesso à totalidade dos manuais escolares, porque o Governo PSD/CDS não assegura o seu pagamento integral e os custos exorbitantes, de centenas de euros, são incomportáveis para muitas famílias.
Na maioria das escolas, faltam funcionários e professores, a plataforma do concurso de psicólogos e técnicos abriu tarde e a resposta a necessidades de funcionamento das escolas tem sido suprida, ao longo dos anos, através do recurso ilegal à precariedade.
Centenas de alunos com necessidades especiais estão impedidos de ir à escola, porque ainda não foram contratados os professores de educação especial e outros técnicos essenciais à sua aprendizagem e inclusão.
Por isso, este Governo PSD/CDS é responsável direto pela discriminação de milhares de crianças e jovens neste País, negando-lhes condições de igualdade no acesso à educação.
Sr. Presidente,
Srs. Deputados:
Hoje, três semanas depois do início das aulas, faltam 239 professores nas escolas do concelho da Amadora, faltam 16 professores no Agrupamento de Escolas Francisco Arruda, em Lisboa, faltam 19 professores no Agrupamento de Escolas Dr. Francisco Fernando Lopes, em Olhão, agravam-se as ilegalidades na constituição de turmas que integram alunos com necessidades especiais, à data de ontem faltavam 30 professores na Escola Artística António Arroio e, ainda hoje, estudantes, pais e professores da Escola de Música do Conservatório Nacional realizaram um protesto para assegurar a contratação de professores e os meios materiais adequados.
Passados 15 dias de desculpas do Ministro, os erros, irregularidades e ilegalidades em torno da bolsa de contratação de escola continuam por resolver.
A vida de milhares de professores contratados está suspensa e as escolas precisam urgentemente destes professores.
É chocante o desprezo com que o Governo PSD/CDS trata a vida das pessoas.
Esta situação prova, aliás, que apenas o concurso nacional com base no critério único da graduação profissional, considerado o menos imperfeito de todos, é o sistema mais justo e funcional na colocação de professores.
Sr. Presidente,
Srs. Deputados:
Nos últimos anos, a exceção passou a ser regra. Aquilo que podiam ser problemas pontuais numa ou noutra escola passaram a ser a marca própria do arranque das aulas na maioria das escolas públicas.
Mas alguém pode aceitar que o Governo publique as listas de colocação de professores numa quarta-feira e obrigue milhares de professores contratados a palmilhar centenas de quilómetros, com a casa e os filhos às costas, para se apresentarem dois dias depois nas suas escolas?!
Alguém pode aceitar que uma escola funcione sem o número de funcionários adequado?!
Alguém pode aceitar que uma escola funcione sem cantina?!
Alguém pode aceitar que as escolas abram portas sem os professores e técnicos da educação especial, impedindo milhares de crianças e jovens de estar na escola?!
O PCP recusa-se a aceitar! O PCP não aceita e combaterá sempre esta política de desmantelamento e descredibilização da escola pública para favorecimento da escola privada e do negócio da educação.
Não aceitamos que milhares de horários que resultam de necessidades permanentes, fruto das aposentações de professores, sejam supridos por contratos temporários, gerando instabilidade agora e no próximo ano letivo.
Não aceitamos que a falta de funcionários seja suprida por trabalhadores em situação de desemprego, que ocupam um posto de trabalho permanente, mas não estão efetivos, e, por isso, na realidade, continuam desempregados, não contando apenas para as estatísticas deste Governo PSD/CDS.
Não aceitamos que o Governo PSD/CDS viole a Lei de Bases do Sistema Educativo e a Constituição, fazendo da escola pública um qualquer serviço para oferecer às populações.
Saudamos, por isso, as lutas desenvolvidas pelos estudantes, pelos professores, pelos pais e pelas populações, em defesa da escola pública e, em particular, das escolas do ensino artístico especializado.
O PCP exige que o Estado cumpra a sua obrigação de assegurar todas as condições materiais e humanas necessárias ao bom funcionamento da escola pública, para que esta possa concretizar o seu papel de instrumento de emancipação individual e coletiva.
Sr. Presidente,
Srs. Deputados:
O Ministro da Educação pediu desculpa, mas as pessoas não sobrevivem com pedidos de desculpas.
A escola pública e os seus profissionais, os estudantes e as suas famílias não resolvem os seus problemas com desculpas, resolvem-nos com soluções, com uma outra política educativa que assegure todos os meios materiais e humanos necessários ao funcionamento das escolas.
A escola pública é uma conquista de Abril, um dos pilares do regime democrático. Degradar a escola pública é, em si mesmo, degradar a democracia.
A defesa da escola pública de qualidade é, por isso mesmo, uma luta de todos os democratas e patriotas deste País.
Cá estaremos nesta e em todas as lutas que contribuam para a demissão do Governo e a derrota desta política, pela defesa de uma política patriótica e de esquerda que cumpra os valores de Abril, aqueles valores de Abril que incomodam no futuro de Portugal.
(…)
Sr. Presidente,
Sr. Deputado Amadeu Soares Albergaria,
De facto, o PCP traz aqui os problemas da realidade concreta das escolas e da vida das famílias, porque é para isso que cá estamos. Não estamos cá para fazer jeitos aos grupos económicos da educação, não estamos cá para permitir pedidos de desculpa do Ministro da Educação, estamos cá para exigir que o Ministro da Educação cumpra com a sua palavra e com a sua obrigação: cumprir a Constituição da República Portuguesa.
Trata-se, portanto, de uma questão de coerência. Compreendemos que ao PSD e ao CDS incomode a coerência daqueles que dizem uma coisa hoje e o mesmo amanhã, daqueles que entendem que é fundamental que o Estado cumpra as suas obrigações.
E não poderão nunca entender que o PCP não aceite como normal a instabilidade deliberada no início do ano letivo.
Acho que não fica bem nem ao PSD nem ao CDS, que sabem que nos distritos onde foram eleitos há problemas nas escolas, há atrasos nas colocações de professores, há unidades de multideficiência que não têm os técnicos necessários e, por isso, as crianças estão em casa sem poderem ir à escola, virem aqui dizer que não há problema nenhum e que tudo começou bem em 99% das escolas, porque, de facto, a realidade é outra.
Pela nossa parte, parece-nos que devemos registar também que o Sr. Deputado nada disse sobre o guião para a reforma do Estado. É que o guião para a reforma do Estado refere que a educação deixa de ser uma função social do Estado, o que é profundamente ideológico e está na raiz desta política de descredibilização da escola pública.
O que os senhores querem, de facto, é que seja indiferente para as famílias escolherem entre o público e o privado. Aliás, os senhores, ao longo das últimas semanas, têm dito em comissão, cada vez que se discute uma petição contra o negócio da educação, que tanto faz ser público como privado.
Srs. Deputados, a vossa opinião é essa, mas não está conforme à Constituição da República Portuguesa, porque esta define que é ao Estado que cabe assegurar as condições materiais e humanas necessárias ao funcionamento da escola pública.
Aquilo que os senhores têm feito é usar e abusar do trabalho precário, é usar professores contratados para responder a necessidades permanentes, é recorrer a trabalhadores que estão em situação de desemprego para substituir funcionários que fazem falta nas escolas.
Da parte do PCP, Sr. Deputado, poderá contar sempre com uma postura de defesa da escola pública para todos, porque é para isso que cá estamos.
(…)
Sr. Presidente,
Sr. Deputado,
Muitas das questões que coloca têm «entrado pelos olhos adentro», só não vê quem não quer. O PSD e o CDS recusam-se a ver a realidade difícil com que hoje as escolas estão confrontadas e preferem anunciar desejos de boa sorte, como se a sorte fosse a solução para os problemas da escola pública.
Importa dizer que muitos dos problemas com que a escola pública está hoje confrontada e que impediram o normal arranque do ano letivo radicam num projeto político de desvalorização da escola pública. Não é por desconhecimento da realidade, não é por desconhecimento do terreno, não é por falta de atenção, é por opção política.
Naturalmente que sucessivos cortes no investimento na escola pública degradam as suas condições de funcionamento; naturalmente que a desvalorização da profissão docente, o aumento do número de alunos por turma, a criação de mega-agrupamentos e a reorganização curricular, que tinham como objetivo a diminuição do número de professores, têm efeitos na qualidade pedagógica e nas condições de aprendizagem. Por isso entendemos que é muito importante romper com esta política, o que exige, necessariamente, uma clarificação da parte do Partido Socialista.
O Partido Socialista esteve em governos que abriram, que escancararam as portas para que este Governo PSD/CDS possa ter concretizado hoje políticas que colocam em causa a democracia dentro das escolas, desde logo no que se refere à questão da gestão democrática das escolas. O fim da gestão democrática das escolas, a criação dos mega-agrupamentos, a criação do Regime Jurídico da Educação Especial, que afasta todas as crianças que não tenham necessidades permanentes dos apoios, foi uma política que teve início com o Partido Socialista e que o PSD e CDS concluíram e agudizaram na sua aplicação.
Tal como éramos contra essas medidas aquando da sua criação também o somos hoje, ainda mais porque a realidade veio provar que são contrárias às necessidades da vida dos alunos e das escolas. Por isso, entendemos que é preciso acabar com a precariedade na contratação de professores e que para tudo o que corresponda a necessidades permanentes das escolas tem de haver um contrato efetivo, devendo-se acabar com esta selvajaria da precaridade também no que diz respeito à contratação de funcionários e de psicólogos. Mas isto colide com um dos objetivos do pacto da troica subscrito pelo PS, pelo PSD e pelo CDS, que previa a redução do investimento na educação.
Sabemos de que lado estamos e continuaremos a estar, do lado da defesa da escola pública e da valorização dos seus trabalhadores como condição essencial à qualidade da escola pública. Era também muito importante que o Partido Socialista, que uns dias anda à esquerda, em vésperas de campanha eleitoral, outros dias, normalmente à sexta-feira, vota à direita, clarificasse a sua postura.
(…)
Sr. Presidente,
Sr.ª Deputada,
As questões que coloca são determinantes. As condições materiais e humanas da escola pública têm influência direta nas condições de aprendizagem e nas condições de frequência da escola pública pelos alunos, naturalmente.
É por isso que, da parte do PCP, nunca poderemos estar de acordo com um projeto ideológico que entende que a escola pública é um qualquer serviço para aquelas famílias que nunca conseguirão pagar a escola privada.
Pela parte do PCP, nunca nos cansemos de dizer que a escola pública foi uma conquista do regime democrático e não é favor nenhum que o Governo faz à escola pública assegurar a contratação de funcionários, de psicólogos e de professores. É, aliás, a sua obrigação constitucional.
Por isso é que entendemos que esta instabilidade não é por acaso, é uma instabilidade deliberada dos que têm um projeto político de descredibilização da escola pública para que, no próximo ano letivo, estes pais, que são agora confrontados com a dificuldade em ter os filhos na escola, possam dizer que mais vale gastar algum dinheiro, mas, pelo menos, vou por o meu filho numa escola onde sei que no primeiro dia de aulas já têm professores. Isto tem um objetivo político de fundo, que é a descredibilização da escola pública.
Porém, no nosso entendimento, a ofensiva contra a escola pública é uma ofensiva contra o próprio regime democrático e é isso que este Governo e as bancadas do PSD e do CDS têm de assumir nas suas responsabilidades, porque, de facto, a escola pública tem um papel fundamental na emancipação individual e coletiva de um País. É a escola pública que consagra as condições de igualdade a todos, independentemente das suas condições económicas, sociais e culturais. Esse é o papel da escola pública.
Por isso, entendemos que, de uma vez por todas, é preciso romper com esta política de desmantelamento da escola pública. Sucessivos governos do PS, do PSD e do CDS têm, à margem da lei de bases do sistema educativo, desenvolvido medidas contra a escola pública, degradando a sua resposta e isso é, simultaneamente, uma afronta ao regime democrático,
Sr.ª Deputada, é por isso mesmo que entendemos que o que está em cima da mesa não é apenas uma luta do PCP, não é apenas uma luta dos professores, não é apenas uma luta dos pais. A luta em defesa da escola pública é de todos os democratas e de todos os patriotas que sabem a importância do papel da escola pública e não se cansarão, nunca, de lutar para a sua concretização.
(…)
Sr. Presidente,
Sr. Deputado Michael Seufert,
É melhor acalmar-se, porque já vimos que o anticomunismo primário o aviva profundamente.
O anticomunismo primário é que move o CDS. É pena! Tivesse o CDS tanta energia para resolver o problema das escolas como tem para o anticomunismo primário e se calhar não estaríamos hoje, aqui, a discutir todos estes problemas.
Aliás, importa também registar — e o PCP regista-o, de facto — é que o CDS, sistematicamente, recusa assumir as suas responsabilidades. Está num Governo em coligação com o PSD e nega prontamente assumir as responsabilidades dos problemas que tem causado no sistema educativo. É que os problemas que têm causado não são culpa dos professores nem são culpa das famílias, são culpa do Ministério, que não tem outra política que não seja de degradação da escola pública.
Sr. Deputado, estamos habituados, da parte do CDS, que as responsabilidades sejam coisas que não caem: foi com os submarinos, é com os sobreiros, é com um conjunto de outras coisas.
Mas, de facto, o CDS não pode fugir às suas responsabilidades no Ministério da Educação e neste Governo, na política que tem sido seguida.
Importa aqui dizer, Sr. Deputado, que referiu que os problemas da bolsa de contratação de escola são problemas que dizem apenas respeito a 1% das escolas. Sr. Deputado, disse-lhe que, no concelho da Amadora, em que praticamente todas as escolas estão integradas no âmbito de territórios educativos e de intervenção prioritária, faltam 239 professores.
São crianças que começaram a ser prejudicadas desde que as aulas começaram, por culpa deste Governo e das políticas que têm de ser seguidas para descredibilizar a escola pública e o concurso nacional de colocação de professores.
Sobre o ensino artístico, gostava de dizer ao Sr. Deputado do CDS, que se tem inspirado em anteriores governos do Partido Socialista, que também não é boa inspiração, Sr. Deputado, porque é verdade que anteriores governos do Partido Socialista não asseguraram a vinculação de professores que estavam a responder a necessidades permanentes.
Registo que quando o PCP apresentou aqui apresentou propostas sobre isso, o Sr. Deputado, na oposição, acompanhou-as; quando estava na oposição, o Sr. Deputado acompanhou muitas propostas do PCP. Mas agora, que chegou ao Governo, veio dizer que vai vincular 149 professores, como se estivesse a fazer um grande favor a estes professores. Estes professores estão, efetivamente, a responder a necessidades permanentes das escolas há muitos anos uns há décadas, e, por isso, este Governo só está a cumprir a lei relativamente a estes professores.
Ou agora quer também que nos congratulemos pelo Governo cumprir a lei quanto a esta matéria? Era bom!
Da parte do PCP, nunca nos cansaremos de dizer que a cada necessidade permanente tem de corresponder um vínculo de trabalho efetivo, e isso não é favor, é trabalho com direitos, Sr. Deputado.
(…)
Sr. Presidente,
Sr. Deputado,
De facto, como bem aqui evidencia, nos últimos anos têm saído do sistema educativo milhares de professores.
Desde 2004 até agosto de 2014, aposentaram-se, nas escolas públicas, mais de 40 000 professores e, ainda há pouco, o CDS congratulava-se pela vinculação de cerca de 1900. Ora, está bem claro que o que tem acontecido ao longo dos anos e de sucessivos governos é o recurso ilegal à precariedade para suprir necessidades permanentes das escolas e isto ainda mais num contexto de alargamento da escolaridade obrigatória até aos 18 anos e até ao 12.º ano.
Por isso, o que entendemos, e para nós é uma posição de princípio, é que a cada posto de trabalho permanente — seja de professores, de funcionários, de psicólogos ou de técnicos de educação especial — deve corresponder um vínculo efetivo. Estas crianças continuam na escola, os jovens continuam na escola e o posto de trabalho é efetivamente permanente.
Para nós, é inaceitável que se ande a propagandear a baixa do desemprego à custa daqueles que estão em situação de desemprego mas a suprir postos de trabalho permanentes na escola pública, daqueles que, através dos contratos de emprego e inserção, garantem o normal funcionamento das escolas, mas que não têm um contrato com a escola e estão em situação efetiva de desemprego.
Para o PCP, e na senda do que temos aqui, por diversas vezes, apresentado, devem estes trabalhadores estar integrados no mapa das escolas e não ser contratados através de contratos temporários. Não estamos a falar de substituição de trabalhadores doentes, não estamos a falar de substituições por licenças de maternidade, estamos a falar de necessidades permanentes do sistema, que sucessivamente têm sido supridas através do recurso ilegal à precariedade.
Por isso, entendemos, Sr. Deputado, que este Ministro, por violar todos os dias a lei de bases do sistema educativo e a Constituição, ao não assegurar condições mínimas de funcionamento à escola pública, deve, efetivamente, ser demitido. Ele e o seu Governo PSD/CDS, que encontra na Constituição o obstáculo à sua política quando, de facto, a Constituição da República Portuguesa é uma âncora que temos para o progresso e na justiça social do nosso País.

  • Administração Pública
  • Educação e Ciência
  • Trabalhadores
  • Assembleia da República
  • Intervenções
  • Professores